Rita, anda ver o verão! – Cap.8

A ladear a porta principal da entrada e distribuídos de forma simétrica, dois semicírculos compreendendo três janelas retangulares, erguiam-se altivos como se fossem os elementos em maior evidência nas duas colunas de pedra onde assentava a placa de cimento que servia de base ao piso superior.

À vista do exterior e no piso superior, a frontaria do edifício era dominada por uma superfície plana envidraçada, ao centro da qual e com passagem para uma varanda, existia uma pequena porta colocada entre as duas janelas da sala dos Órgãos diretivos do estabelecimento de ensino, a qual para não permitir entrar pó que sujasse as pastas dos arquivos dos estudantes raramente se abria.

Um par de metros acima delas, perfilado no terraço de onde não se via tão longe que permitisse esquecer como eram as ruas estreitas do bairro, enxergava-se um fino pau de bandeira no cimo do qual o símbolo expoente máximo nacional era hasteado nos dias em que havia as cerimónias protocolares do início e do final do ano letivo. O corpo principal do edifício destinado a alunos e professores, situava-se nas traseiras desta simples mas eficaz fachada de elementos simétricos, a partir de uma linha imaginária que a dividia ao meio.

Embora estivesse bem asfaltado e sem buracos, no piso do largo fronteiriço à escola era estritamente proibida a circulação de veículos automóveis, o que não impedia de aí estacionarem os seus motociclos de baixa cilindrada, alguns dos alunos mais velhos que tinham, no entanto, já idade para possuir Carta de carro.

Daquela vez, Rita não precisou de se esforçar para empurrar o velhinho portão da entrada. É que, parecendo adivinhar o seu problema, segurando-o com ambas as mãos a fim de dar-lhe passagem, um professor de óculos com armação de tartaruga, poupou-a ao trabalho de escolher no gradeamento um ponto onde não houvesse ferrugem que pudesse mascarrar-lhe as mãos.

Mesmo ao lado e protegido por uma janela com barras verticais de ferro que pareciam arrancadas de um antigo posto de vigia na fronteira entre dois países inimigos, estava sentado um funcionário de rosto cabisbaixo, talvez para ocultar umas enormes olheiras, ainda maiores do que os aros dos óculos do professor.

Com lentidão, como se perscrutasse os pensamentos de Rita, o homem de meia-idade acenou com a cabeça e conferiu o nome da rapariga escrito em maiúsculas no cartão do tamanho de um passe social, que ela lhe apresentou no qual lhe aparecia a sorrir exibindo-se numa fotografia em que devia ser uns cinco anos mais nova.

Se alguma semelhança física ainda havia entre a jovem da foto tirada numa máquina à la minute e a adolescente que aguardava impacientemente em frente ao porteiro, autorização para entrar na escola, ela estaria certamente na vulgaridade do olhar, mesmo sem ser vulgar e na brandura do sorriso que lhe conferia um grande caráter. Contudo, exigiria um grande esforço e seria necessária uma criteriosa seleção de palavras, mesmo por parte de um homem letrado, para alguém conseguir descrevê-la e Rita não esperava ouvi-las da boca de um homem cujo conhecimento ao nível do vocabulário devia ser tão limitado como o espaço que ocupava naquele cubículo onde mal cabia apertado contra uma secretária, que tinha colocado em cima um telefone sem fios e uma agenda aberta coberta de rabiscos, como se ele tivesse estado a tentar em vão, desenhar o esboço de uma ponte para uma nova travessia do Tejo.

E assim como devia desconhecer o significado da maior parte do que lhe diziam, se as ouvisse, o mais provável era ele ser tão ignorante que desconheceria o significado delas, jamais podendo agradar a Rita que gostava de ouvi-las, mas vindas da boca melosa dos rapazes da sua idade.

Demonstrando pouco apreço pela presença dela e sem levantar a cabeça, que devia manter baixa de lhe pesar a consciência, o guarda-portão devolveu-lhe o cartão, que não examinara tão minuciosamente como seria necessário para ver na fotografia de que lado estava o sol que iluminava o rosto da rapariga. Desajeitadamente, ela pegou-lhe e guardou-o sem cerimónia no momento em que o homem, que ainda não abrira a boca, se tivesse encarado a cara dela em fúria, daria de caras com um olhar impetuoso que jamais esqueceria.

Ao transpor o último obstáculo com que se deparava e que não passava do cumprimento de uma mera formalidade, Rita, ainda na expectativa de que a professora a deixasse entrar com a aula a correr, estava mais perto de saber de que forma seria recompensada pelo esforço de ter percorrido uma distância digna de uma maratonista com a passada veloz de uma corredora dos cem ou duzentos metros.

Na sala de convívio que estava deserta, o relógio de parede marcava as horas, mas para ter a certeza e certificar-se de que o ponteiro maior que avançava era dos segundos e não dos minutos, Rita avançou uns metros de cabeça no ar, tropeçando num degrau desnivelado que por pouco a não fazia cair à vista de dois alunos que, do início da escadaria de acesso ao piso inferior, a observavam em silêncio, na certeza de que depois não lhes faltaria motivo de conversa para começarem a falar.

Vendo de que lado eles estavam, Rita endireitou-se, pondo-se em posição de ser facilmente vista para comprovarem que tinha retomado a normalidade e a seguir verificou, num grande estado de ansiedade, que afinal só faltavam escassíssimos minutos para terminar a aula que estava a decorrer, pouco mais do que demoraria o intervalo até começar a da disciplina seguinte.

Conformada, seguiu por um corredor largo onde, a par do busto do fundador da escola esculpido em mármore, havia retratos de todos os antigos diretores da escola até ao presente ano letivo. De rosto austero, todos tinham um ar rigoroso, como rigorosos deviam ter sido os anos em que, simultaneamente, lecionavam e ocupavam cargos de chefia. Porém, de uma coisa Rita tinha a certeza, o de ter sido a trajetória de cada um marcada por algumas benfeitorias que fizeram a favor da instituição ou não seriam, volvidos tantos anos, alguns deles ainda hoje recordados com eterna saudade.

Numa vitrina alta, através de um conjunto de medalhas, eram evocados, a par deles, todos os alunos cujo nome tinha pertencido ao quadro de honra da escola. Só ao alcance dos mais inteligentes, essa distinção era recordada noutro expositor onde se exibia um conjunto raro de fotografias que lembravam as várias etapas da construção da escola, desde a colocação da primeira pedra até ao dia em que foi inaugurada pela mão do distinto governante da época que de tesoura em riste para cumprir o ato solene, ganhou a alcunha do corta-fitas.

Mirando-os, Rita sentiu-se impotente para contestar a opinião que homens de semblante carregado como eles formariam a seu respeito se a vissem. Ao verem-na passar descontraída, nem suspeitariam da vontade que tinha de voar por cima das cabeças de quem se cruzava com ela na rua e a seguir poder pairar sobre o edifício mais alto e do telhado, olhando para baixo, deixar sem resposta a diretora de turma que haveria de sair do gabinete e acenar-lhe de braços estendidos, pedindo-lhe encarecidamente que descesse com cuidado do céu, antes que as asas derretessem por ação do sol e ela tombasse.

(Continua)