Referendo no Reino Unido à UE: goodbye?

Elizabeth II discursou, na passada Segunda-feira, na Casa dos Comuns, acerca dos propósitos do governo conservador de David Cameron para os próximos cinco anos. A monarca mostrou a sua concordância para com o programa de governo apresentado pelos Tories, assim como um entendimento favorável à intenção de Cameron referendar, até 2017, a presença do Reino Unido na União Europeia (UE).

Após a recente vitória esmagadora de David Cameron e do seu Partido Conservador, nas eleições parlamentares britânicas, muitas dúvidas parecem começar a dissipar-se. Uma delas será a questão da imigração, pois os britânicos debatem-se como um dos destinos privilegiados para a imigração, de mão-de-obra qualificada mas também de outra de âmbito não qualificado; porém, a questão mais forte tem a ver com a presença do Reino Unido na UE.

Esse referendo é resultado de uma leitura efectuada por David Cameron: o United Kingdom Independence Party (UKIP), apesar de uma parca representação em Westminster (devido ao sistema eleitoral em vigor), foi o partido com mais votos a nível nacional. Uma das reivindicações do UKIP é de referendar a continuidade do Reino Unido na UE, assumindo desde logo a sua eurofobia e aversão ao facto de grande parte da legislação em vigor no espaço europeu vir do hemiciclo do Parlamento Europeu. Assim sendo, trata-se uma questão de oportunidade: este é o momento certo para Cameron fazer jus a essa preocupação britânica, de avaliar se os súbditos de Elisabeth II estão de facto mais descontentes do que satisfeitos com a presença do reino na UE.

O governo de Cameron sempre se mostrou contra a adesão britânica ao espaço Schengen. Desta maneira, o referendo também servirá para aferir a popularidade dessa medida que abrange, hoje em dia, o Reino Unido. Na perspectiva de David Cameron, acolher imigrantes romenos e búlgaros é diferente do que receber, por exemplo, enfermeiros imigrantes portugueses. Na perspectiva do UKIP não fará diferença, porque imigração é algo que o Reino Unido não necessita (apesar de todas as grandes economias mundiais necessitarem sempre de mão-de-obra forasteira…).

O Reino Unido não abdicará nunca da sua Libra Estrelina. Com efeito, grande parte do projecto europeu fica, à partida, bloqueada, pois um espaço de troca comercial sem fronteiras teria que implicar que a moeda de negociação fosse sempre a mesma, o que não será o caso (como a Dinamarca, que sendo regida por um sistema de monarquia parlamentar, também não abdicará da sua divisa, a Coroa Dinamarquesa).

O Reino Unido possui offshores. É um facto. As ilhas do canal da mancha, como as de Jersey, ou a ilha de Man, não têm taxação de bens de consumo nem de outro âmbito, pelo menos não da forma como sucede na metrópole. Ora, as intenções da UE em sancionar tal tipo de territórios europeus choca directamente com algumas excepções abertas, nomeadamente à economia do Grão-Ducado do Luxemburgo, onde as empresas poucos ou nenhuns impostos pagam para terem a sua sede fiscal nesse país. Outros países seguem de perto esse exemplo luxemburguês, como a Holanda, ou ainda mais recentemente a República da Irlanda.

A economia britânica está directamente ligada à Commonwealth, comunidade de países de língua oficial inglesa. Desta forma, imaginemos que Portugal se unia economicamente, de facto, aos seus parceiros na CPLP. É assim que se encontra o Reino Unido, que transacciona bens muito mais facil e directamente com a Austrália, Nova Zelândia, e mesmo a vizinha Irlanda, entre outros. Se por um lado se diz que perto de metade das exportações britânicas têm como destino países da UE, bem certo será que essas exportações seriam cedo redireccionadas para outros destinos, como os anglófonos que já citei, mas também economias asiáticas, como Singapura ou Tailândia.

O Reino Unido, para além de todas as questões associadas a um UKIP que exerce uma certa teatralização com o seu discurso pró-nacionalista e eurocéptico e xenófobo, perde no câmbio com o Euro, ao exportar bens de consumo: todos os seus produtos se tornam mais caros assim que chegam a países da zona Euro. Assim sendo, será mais fácil encontrar lacticínios franceses com preços mais próximos aos dos lacticínios portugueses, do que comparativamente aos britânicos. Mais: a boa qualidade dos produtos britânicos reflecte-se no preço para os próprios britânicos mas não encontra espaço em economias mais proteccionistas, como a francesa, alemã, e em tantas outras.

Um eventual goodbye britânico à UE nunca o será, na totalidade: as relações comerciais e de proximidade existirão de forma muito parecida à que assistimos hoje, muito provavelmente. Com efeito, o referendo tratará apenas de mudar a forma, e não o conteúdo daquilo que a UE representa para o Reino Unido. Admito que alguns tratados europeus, como o de Schengen, possam vir a ser abandonados pelos britânicos, em caso de vitória do Sim ao abandono da UE, mas o próprio poder em Bruxelas (e em Berlim…) sabe que se deve alterar esta situacionismo de bloqueios movidos por Cameron aos processos políticos europeus. Caso para dizer, “quando um não quer, dois não dançam…”. Enfim, dançarão os outros 27 estados-membros…ou talvez não…