Saúde Mental (Parte 1) – Reflexão – Lúcia Reixa Silva

SAUDEMENTALHoje gostaria de reflectir convosco acerca da Saúde Mental em Portugal, e como esta área, abrangida pelo Serviço Nacional de Saúde, tem sido desde sempre o parente pobre de um sector já de si vítima de sucessivas reformas de insucesso – a Saúde.

Quem conheceu a realidade dos hospitais psiquiátricos sabe que o modelo “hospício”, onde se “depositavam doentes mentais”, ao estilo “vale dos leprosos”, tem de estar errado. Durante anos mantiveram-se na clausura inúmeros doentes, submetidos muitas vezes a aterradoras “técnicas de época” ( Lobotomia – tradução: corte de parte do cérebro – que nos valeu um Prémio Nobel (!); Electrochoques – descargas eléctricas directamente “no cérebro” dos pacientes, com determinada voltagem, capazes de fazer “arrepiar” qualquer pessoa que passasse nas imediações e ouvisse os “gritos” de quem estava a ser “tratado” – note-se que esta última técnica ainda pode ser um recurso, embora mais “controlado e evoluído” em termos de dor, para doentes profundamente deprimidos com resistência aos psicofármacos específicos…o que também é revelador do quanto se deveria investir mais na investigação e tratamento em Saúde Mental…).

De facto a Saúde Mental tem um triste percurso, onde os doentes muitas vezes foram categorizados nas suas comunidades como padecendo de “males espirituais”, mais por superstição e preconceito do que por questões de fé, sendo levados ou “arrastados à força” para locais de ritual exorcista praticados por diversos credos ao longo da história, apresentando-se estes como “cura” de um sem número de doenças mentais (psicopatologias), por exemplo: a neurose obsessivo-compulsiva, histeria, esquizofrenia, dentre outras patologias, foram largamente classificadas ao longo da história como “mal demoníaco” , “curado”, portanto, através de exorcismos e outros rituais congéneres.

A ignorância e a superstição, bem como o lento avanço da Ciência no que à Saúde Mental diz respeito, levou a que muitos destes doentes fossem tratados de forma pouco dignificante, muitas vezes contribuindo para a degradação do seu estado e aumento do sofrimento psíquico, ao invés de “curar” ou sequer aligeirar os sintomas…

Saliente-se que não tenho nada contra credos ou questões de fé, e tenho o maior respeito pelas crenças de cada um, e pela Religião, de uma forma geral…Mas, na verdade, a questão da ignorância da época e o desconhecimento deram lugar a erros graves, mesmo nas religiões tidas como mais sérias, de resto como na própria Medicina e na Ciência, que, nesta matérias, evoluíram muito com a experiência e o erro.

A Ciência evoluiu de facto, mas, infelizmente, as políticas de saúde praticadas não acompanharam o ritmo e os avanços da Ciência…

Voltemos então às políticas de saúde, para lembrar que, ao longo dos últimos anos, os governos de Portugal, com a sua marcada necessidade de “trabalhar” para as estatísticas, e a sua incapacidade bem conhecida de lidar com a verdade, reformularam o modelo de saúde mental, num “passe de mágica”, sendo disso exemplo, primeiro, a oficial fusão de dois dos maiores hospitais especializados em saúde mental (HMB – Hospital Miguel Bombarda e HJM – Hospital Júlio de Matos, em Lisboa), e, posteriormente, o total encerramento do Hospital Miguel Bombarda, com “alta” de um sem número de doentes, no mais rápido processo de desinstitucionalização de que há memória…

Parente paupérrimo da Saúde, a Saúde Mental passou a ser parte integrante dos Hospitais gerais, como se a doença mental se “tratasse” com uma consulta médica por ano, e receitas de seis em seis meses (aliás nenhuma doença na verdade se pode “tratar” desta forma!)…Colocar todos os serviços de psiquiatria nos Hospitais gerais, e diminuir os técnicos foi mais uma estratégia de falsidade, que não beneficia os utentes, retirando-lhes os poucos direitos que tinham alcançado num passado recente.

O Modelo escolhido numa política justa e eficiente de saúde nunca seria este.

É sobre outros modelos e soluções para a Saúde Mental que gostaria de escrever numa próxima crónica…Partilhar convosco, que tiveram a paciência de ler esta reflexão e de pensar comigo sobre estas coisas, um modelo que sirva a Saúde a as Pessoas, em vez de servir apenas para estatísticas, numa lógica meramente de “poupança” e de “racionalização de recursos”.

Até lá, tenham uma óptima semana!

(Este artigo não se encontra ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico)

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Crónica de Lúcia Reixa Silva
De Alpha a Omega