Reponham o feriado já!

Sou pela reposição no calendário do feriado de cinco de outubro, mas também do meu nível de vida anterior à deflagração da denominada crise financeira, que entendo não ser culpa da Troika, porque antes da vinda daqueles senhores já tínhamos que bastassem imbecis e incompetentes. E não falo só dos políticos. Uns são empregadores, que sem investir nas suas empresas revelam uma visão redutora da economia, outros, assalariados com uma visão ampliada dos seus problemas, mas todos falsamente a julgarem que pela natureza dos problemas que os afligem, estes os colocam no centro do universo.

Nessa época, eu e a minha segunda esposa viajávamos três vezes por ano ao estrangeiro e os restantes dias de férias passávamos no lar de família que a viu nascer em Porto Santo, num ambiente paradisíaco tão afastado da poluição e dos vícios da cidade, que ela pensava que para o nosso filho nascer saudável era preciso apanhar um avião e irmos fazê-lo lá.

Além disso, tínhamos alugado ao ano um casebre de montanha à beira de um penhasco da Serra da Estrela, para lá irmos quando quiséssemos revitalizar os pulmões ou, com aquele ar puro, encher duas ou três malas de viagem e trazê-las para Lisboa.

É como vos digo, antes de começar a famigerada crise eu auferia um salário tão bom que graças à pensão de alimentos que eu lhe dava, a minha ex-esposa conseguia manter sem dificuldade um espaçoso apartamento de mais de duzentos e cinquenta metros quadrados em Telheiras e os salários em dia de duas empregadas domésticas que a pouparam ao frete de colocar em malas, os pertences do namorado que se me sucedeu e tomou o meu lugar, embora o daquela cama sempre lhe pertencesse, porque logo com o dinheiro que recebeu no primeiro mês, numa tentativa vã de apagar da memória o passado, ela correu a comprar uma nova mobília de quarto e doou a antiga a uma instituição de caridade.

Como nunca construíra planos para comprar uma casa, alugáramos uma mansão nos arredores de Lisboa, ladeada por uma zona de mata e com uma piscina de tamanho razoável à beira da qual, ao entardecer no rescaldo dos dias de verão, me deitava a apanhar os últimos resquícios de sol, enquanto tomava daiquiris ao som das canções de Sinatra, inspiradas por temas que não servem aos compositores atuais para fazerem coisas que atinjam pelo menos o mesmo nível.

Era tão rico, que me dava ao luxo de ter parado à porta de casa um modelo de carro alemão topo de gama, só para as pessoas que passavam verem e pensarem que “ se era assim o que estava estacionado na rua, como seria o que guardava dentro da garagem? ”.

Era um estilo de vida faustoso que me agradava de sobremaneira. Denotava mais sinais visíveis exteriores de riqueza do que o mais recente português a enriquecer com o primeiro prémio do Euro milhões, que, para festejar, nem uma jantarada se atreveu a pagar aos amigos, com medo de ser descoberto e de que lhe viessem pedir dinheiro emprestado.

Ia com a minha segunda esposa aos centros comerciais e comprava caríssima roupa de marca, e a quem me criticava que isso só era possível vivendo acima das minhas reais possibilidades, eu calava, não exibindo a minha declaração anual de rendimentos, mas dando festas pela noite adentro para as quais convidava figuras do jet-set oriundas do circuito das telenovelas e de quem era sabido que só frequentavam a casa de quem tinha posses para cobrir o valor médio da presença que elas àquela hora poderiam estar a receber num bar ou discoteca da moda.

Assim, em todos os polos que vestia exibia orgulhosamente o logotipo do crocodilo e nas calças lá estava reluzente a etiqueta do mais famoso fabricante de calças de ganga dos Estados Unidos.

Com tanto dinheiro disponível, geria um orçamento para roupa que devia ser superior ao valor do IMI que o meu senhorio pagava ao Estado e outro para os gastos da minha mulher em cabeleireiros, SPA e salões de beleza, que, se fosse contabilista, levaria a uma rubrica de “Despesas de representação”, embora em seu lugar, junto de mim, ela não pensasse em fazer-se representar por outra, por ser tão ciumenta que não suportava ver aproximar-se de mim qualquer mulher bonita.

Mas este era o estilo de vida anterior a dois mil e oito, quando começou a famigerada crise que me tem levado à falência. Era ao tempo em que eu, com um cargo de gestão numa empresa de topo, auferia o equivalente a vinte e três salários mínimos. Hoje em dia, com a redução da atividade económica e das vendas no mercado nacional, a empresa, que se ocupa do setor dos materiais de construção, teve de se virar para Angola mas rapidamente os responsáveis perceberam que de lá, ainda pior do que de Espanha, não vem nem bom vento, nem bom casamento e até as previsões macroeconómicas de que quando subir a cotação petrolífera a situação vai melhorar são falsas.

Passei a levar para casa apenas quinze salários mínimos e duvido de que consiga continuar a morar numa casa tão chique. Vou menos às compras e já só estou em condições de oferecer uma vez por ano, uma legitimíssima petit valise da Louis Vuitton à minha mulher.

Ela coitada reduziu as idas ao SPA e teve de despedir o PT ou personal trainer que a levava a casa quando eu não estava. Agora carrega a mochila às costas e vai ao ginásio.

Ma não me importa, nem que inventem boatos, como o de que ela tem um affair com um professor de Zumba da minha idade, porque confio nela. Sei que não é tola. Se, à medida que eu for empobrecendo, fizer planos para me abandonar, hei de pessoalmente certificar-me de que, ao contrário da outra, não vai ter uma pensão de alimentos milionária. Não há-de chegar para manter um apartamento de luxo e muito menos uma empregada que mais tarde a auxilie a fazer as malas aos namorados que quiser pôr fora de casa.