Revolta ou dar a Volta? – Aida Fernandes

Hoje, não sei bem porquê, ou melhor se calhar até sei (porque sempre procuro fazer da minha cronica uma história baseada em algo que vivencio no meu dia), captei palavra por palavra, a entrevista que Bento Amaral deu á TVI. Como eu, penso que milhares de pessoas o fizeram, este homem deu-nos com a sua entrevista a maior prova de força, coragem, inteligência, e até mesmo sensibilidade, notória naqueles olhos que brilhavam quando falava. Dizia ele…o meu acidente roubou-me a minha mobilidade mas levou também comigo os meus sonhos…sonhos quase roubados! Fiquei a pensar nestas palavras! Sem sonhos as perdas se tornam insuportáveis, as pedras do caminho se tornam montanhas, mas ele fez das fraquezas forças e aprendeu a reequacionar a felicidade. Aprendeu a ser feliz com o que tinha ao seu alcance, encontrou energias positivas para formar o pensamento e não desistiu dos seus sonhos.

E agora eu pergunto! Como é possível um homem que aos 25 anos ficando tetraplégico, um homem bonito, charmoso, inteligente, ainda no começo da sua viagem, afirme tão convictamente, que a felicidade é um estado…é mais que um momento…a felicidade passa por aprender a ser feliz com o que temos ao nosso alcance! Qual a nossa resposta?

As suas palavras levaram-me numa viagem ao passado quando em 2002 perdi um sobrinho de acidente, um jovem com 23 anos, estudante universitário, um sobrinho que vi nascer (aliás e se me permitem ele nasceu a 10 de Junho…nada melhor que aproveitar para Felicitar esta data), um sobrinho que vi crescer e um sobrinho a quem foram roubados todos os sonhos. Nessa altura também tivemos que aprender a reequacionar a felicidade a partir da perda, na minha memória ficaram gravadas as palavras de uma mãe fragilizada que dizia…”quem me dera que tivesse ficado tetraplégico, incapacitado, nunca ter ficado sem Ele…! Foram roubados os seus sonhos! Tinha tanto para viver e sonhar!

Quando a vida nos prega estas partidas, chegamos a ficar revoltados sim, mas aprendemos a ver tudo com outros olhos, esta é a escola, aprender com as adversidades, acreditar que a passagem por aqui pode ser breve e que devemos enfrentar tudo independentemente das condições. Tudo deve ser superado com sonhos, são eles que oxigenam a nossa inteligência e irrigam a vida de prazer e sentido, são como uma bussola indicando os caminhos que seguiremos e as metas que queremos alcançar…transformam a revolta dando a volta! Não nos deixam ficar encarcerados por culpa ou medo.

Os sonhos se tornam realidade porque ganham combustível emocional que jamais se apagou mesmo ao atravessar chuvas torrenciais. Eu pergunto, qual é o combustível? Só pode ser a paixão pela vida!

Então, quando chegamos á ultima etapa, com os 70…80…90 anos de vida, será que temos o direito de reequacionar a felicidade no momento como sendo negativa! Estamos perante uma cadeira de rodas, mas já vivemos todos os nossos sonhos, será que temos o direito de reequacionar o nosso estado físico?

Estamos conscientes e com autonomia enquanto alguns já perderam tudo, fruto das demências ou alzheimer, então conseguimos ainda continuar a sonhar!

Estamos numa cama, a necessitar dos cuidados de alguém, então só podemos esperar que hajam pessoas humanas com capacidade e paixão pela vida, capazes de tornar o agora num sonho vivo, o momento numa fase onde todo o combustível emocional possa valer como oxigénio até ao final, irrigando os poucos dias que nos restam com cor e alegria e menos sofrimento.

Vamos dar a volta em vez de ficar sempre pela revolta.

 
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Crónica de Aida Fernandes
A última Etapa