“Revolta de Seda” – Nuno Araújo

A coligação PSD-CDS tremeu (e de que maneira!) e as várias manifestações diárias vão abanando Portugal; o “fim da linha” chegou para este governo, e a modelação da Taxa Social Única (TSU) foi o móbil para uma “revolta de seda” dos portugueses.

As manifestações do passado 15 de Setembro marcaram um limite claro para a imposição de medidas de austeridade. Os portugueses sairam à rua para defender a sua dignidade enquanto cidadãos livres e responsáveis. O governo vê-se, assim, forçado a recuar na implementação dessas medidas respeitantes ao aumento da TSU, específicamente para os trabalhadores, ainda que não se conheçam as novas medidas (n.d.r.: À data de escrita desta crónica, Sábado, ainda não se sabiam as medidas substitutas.

Václav Havel liderou as massas checoslovacas na “revolução de veludo”, em 1989. Passos Coelho, enigmaticamente, lidera os portugueses nestes protestos: deve-se à sua fraca capacidade de liderança e de governança este episódio caricato da TSU. Com estas duas semanas de “telenovela política”, Passos Coelho conseguiu zangar-se com Vítor Gaspar, quase cortar relações com Paulo Portas e engolir em seco com Cavaco Silva. Passos Coelho ameaçou demitir-se, segundo algumas fontes disseram, e a verdade é que essa situação não estará ultrapassada, mesmo com conselhos para acompanhar o funcionamento da coligação (que patetice!), nem com remodelação de ministros (para quê?).

Aliás, a respeito da remodelação do elenco governativo, devo dizer que Álvaro Santos Pereira é ministro para remodelar, obviamente, da mesma forma que Assunção Cristas se perfila como potencial ministra do CDS a remodelar. Mas outros não sairão, talvez para lamento de Passos Coelho. Paula Teixeira da Cruz (vozes dissonante no governo), José Aguiar-Branco (também) e Miguel Relvas não saem. A vigilância entre sectores rivais internos no PSD faz-se notar no próprio governo, agora mais do que nunca.

Este governo, seja como for, está ferido de morte. O “The Economist” já lançou a questão essencial: quanta austeridade é demais? (ler artigo em http://www.economist.com/node/21563352). Nada mais verdadeiro. Façamos uma análise justa ao que se conseguiu: Portugal equilibrou a balança comercial, tipicamente deficitária; Portugal até já se financia nos leilões de dívida pública a taxas muito mais acessíveis do que há meses atrás; Portugal conseguiu reduzir gastos, de facto, supérfluos. Mas ainda lhe falta garantir um caminho sustentável para o crescimento, e para isso não se pode destruir o tecido empresarial português, não se pode apostar tudo em cerca de 100 empresas que exportam e deixar as outras dezenas de milhares sem apoio; não se pode retirar subsídios de férias e natal porque o turismo e o comércio, respectivamente, são as duas áreas que mais perdem mas também as que mais poderiam dar a ganhar ao país se este governo não fosse aquilo que demonstra ser: verdadeiramente incompetente.

Em suma, uma importante parte da população portuguesa tem-se manifestado contra as medidas de austeridade, e tem-no feito ordenadamente. Portugal é um país de brandos costumes, mas esta austeridade advinda do plano de ajustamento financeiro tem feito mudar o país, de alguma forma até estruturalmente. Daí que a “revolta de seda” seja elegante e pacífica, mas directa e despudorada, porque não tem receio de “dar a cara” nem de dizer aquilo que o país sente: já chega de crise!


Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana