Rita, anda ver o verão! – Cap.16

Rita naturalmente herdara características físicas dos progenitores.

O maior número de traços fisionómicos era do pai, mas com a mãe é que gostava de vir a parecer-se quando atingisse a idade adulta. Ter o mesmo tom de pele alva, que ouvia o pai comparar a uma planície de gelo. O cabelo encaracolado, formando cachos que ele acariciava demoradamente como se ajudasse a desemaranhá-los para não ouvi-la queixar-se de que ainda acabaria por cortá-los.

No fundo, talvez Rita só desejasse vir a ser igual à mãe para aumentar a probabilidade de encontrar um homem idêntico ao pai, de ar terno e apaixonado e que mesmo não sendo bonito, despertava o interesse do sexo oposto por lhe poderem ainda nascer filhas tão bonitas como ela e as duas irmãs. Que mulher no seu juízo perfeito não juntaria os trapinhos e aceitaria casar com um homem que dava garantias de vir a ser um excelente marido e ainda o gosto de poderem ser mães de raparigas tão formosas e educadas como elas?

Na opinião de Rita, o futuro marido teria de ser a pessoa de quem dissesse que era a segunda mais inteligente à face da Terra, logo a seguir ao pai. Também a que a aceitasse com ela é, com as suas virtudes e defeitos, e que mesmo duvidando à primeira da sensatez de alguns dos seus pontos de vista, não pedisse que lhos repetisse na esperança de que, tornando a ouvi-los, lhe viessem a soar melhor aos ouvidos.

Sabia da mãe de uma amiga, que se apaixonara pela pessoa errada e agora vivia cativa de um homem que a maltratava, apesar de ter-lhe dado uma filha duplamente mais teimosa do que ela e com menos de metade do seu encanto. Outra, por motivos diferentes era feliz, mas o marido não hesitaria em deixá-la, a verem confirmados os rumores de que andava a trai-lo.

Era igualmente professora e lecionava a disciplina de História aos alunos do quinto ano, mas, pelos vistos, nada aprendera com o mau exemplo de Leonor Teles, que, entre outras insídias, por ter traído o rei D. Fernando com o conde Andeiro foi julgada e condenada pelo povo.  Dir-se-ia que por andar tão entretida a falar dos outros,  se olvidou de que também poderia ficar falada. Chamava-se Fernanda e tinha uma especial predileção por homens casados e naturalmente apaixonara-se pelo pai de um dos seus mais diletos alunos, do qual não seria lícito afirmar que por esse facto passaria a ter melhores notas do que os seus colegas de turma filhos de pais solteiros.

Certo dia, um telefonema misterioso feito para casa, levantou dúvidas na mãe de Rita acerca da conduta do marido na ausência dela. Surpreendeu Rita, que foi quem atendeu, a voz de uma mulher que do outro lado da linha falava pausadamente, como se medisse cada palavra com receio de que uma má interpretação do que dissesse pudesse atraiçoar-lhe os intentos. Exprimia-se num tom de voz calmo que contrastaria com o da mãe da rapariga se a ouvisse perguntar-lhe onde estava o marido que supostamente estaria enfiado no escritório matando-se a trabalhar. Rita não saíra depois de almoço, porque a tarde chuvosa fora o fator impedido de palmilhar as ruas das imediações como tanto gostava. Desapontada pela circunstância de ter de estar trancada em casa, não foi sequer delicada para a mulher que, quando desligou, deve ter ficado com a impressão de que, malgrado ter levantado o auscultador e atendido o telefone, a jovem era filha de outro homem e não daquele de quem lhe teriam dado as referências.

