Se o avião se despenhar, deixo esta crónica de despedida… – Sandra Castro

Para morrer basta estar vivo…desse facto já todos nós sabemos.

Eu vou toda feliz e contente para o meu destino paradisíaco, mas a verdade é que o meu destino pode muito bem ser outro. O avião pode se despenhar e eu bater as botas de mãos dadas com o meu recente marido. E tendo essa possibilidade como realidade futura, resolvi me precaver e escrever esta crónica para os meus filhos (sim, vou escrever novamente sobre eles). No caso de eu já estar nos anjinhos (ou com o diabo no inferno, não sei bem o que me espera) alguém sensato faça o favor de lhes ler esta crónica, eles ainda são pequenos mas tenho a certeza que vão entender e adorar.

Lembro-me perfeitamente do momento em que vocês nasceram. De ti, meu magricelas, estava aterrada de medo, cheia de inseguranças. Olhei para ti, ao longe, nas luzes, vestido de fatinho branco, e pensei que não fazia a porra da mínima ideia de como ser mãe, de como amar incondicionalmente um ser. Não sabia como se mudava uma fralda, como pegar em ti ao colo, levar-te ao medico parecia uma espécie de batalha.

Quatro anos depois nasce o teu irmão…

A ti, meu surfista, o  momento em que tu nasceste foi uma sensação maravilhosa. Só te queria beijar, amassar, dar mimos. Adormecia contigo ao colo e as companheiras de quarto ficavam aflitas com medo que eu te deixasse cair.

Quantas vezes vou para a cama a chorar, porque vos mandei dois berros e sinto-me culpada…

Quantas vezes deito-me tardíssimo e vou ao vosso quarto ver-vos dormir e sorrio…

E quando imitaste o Jorge Jesus, treinador do Benfica, a mascar chiclete? Foi de rir sem parar!

Naquela noite que estava a dormir tranquilamente, abro os olhos de repente e tu estás de pé, a olhar para mim, à beira da minha cama, sem dizer uma palavra…ia morrendo de susto.

E quando estavas a fazer uma birra, e eu disse-te: Filho, estás a sangrar! Vai ao espelho ver, estás a sangrar. Tu paraste de chorar, foste ao espelho e disseste com uma cara engraçadissima: Não estou! Não estou a sangrar, mãe!

E os bilhetes que eu tenho espalhados pela casa, escritos por ti, a dizer: Mãe, adoro-te. Mãe amo-te. Mãe és a melhor mãe do mundo…quando fazes asneiras, o que é que tu fazes? Um bilhete para a mãe!

E quando vocês adormecem na minha cama, eu desligo a luz e prego-vos um susto? Vocês adoram!

E naquela vez, numa tentativa falhada de me imitares, pegas no pote e despejas na sanita…mas acertaste em cheio no chão!

Quando te fui buscar à escola e disseste-me: Mãe, vou-te contar uma coisa mas não contes a ninguém…estou apaixonado pela Bia!

E quando digo: Vocês põem-me cega! E tu respondes: Mãe, se nós te pomos cega como é que consegues ver que nós fazemos asneiras?!!!

E as cocegas? E os beijinhos? Adoro simplesmente…

E quando olho para vocês os dois, sem vocês se aperceberem, tu na playstation, tu nos pópós em fila…são estes os momentos mais felizes da minha existência, e são estes que levo comigo.

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense