Saiba como Portugal desperdiça água

No passado Domingo comemorou-se o Dia Mundial da Água: este dia foi criado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a 21 de Fevereiro de 1993. Contudo Portugal tem o seu próprio Dia Nacional da Água, a 1 de Outubro. Esta efeméride fez com que a imprensa tivesse especial atenção para este tema. O que, por sua vez, nos deu acesso a números tão escandalosos quanto preocupantes. Esta semana o “Desnecessariamente Complicado” centra-se na água, no quanto é desperdiçada em Portugal, naquilo que está a ser feito para que no futuro seja poupada e reaproveitada e na falta que faz em grande parte do globo.

Uma investigação jornalística revelou uma realidade escandalosa e que nos devia deixar a todos extremamente preocupados: mais de 400 milhões de litros de água para consumo humano são desperdiçados todos os dias em roturas, e fugas, nas redes municipais em Portugal. Sim, leu bem: mais de quatrocentos milhões de litros! Ao todo estamos a falar de cerca de 19% de toda a água que é injectada nas canalizações em todo o país! Pode parecer uma brincadeira de mau gosto, ou um exagero, mas não é até porque os dados são oficiais (pertencem à Entidade Reguladora para os Serviços de Águas e Resíduos – ERSAR).

Mas vamos esmiuçar estes dados: dois terços dos concelhos de Portugal continental têm perdas superiores à média nacional. Em cerca de uma centena de concelhos são desperdiçados mais de 30% da água. Mas calma porque, infelizmente, isto piora: em 45 concelhos, a taxa ultrapassa os 40% e existem, inclusivamente, cinco municípios onde as perdas atingem valores superiores a 50% (e outros quatro têm desperdícios superiores a 60%!).

Antes de saltar da cadeira e ficar enraivecido relembro-lhe que estamos a falar de perdas e não de gastos. Ou seja, os concelhos não têm gasto demasiada água têm é, isso sim, problemas na rede de abastecimento. Claro que podem gastar água em demasia também, mas esse é um problema diferente.

Mas também existem concelhos com valores opostos: na maior rede, a da EPAL (Lisboa), a taxa era de 7%; em Oeiras e Amadora, foram 9% e em Cascais, 8%; já no segundo concelho onde mais água é distribuída, Sintra, a taxa foi de 24%; por fim, no Porto, 14%. Claro que o ideal seria não existirem quaisquer perdas de água pelo caminho, no entanto estas percentagens não deixam de ser um bom indicador quando comparadas com tantos outros concelhos.

Fazendo as contas, em todo o país, cerca de 155 milhões de metros cúbicos de água das redes de abastecimento não chegaram às nossas torneiras. Ou seja, isto equivale a 426 milhões de litros desperdiçados por dia e a 155 mil e 490 milhões por ano. Estes números são assustadores! É impossível ficarmos indiferentes a tantos milhões de litros que nem sequer chegam até nós. Estão, pura e simplesmente, a ser gastos sem qualquer propósito.

“E o que é preciso para combater esses números pavorosos?” O caro leitor não me diga que ainda não chegou à resposta….então, é simples: investimento. A palavra-chave da explicação deste autêntico pesadelo é “investimento”. Investimento esse que, como deve imaginar, não pode ser efectuado por falta de capacidade financeira das empresas em causa.

água

Felizmente vão existindo alguns sinais de boas ideias e boas práticas um pouco por todo o país. São demasiados exemplos por isso vou concentrar-me em apenas um, bem recente. Para já é apenas uma ideia, mas pode muito bem vir a ser realidade no futuro: a Câmara Municipal de Lisboa (CML) quer instalar uma rede de distribuição de água reutilizada. “E qual será a finalidade dessa rede?” Simples: servirá apenas para rega dos espaços verdes e lavagem de ruas. “Mas algo dessa magnitude vai acarretar custos…a CML tem disponibilidade financeira para tal investimento?” Essa é uma pergunta muito pertinente! Claro que acarreta custos, por isso é que a CML se vai candidatar a parte dos fundos comunitários do Portugal 2020.

Ou seja, esta poderá ser uma solução eficiente para reaproveitar a água que, bendita a verdade, não terá qualquer outra finalidade, conseguindo simultaneamente poupar água potável. Todos saem a ganhar, incluindo o ambiente. É de soluções destas que Portugal (e o Mundo) precisa!

Mas enquanto em Portugal são desperdiçados muitos milhões de litros de água por dia, noutras zonas do globo há quem não tenha uma única gota ao seu dispor. É uma triste realidade que devia de pesar nas nossas mentes de cada vez que gastamos água sem qualquer necessidade (e não falo só de “nós” Portugal, dado que todos os países desperdiçam água desnecessariamente).

A mais recente prova disto mesmo foi dada pela UNICEF há alguns dias atrás: “A água é a própria essência da vida e, contudo, três quartos de mil milhões de pessoas, sobretudo os pobres e os marginalizados, continuam a ser privados deste direito humano básico”. Esta declaração é da autoria de Sanjay Wijesekera (responsável pelos programas globais da UNICEF para a Água, Saneamento e Higiene) citado num comunicado do Fundo das Nações Unidas para a Infância.

Os números são claros: dos 748 milhões sem acesso a água potável, 90% vivem em zonas rurais e 325 milhões (ou seja, qualquer coisa como dois em cada cinco) vivem na África Subsaariana, 112 milhões na China e 92 milhões na Índia. Enquanto isso, em Portugal, são desperdiçados 155 mil e 490 milhões de litros de água por ano. Será isto justo? Será justo não aproveitarmos algo que é tão essencial, quanto escasso, para a sobrevivência de tantos milhões de pessoas?

Obviamente que nem tudo é mau, calma! Por exemplo, desde 1990, “cerca de 2,3 mil milhões de pessoas passaram a ter acesso a fontes melhoradas de água para beber”. E a derradeira prova de que foi realizado um bom trabalho foi o facto de a meta dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, de reduzir para metade a percentagem da população global que não tinha acesso até então, ter sido alcançada cinco anos antes do prazo de 2015.

Ainda segundo o mesmo comunicado ficamos a saber que “são apenas três os países onde mais de metade da população não tem acesso a água potável melhorada – a República Democrática do Congo, Moçambique e Papua Nova Guiné”. E se isto seria triste fosse qual fosse os países em causa, mais ainda o é quando um deles é Moçambique. Com tão fortes ligações históricas, e culturais, a Moçambique foi com profunda tristeza que tomei conhecimento desta informação.

Se nenhum dos dados ou informações anteriores despertou a vossa atenção, este certamente que o fará: “para as crianças, a falta de acesso a água segura pode ter consequências trágicas, em média, perto de mil crianças morrem por dia devido a doenças diarreicas relacionadas com água imprópria para beber, saneamento precário ou pouca higiene”. Não é preciso ser pai/mãe para sentir um aperto no coração ao ler que mil crianças morrem por dia por causa de água impropria para consumo.

Olhe em volta e observe, com especial atenção, as crianças que o rodeiam. Quantas são? Dez? Quinze? Vinte? Agora imagine mil petizes. É essa a quantidade de crianças que, diariamente, perde a vida por estes motivos. E enquanto isso em Portugal são desperdiçados 426 milhões de litros de água por dia!

É irreal esperar que o número de perdas de água chegue aos zero litros, eu sei. Mas enquanto o tempo for passando, e nada for feito, milhares de pessoas perdem a sua vida por não terem água para beber. O mundo não é justo, mas não devia de ser permitido ser assim tão injusto. Da próxima vez que estiver a gastar água desnecessariamente lembre-se destas crianças, talvez o ajude a poupar um bem tão escasso quanto mal gerido por tudo e todos.

Boa semana.
Boas leituras.