Rei no Rio por um dia – Parte II

Subi ao palco nervoso, receoso de encarar a legião de fans do artista que tinha atuado antes de nós, a pedir-lhe que regressasse para cantar um dos temas de sua autoria que já eram famosos e todos sabiam de cor.

Foi uma sensação arrepiante, semelhante à de ter subido ao cadafalso ou terem-me posto de olhos vendados na beira de um precipício à espera de vir alguém empurrar-me, embora desse perigo devesse estar livre, por, a uma distância confortável, seguir na minha frente Wagner que era o único que queria poder vingar-se de lhe andar a comer a irmã.

Blota Jr., que apresentava em parceria com Sônia Ribeiro, veio sorridente na minha direção e cumprimentou-me com uma palmada no ombro que por pouco não me deslocou a omoplata, fazendo a guitarra que eu trazia presa à alça dançar como se a banda já tivesse entrado em ação.

Levantando um coro de assobios, Lolobrígida acercou-se de nós com aquele ar de quem ouve aqui para ir contar acolá, talvez a Gutierrez que afinava a viola e de onde estava posicionado não entenderia nada do que disséssemos. Depois, segui a trajetória do seu olhar na direção de uma cartolina amarela com o nome da banda escrito a roxo, da cor em que fiquei quando li que alguém punha Engenhocas a rimar no último verso de uma quadra com a palavra minhocas.

Ouviu-se um coro de risos e pressinto que Lolobrígida, furiosa, ter-me-ia pregado uma bofetada se, quando lhe toquei nas costas com a ponta dos dedos para começar a dar à pandeireta, tivesse colocado a mão mais abaixo.

Foi quando, à margem do alinhamento combinado, em vez da valsinha que tínhamos ensaiado na garagem do meu pai, Gutierrez iniciou os acordes da música dos Beatles que mais passava na rádio, que tocada ao vivo por eles não suscitaria uma tão má aceitação por parte do público, pois não teriam Wagner a bater furiosamente nos pratos da bateria como se fosse um Rolling Stone.

Surpreendido, mas disposto a embarcar na aventura com os meus amigos, não me atrevi, porém, a abrir a boca para cantar em Inglês, não fossem as pessoas na plateia, não entendendo nada do que eu dissesse, achar que no idioma de Shakespeare lhes estava a responder às injúrias na mesmíssima moeda.

Fiz sinal discretamente a Lolobrígida para não parar de dançar. De olhos colados às suas pernas enleantes, só diriam mal dela alguns homens, os que tivessem a controlá-los as mulheres ou namoradas e esses não constituíam felizmente a maioria, que eram aqueles que como eu se mostravam incapazes de resistir ao seu encanto.

Içava um pouquinho a saia e sacudi o corpo repetidamente, olhando timidamente para o irmão, como se alguma vez tivesse necessitado da sua permissão para se fazer notada entre os elementos do sexo oposto. Se assim fosse, não teríamos ido na tarde em que a convidei para sair, ao cinema, onde sabia que, para fazê-la esquecer alguma espécie de atração pelo ator que desempenhava o papel, eu era capaz de cometer maiores proezas do que os duplos que no lugar deles e com risco da própria vida punham a gravar as cenas mais perigosas.

Ouviram-se estalidos de pólvora no exterior, como tiros disparados ao longe, e, ao mesmo tempo, mais assobios e novos protestos, mas desta vez contra quem nos apupava. Por fim, irrompeu na sala uma salva de palmas da parte de quem queria que continuássemos a tocar rock ‘n rol, não necessariamente longe do palco que naquela noite era para ser consagrado à música popular brasileira, tornando inaudíveis os apelos de Blota Jr. e Sônia Ribeiro ao restabelecimento da ordem.

Não vencemos o festival e só não digo que mereceu a pena termos participado porque Lolobrígida veio a dizer que desistia da carreira artística, preferido estudar mais afincadamente para tirar um curso. Não que lhe faltasse talento para dançar, mas quem manda nos manda ir atuar a um sítio com público exigente, onde a única coisa que lhes apetecia era ouvir cantar?