Ser imigra

Sair de Portugal nunca foi propriamente algo que fizesse parte dos meus planos. Não porque fosse algo que me assustasse mas porque nunca considerei sentir essa necessidade. Porém, com o passar do tempo, a chegada da crise e com a idade a avançar (ainda hoje estou para perceber porque raio temos de envelhecer), comecei a pensar no que seria o meu futuro, dado que o meu presente começava realmente a tornar-se uma verdadeira bosta.

Tentei ficar. Para tentar equilibrar um pouco o saldo bancário, comecei a escrever artigos e fazer traduções. Como trabalhava a tempo inteiro, achei que era mais fácil gerir um trabalho extra que pudesse fazer a partir de casa. Inscrevi-me numas quantas páginas para freelancers e lá fui eu. Papei uns valentes barretes. Completamente naba e inexperiente, trabalhei para um ou dois projetos que nunca me foram pagos…Sacanas! Mas com o tempo, lá consegui arranjar alguns trabalhos em que, efetivamente me pagavam. A verdade é que para conseguir algum extra significativo tinha de dar ao litro.

Sem experiência ou referências recebe-se mal e porcamente portanto só com um grande volume de trabalho é que rende. Ora isto implica que se chegue a casa depois de 8 horas de trabalho e se trabalhe por mais umas 6 horas, às vezes até mais. Dei por mim em modo zombie…dormia 3 horas por dia e vida própria era zero. Tudo para pagar contas. Se fosse para comprar um miminho, mas não…era para sobreviver sem ficar a negativos. Não podia continuar assim.

Não sou uma pessoa muito viajada. Algo que provavelmente dará origem a uma Crónica do Cocó um dia destes, foi a minha estadia no Japão por 4 meses. Porquê o Japão? Muito resumidamente, porque me apaixonei online e decidi tirar o passaporte e viajar até ao outro lado do mundo (minha pobre mãe, o quanto sofreu quando lhe contei… Correu tudo bem, I’m alive!)

 A nível profissional, fui à India (consegui passear um pouco no fim-de-semana, mas fiquei a conhecer o escritório de Gurgaon de uma ponta à outra e comi imensos doces que os colegas traziam todas as manhãs…ah, e conheci imensas vacas e porcos simpáticos), a Londres (nem saí do hotel….Ei! Mentes perversas…Era um kick-off de vendas e passei 2 dias em reuniões e workshops, fiquei a conhecer muito bem a entrada do hotel onde fumava os meus cigarros e gostava de ter conhecido o sacana do vizinho do lado que ativava o alarme de incêndio às 5 da manhã para fazer tostas!).

A realidade é que fora disto…não conheço mais nada (até em Lisboa era turista…). Numa ocasião, também em trabalho, vim a Barcelona. Fiquei maravilhada! O clima era agradável, a cidade linda, multicultural, gente tatuada, furada, gente diferente, cães…muitos cães!

Como tenho a sorte de trabalhar numa empresa multinacional, existe alguma flexibilidade em mudar de país, dentro da Europa. Depois de muita análise com a minha cara-metade, concordámos que Barcelona seria a opção ideal. Perto de Portugal, voos acessíveis que nos permitiriam visitar e sermos visitados, língua semelhante, excelente clima, praia com água quente (importantíssimo) e uma cidade completamente amiga dos patudos, que para mim é essencial. Li muito, pesquisei mais ainda e decidimos.

Eu vim primeiro pois tinha já trabalho. Foi difícil, não me esqueço do nó na garganta, aperto no coração que é deixar os que amo para trás. Não exatamente por ir para uma cidade nova sozinha, porque além de ser um bicho antissocial e solitário, tive o suporte de um colega e amigo de Portugal para me dar albergue nos primeiros tempos (Obrigado J. ). Aqui continuei nos meus artigos e traduções para conseguir viajar para Portugal todos os meses, porque as despesas eram agora maiores, as de Portugal e as de cá, fora viagens.

Foram no total 9 meses até que a minha cara-metade e os meus patudos viessem ter comigo. Foram 9 meses de muita saudade, muito cansaço, muita incerteza e por vezes vontade de desistir. Pelo caminho perdemos uma das nossas patudas e isso mexeu muito comigo. Apesar de ter imediatamente regressado para Portugal e ter estado com ela aquelas últimas semanas, saber que perdi 8 meses de convívio com ela…enfim…acredito que outros sintam o mesmo (não exatamente com os seus patudos, mas mesmo com amigos, entes familiares, quer estejam fora ou dentro do país), afinal o tempo não para e a vida segue o seu caminho.

Coisas da vida…encerra-se um ciclo, inicia-se outro. Chegamos a casa depois da despedida, de rastos e… temos à nossa espera um e-mail de confirmação de que o D. tinha sido contratado! Foi uma desgraça, o sentimento mais agridoce que sentimos. Ora chorávamos, ora ríamos. Foi um dia estranho…aquilo que esperámos 9 meses acontecia naquele momento e aquela dor não nos deixava saborear essa tão esperada vitória.

Em Novembro lá veio a família toda, pelos caminhos de Portugal e Espanha. Chegámos após 14 horas de viagem. A adaptação foi tranquila. Como eu tinha chegado antes, já sabia onde se tinha de ir, o que se tinha de tratar a nível de documentação, já tinha alugado casa para todos (foi uma correria desgraçada, achar casa em 2 semanas, considerando 2 cães…verdadeiro desafio).

Celebraremos, em Novembro, 1 ano em família por estas terras. Saldo positivo! Não me considero exatamente uma imigra. Adoro Barcelona e as suas gentes. Sou excelentemente bem tratada em qualquer lugar onde vou, sejam finanças, supermercado, segurança social, médico, em qualquer lugar. Percebem que sou estrangeira? Claro que sim, eu falo Portunhol!

Ando com as minhas tatuagens e furos sem que me olhem duas vezes. Barcelona é uma cidade aberta a tudo o que é diferente. Aqui, o diferente é o normal. Mas o que mais gosto é de dar os bons dias ao motorista do autocarro e ele responde de volta! A energia é positiva, relaxada. As pessoas são muito dadas.

Saudades de Portugal? Para já não. Fará um ano que não vou a Portugal. Sinto, porém, muita falta dos amigos, da família (e dos doces e comida que é tão boa). Criar laços sociais, perto dos quarentas não é difícil, mas criar novas amizades, numa língua que não é a nossa não é assim tão fácil. Até eu, que sou bicho-do-mato, sinto alguma falta de vida social. Valem-me os nossos amigos e familiares que nos vão visitando ao longo do ano, para matar saudades.

Sinto muita falta das minhas pessoas, daqueles que amo e estimo. Mas sinto-me em casa, bem acolhida e feliz, como que renovada, estava a precisar de mudança. Nesta cidade fantástica podemos brincar ao Walking Dead à hora da sesta. Quando tudo está fechado e as ruas estão desertas, divertimo-nos os dois a cambalear e fazer barulhos esquisitos pelas ruas. Falamos o nosso Portunhol e mostramos os nossos dotes completamente bilingues com frases como “Epá, esqueci-me da tarjeta do multibanco em casa”, ou “Vamos sair na próxima parada?” ou até mesmo “vamos de transportes ou de coche?” Catalão? Isso é outra história, sei dizer Bon dia (Bom dia)! Adeu (Adeus) e Si us plau (Por favor)!

Entusiasmei-me…escrevi demais…se leram até ao fim…parabéns, têm uma Santa Paciência! Se por acaso emigrarem para Barcelona…apitem, procuramos amigos tugas! Over and Out (sim, também sei falar inglês).