Rita, anda ver o verão! – Cap.12

Era o estilo de vida diferenciado de ambas que no caso delas ditava a silhueta. A de Rita era esbelta, a da prima resultava de um modo de vida sedentário a que não estava ligada nenhuma lembrança boa. O dia-a-dia de Rita era movimentado, daí não ter dificuldade em adormecer, mal caía na cama da qual não encararia levantar-se por uma razão diferente do prazer de estar viva.

Na ausência de uma cintura fina onde pudesse firmar as mãos para rodar uma saia de pregas que lhe deixasse à vista um par de pernas inchadas, sobravam em Viviane focos de celulite nas cochas, que era onde Rita pensava que a prima armazenava as doses de açúcar que consumia em excesso, provenientes da doçaria presente na sua dieta diária, em quantidade superior à de que qualquer ser-humano necessitava para ser feliz.

Devido ao peso excessivo para uma pessoa da sua altura, Viviane movia-se lentamente, ao compasso da tartaruga, no entanto contrariamente ao animal a carapaça era frágil e ameaçava estalar a qualquer momento. Em diversas ocasiões, a prima surpreendeu-a chorando no recesso do quarto, pensando que não era escutada por ninguém, do mesmo modo que não eram escutados, mas desta vez por si, os constantes apelos vindos da mãe no sentido de resistir à tentação e refrear o desejo de comer tudo o que lhe surgisse à mesa. Daí que sob a capa invisível de uma mulher robusta, Rita desconfiasse que vivia escondida uma jovem insegura e sobretudo teimosa que recusava ponderar sobre as vantagens para a sua saúde de emagrecer rapidamente.

Era impossível determinar o dia em que se viram pela primeira vez, mas Rita lembrava-se de brincarem juntas na infância, numa época em que não tinham presente a noção do tempo nem do espaço que ocupavam no mundo, a não ser, para encher de alegria, nos corações de veludo das mães uma da outra.

Louca por um estilo de moda alternativo, aos dezasseis, Viviane vestia-se frequentemente com as roupas de grávida da mãe quando emprenhou dela. Calças e camisolas largas que mal disfarçavam o estado anímico deplorável em que ficou de Viviane quando a largou um namorado que não deixou saudades a ninguém.

Mais tarde emigrou para a Alemanha, não chegar mais longe na carreira de costureira, mas para escapar aos ditames do pai que pretendia casá-la urgentemente com um eletricista que ficaria em estado de choque mal a descobrisse grávida. Sem dinheiro, alugou quarto numa casa de hóspedes e rapidamente foi trabalhar numa fábrica de lanifícios que nem ao fim-de-semana dava descanso aos empregados. Mas foi só até ela dar de caras com um alemão simpático, que era sócio de um consórcio de empresas e, de tal modo gostou dela, que a libertou do tormento de trabalhar de pé quando se tornou evidente que uma mulher no seu estado precisava de passar mais tempo sentada.

Nos dias que se seguiram, tantas vezes o alemão passou perto dela para saber se tinha feito uma adaptação fácil ao lugar, que entre o pessoal ficou conhecido com a alcunha do Mimoso. E um dia, pressentindo que seria novamente bem-sucedido na tentativa de convencê-la a mudar de lugar, convenceu-a a ir morar consigo numa mansão de catorze assoalhadas que ela já começara a frequentar desde as primeiras vezes em que passou a sair de casa para o trabalho e do trabalho diretamente para casa dele.

Viviana nasceu e cresceu saudável, mas quando o empresário alemão faleceu de doença incurável, a tia de Rita regressou a Portugal para na casa paterna acabar de criar a filha, na esperança de vir a encontrar um novo marido mais condoído da sua maneira de ser do que o primeiro, que a deserdou ao simplesmente desconfiar que andava a ser traído.

Rita tinha os cotovelos apoiados no beiral de mármore da janela quando certo fim de tarde viu chegar um táxi guiado por um condutor quase tão distraído como ela quando se punha a ver as pessoas na rua a passar. Entrando na rua a grande velocidade, o veículo fez uma travagem brusca defronte do seu prédio e de dentro dele saiu uma mulher de nariz empinado sob uns óculos de sol que levantou antes de lançar um olhar de despedida ao carro, parecendo desgostosa por ele não ser tão grande como uma limusina, nem ter à sua espera uma comissão de boas-vindas.

Mal tocou à campainha, a mãe de Rita foi espreitar e desceu, oferecendo-se para pagar a viagem de táxi da irmã, desde o aeroporto, que tinha ficado tesa ao gastar o dinheiro que sobrava na carteira em duas mini-refeições no avião que as deixaram com fome. O motorista guardou o troco por conta do frete de carregar sozinho duas malas de viagem e um baú até ao último andar do edifício e foi-se embora à sua vida.

Na condição de dar lições de Alemão às primas, Viviane passou a frequentar a casa aos fins-de-semana, mas o sucesso das aulas esbarrou na intransigência de Rita em querer aprender um idioma no qual tinha a certeza que os adultos não se entendiam, baseada no relato das constantes discussões que a prima fazia do que se passava lá em casa, entre a mãe e o padrasto, que sempre a tratou bem como pai, mas a quem ela nunca desrespeitou como fazem muitas filhas. É que para Rita, até as mais belas frases proferidas pela prima na Língua de Goethe, lhe soavam a impropérios impróprios para os ouvidos de uma menina mas que, na sua opinião, encheriam de brios o próprio Manuel Maria Barbosa du Bocage.

De tanto ouvir dizer bem da Alemanha, já andava toda a família com vontade de conhecer o lugar, mas, sem saber sequer se o lar onde viveram, agora entregue aos sobrinhos que o herdaram, ainda estava de pé, o mais longe que todos conseguiram ir foi juntos numa semana de férias ao Algarve, porém em outubro numa altura em que alugar, nem que fosse um pequeno apartamento, no verão era mais caro.

(Continua)