Tão breve a descrever o ocorrido, como fora a despachar a mulher ao telefone, à mãe de Rita sobravam razões para achar que a filha, no intuito de proteger o pai da ira que podia despoletar, não estava a pô-la ao corrente de toda a situação. Disposta a esclarecer a verdade e liquidar definitivamente as dúvidas sobre o que é que ele andava a fazer longe de casa, exigiu-lhe, sob pena de ficar castigada, que narrasse tudo o que a mulher dissera e não se restringisse a uma décima parte do que tinham conversado. Por fim, à desconhecida exigiu que a filha da próxima vez perguntasse dados tão importantes como o nome, a idade e o estado civil. A mãe de Rita imaginou-a loura de olhos rasgados azuis, como um desses seres mitológicos descendentes em linha reta do casamento entre a deusa grega do amor e um qualquer mortal de olhos claros ainda mais perfeito fisicamente do que o seu marido.

Da segunda vez que ligaram, Rita identificou a voz monocórdica da mulher que a mãe pedira para investigar. Percebeu que a curiosidade dela era ainda maior do que a sua, avaliando o grande o número de perguntas às quais não sabia se estava autorizada pela mãe a responder. Do género se era a filha mais velha do casal ou se sabia a que horas ela chegava a casa.

Rita anotou um recado para dar ao pai, pois sabia que era inútil tentar demover um adulto dos seus intentos, sobretudo se usasse os mesmos argumentos que já havia experimentado com a mãe. Rita pediu-lhe que repetisse o nome, pois antes, de tão baixo que ela o dissera, soara impercetível aos seus ouvidos, tal e qual um sussurro que a mais ninguém lhe interessava que conseguisse ouvir, pelo facto de estar a ligar às escondidas para casa de um homem casado. Despediu-se num tom de voz conciliador, que talvez a reconciliasse com um passado em que sofreu por ter sido abandonada, mas que haveria de abrir brechas na relação de um casal se insistisse em querer encontrar-se com um homem que era feliz junto de outra mulher.

Todavia, como azeite em água, a verdade veio ao de cima e a mãe de Rita voltou a dormir descansada quando se apurou que o pai estava inocente. É que nunca a falta de sensatez dele pôr comprometer a honradez dela. Tudo ficou esclarecido quando se apurou que era uma professora reformada da Faculdade a desejar regressar ao convívio com os antigos colegas através de adicionar os contactos de todos à sua página privada das redes sociais.

Combinaram um almoço e, para mostrar que não era rancorosa, a mãe de Rita até fez um bolo comemorativo que cortaram em fatias no restaurante e comeram acompanhado de um brinde em memória dos bons velhos tempos. Rita sentiu-se aliviada e finalmente afastaram-se-lhe os lábios por onde passava a alegria que sentia por dentro. A uma namorada dessa época, que descobriu onde ele morava e ligou para se reencontrarem, é que os planos saíram furados, pois a tentativa de aproximação esbarrou na contrariedade de, a partir do episódio anterior, ter passado a ser a mãe de Rita a atender o telefone lá em casa.

Rita não queria que tivessem pena de si. Nem por estar no lugar da mãe da colega que era maltratada pelo marido, nem por suceder àquela que se chamava Fernanda e, com fama de ser uma mulher fútil, tinha tido tantos namorados na juventude, que era impossível ser casada com algum dos homens que a acompanhavam de noite a casa, já que ninguém acreditaria, vendo-os sair risonhos do prédio na manhã seguinte, que gostassem de vê-la trai-los com tantos sujeitos diferentes ao mesmo tempo.

O trabalho dela podia estar relacionado com moda, pois vestia diariamente uma indumentária diferente. Calças de ganga esfarrapadas ou com remendos de napa. Casacas a imitar a pele de animais em vias de extinção. Os vizinhos eram pessoas idosas que, no ar de desgraça dela, vislumbravam o somatório dos defeitos de uma geração a que talvez tivessem gostado de ter pertencido.

Causava-lhes apreensão o comportamento leviano de uma mulher que mudava de parceiro como quem devolvia um presente de Natal que não era do agrado, muito embora, nos dias que correm, descartar uma prenda possa ser visto como um desperdício e consequentemente um pecado que ainda mais ofende os defensores da ética cristã do que o primeiro.

(Continua)