Rita, anda ver o verão! – Cap.11

Silvino ouviu-a chamá-lo pelo nome, por entre outras vozes de pessoas que não se preocupou em ver quem eram, porque não lhe soava que fossem conhecidas.

Ao reconhecer a voz da amiga, nos olhos de Silvino acendeu-se uma luz de uma cor nunca vista e que ela não pôde ver porque ele estava de costas. No entanto, pressentiu a sua satisfação na resposta que foi audível na voz cristalina do rapaz que, de tão pura, chegava ao céu.

Respondeu-lhe na forma de um convite para irem juntos ao bar do piso inferior onde havia uma máquina que disponibilizava automaticamente sanduiches desenxabidas de queijo pelo preço das de pão fresco mistas à venda em qualquer pastelaria e garrafinhas de quarto de litro de água ao custo de duas de litro e meio à venda em qualquer supermercado.

Mesmo ao lado, entre aquela em funcionamento e outra máquina idêntica que estava avariada e por isso desligada da corrente elétrica, tínhamos então a máquina do café que era a única preparada para dar troco, embora para Silvino isso fosse irrelevante, porque invariavelmente a contas com a falta de liquidez que afetava a sua tesouraria, raramente na ranhura para esse efeito ele introduzia alguma moeda de valor superior que lhe permitisse receber algum.

Enquanto isso decorria, na sala dos professores, que era uma espécie de antecâmara onde eles reuniam antes de bater à porta do Conselho Diretivo onde formalizavam as queixas dos alunos, em lugar de alinhavar a matéria da aula seguinte, a professora de Inglês de Rita narrava aos colegas o episódio que tinha ocorrido, acrescentando-lhe requintes de malvadez que justificariam a ira demonstrada. Em casa, pensaria nos termos em que, aos pais, faria queixa da má educação do rapaz, escrevendo uma carta que faria questão de ler em voz alta na sala de aulas, para, podendo avaliar os seus conhecimentos da Língua Portuguesa, os colegas ficarem a saber de como era capaz de fazê-lo.

Àquela distância, a Rita ainda lhe pareceu ouvi-la quando seguia no corredor atrás do amigo, resmungando num idioma que inicialmente todos os colegas estranharam por não ser o Inglês, exigindo em público um pedido de desculpas a Silvino, que Rita achava só a ela e em privado, ele tinha o dever de dar.

Fazendo ouvidos de mercador, Rita preocupou-se naquele momento em confortar o amigo. Na qualidade de melhor amiga do rapaz, lamentava profundamente o momento difícil que ele estava a viver e tão pouco se limitava a imaginar a dor que o mesmo estava a sentir. Isso, qualquer pessoa podia fazer e se esse pensamento partisse de quem não o conhecesse tão bem como ela, tinha inerente uma grande margem de erro.

A fim de retemperar a energia despendida, era tempo de Rita abocanhar um cachorro quente que a fez salivar de desejo a caminho do bar. Lá chegados, para conseguirem acercar-se do balcão, onde uma empregada de braço esticado se esforçava por conseguir atender todos os alunos ao mesmo tempo, tiveram de romper uma barreira de gente que estava parada à frente de ambos aguardando a oportunidade de fazer o seu pedido. Nos intervalos, como forma de ocupar o tempo, toda a gente acorria ao bar com a pressa de comer qualquer coisa e nos das primeiras aulas era costume ele encher-se de tal forma, que os alunos de pé dariam para encher o quádruplo das cadeiras que já estavam ocupadas.

Na falta de uma mesa vaga onde pudessem conversar com um pouco de privacidade, Rita e Silvino tiveram de contentar-se em juntar-se a um grupo de amigos a quem à entrada tinham acenado, em troca de um sorriso circunstancial. A estes, surpreendeu-os que ambos tivessem sido atendidos em tão pouco tempo, mas não se mostraram admirados ao verem-nos, de latas de refrigerante na mão e sande, dirigirem-se a si sem terem sido convidados.

Entre aquilo que pensaram e o que ficou por dizer, estava subjacente a ideia errada que faziam de Silvino e de Rita, que nem sempre condizia com a de uma pessoa que se apresentava perante os outros sem disfarces. Talvez esperassem a imagem de um Silvino acabrunhado, de um rapaz receoso da reação dos pais, que tivesse sido sancionado com uma punição mais severa do que uma simples ordem de expulsão da sala, nem sequer reparando que não mudara da roupa de véspera: um par de jeans rotos nos joelhos, com as bainhas a roçarem no chão desde o dia em que lhas deu o irmão mais velho, que começou a trabalhar e finalmente ganhou dinheiro para comprar um novo par de calças; e uma t-shirt estampada com o logotipo de uma marca de cerveja, sob um slogan escrito em letras garrafais, que bem podiam ter sido retiradas do cabeçalho de um jornal ou servir para dar alguma informação a respeito da sua personalidade que fosse importante transmitir aos outros, tal como essa de que se não passara a ser um anjinho por ter agora o cabelo louro encaracolado, também não o colocavam num campo moral diametralmente oposto, o facto de ter cometido, aqui e acolá ao longo da sua ainda curta existência, alguns erros de somenos importância. E se não era por imitarem os professores, chamando-lhe preguiçoso, que todos os alunos passariam a ser um bando de mentirosos, também não era por se rirem das suas façanhas que tornavam menos grave a ofensa de se lhe referirem com ironia pelo facto de no final de cada período não tirar notas tão boas como as suas.

Eram dois rapazes e duas raparigas, os amigos do casal que se encolheram nas cadeiras para estes terem espaço para se sentar. Dois rapazes e duas raparigas sensivelmente da mesma idade, que eram as pessoas perfeitas para estarem naquele sítio àquela hora, porque, consequência de serem magros, tinham elasticidade suficiente para que Rita e Silvino coubessem afinal entre eles à vontade.

De pé, estava a rapariga que falou melhor a Rita do que as outras, pela circunstância de ser sua prima direta. Pela parte materna, a jovem tinha duas primas mas esta era a que vivia mais próximo, que via mais vezes e com quem tinha naturalmente maior afinidade. Chamava-se Viviane e vivera até aos doze anos numa pequenina cidade fronteiriça a Dusseldorf no estado Alemão da Renânia do Norte-Vestefália.

Tinha um grau de maturidade invulgar para a sua idade e jamais acharia graça a rapazes do género de Silvino, nem que saíssem de casa para a escola com um nariz de palhaço enfiado ou decidissem mascarar-se com a vestimenta de outra qualquer personagem de comédia. Da mãe, que era literalmente uma mulher de peso, herdara o gene da obesidade e como crescia ao ritmo a que engordava, essa circunstância fazia com que parecesse ter a mesma altura de há três anos. E isso não era coisa de que se orgulhasse. O problema era ter um metabolismo que só lhe permitia queimar calorias lentamente, mais ou menos à velocidade do corpo de Rita em repouso, que é como quem diz, no rescaldo de uma noite finda a qual ela tivesse adormecido tão profundamente que não se lembrasse ao acordar, com o sol a bater-lhe no rosto ou coberto por uma cortina de nuvens no céu, de nada com que tinha sonhado.

(Continua)