Será Mr. Bean o Charlot do Século XXI?

Toda e qualquer comparação é arriscada dado que não existem duas pessoas exactamente iguais (tirando alguns pares de gémeos, eu sei). Mas o leitor sabe que eu não sou cronista de jogar pelo seguro, logo vamos a uma comparação que (não sendo inédita) não é das mais frequentes. De um lado teremos o génio Charlot. Do outro, o igualmente genial, Mr. Bean. Esta é uma crónica para apreciadores de comédia mas, essencialmente, para fãs das duas icónicas personagens. Este é um “Desnecessariamente Complicado” que visa prestar uma sincera homenagem a duas das maiores personagens cómicas de sempre!

CharlotAntes de mais é necessário fazer dois pontos prévios. Primeiro: sou um fã incondicional de ambas as personagens. Cresci a vê-los e soltei igual número de gargalhadas e lágrimas (como de resto é suposto no tipo de comédia feito pelos dois). Pensar em Charlot ou em Mr Bean é pensar na minha infância e adolescência. É pensar numa parte da minha identidade e personalidade. É regressar ao passado. Logo, como devem imaginar, esta será uma opinião parcial. Como fã que sou vou sempre elogiar mais do que criticar. Segundo: o objectivo da crónica é centrar o debate nas personagens e não nos seus criadores. Ou seja falarei muito mais de Mr. Bean e de Charlot do que de Rowan Atkinson e Charlie Chaplin. Agora sim, vamos à crónica!

Todo o ser humano à face da terra que já viu pelo menos cinco minutos de um qualquer filme (ou série) de Charlot e de Mr. Bean percebe a razão da comparação do título desta crónica. Não só o humor é muito semelhante como a personalidade e as características físicas de ambos são bastante próximas. Senão vejamos: ambos são altos, magros, trapalhões e desajeitados e excepto raras excepções andam sempre impecavelmente vestidos. Mas, acima de tudo, são conhecidos por…não falarem.

Quer dizer, eles falar…até falam. Simplesmente escolhem não falar tanto quanto os restantes seres humanos. São muitas mais as ocasiões em que fazem humor através da expressão facial do que através do que dizem efectivamente. E aí reside, na minha opinião, muito provavelmente o maior segredo de ambos. Eles podiam falar. Podiam explicar-se. Podiam acabar (ou pelo menos simplificar) as confusões e situações em que se metem. Mas escolhem não o fazer. Preferem resolver tudo por si, sem ajudas ou interferências. E há que louvar quando dois homens trapalhões apresentam tamanhas quantidades de força de vontade em mudar e melhorar.

Charlot e Bean são pessoas normais, simples, honrados, que têm uma rotina igual à de tantas outras pessoas. E em parte é isso que faz com que nos identifiquemos com eles. Não são seres iluminados, espiões internacionais ou agentes secretos. São pessoas normais, como eu e o leitor.

E como pessoas normais que são nem sempre são boas pessoas. Ou seja, são pessoas boas mas não a toda a hora. Há alturas em que temos de fazer o que precisa de ser feito…mesmo que isso implique infringir algumas leis ou regras (quantas vezes Mr. Bean fez manobras perigosas com o seu icónico carro amarelo para atingir o seu objectivo?). Resumindo: são pessoas boas…sempre que o destino lhes permitir.

Bean

Outra das grandes vantagens é o facto de agradarem a todo o tipo de públicos. Fazem as delícias das crianças mas também dos respectivos avós. Tanto riem os pais como os tios e primos. E é normal que o façam dadas as várias camadas do seu humor. Temos o óbvio: as caretas, os sons e as quedas que deixam as crianças à beira de um ataque de riso. Depois temos o ridículo da situação, que certamente agradará muito mais aos primos mais velhos e aos jovens adultos. E por fim temos os pais, tios e avós que não conseguem dissociar a sua experiência de vida do visionamento do episódio/filme (dando assim mais atenção aos dilemas morais, por exemplo). Mas seja qual for o ângulo, e o motivo, é certo que todos vêem e todos se riem. E apenas um número bastante reduzido de comediantes/actores pode dizer que tem toda a família como fã do seu trabalho.

Mas o facto de serem semelhantes não os torna exactamente iguais. Por exemplo, enquanto que Charlot é conhecido pelos temas políticos e sociais e pelas mensagens subliminares o Mr. Bean usa o quotidiano e as pequenas tarefas do dia-a-dia na sua comédia. Mas estas diferenças estão, acima de tudo, relacionadas com a época em que cada um viveu e trabalhou (a mim ninguém me tira a convicção que se Bean tivesse sido criado na época em que surgiu Charlot também tinha ganho essa dimensão política e social). Esta é, para mim, a única “falha” de Mr. Bean. Embora seja fã da comédia de ocasião (proporcionada, quase sempre, por acontecimentos banais) estaria a mentir se dissesse que não gostaria de ver uma maior preponderância da vertente política e social. Possivelmente se a série de Mr. Bean começasse em 2009/2010, por exemplo, teríamos visto essa vertente (ou então não, claro, nunca saberemos) fruto da grave crise económica mundial. Mas isto não chega a ser uma falha (daí a menção acima estar entre aspas). Foi uma opção do próprio, não um erro na definição da personagem.

charlot

Dito isto responderei agora à pergunta para a qual todos os leitores procuram resposta desde o início desta crónica: é impossível de dizer quem é o melhor. Aliás, não tem de existir um “vencedor” desta comparação. A conclusão é que ambos são geniais e usaram técnicas, e formas, muito semelhantes de passarem as suas mensagens. O que os separa é apenas o tipo de mensagem que enviam para o público (ou, mais especificamente, para a parte do público que percebe essa mensagem). Agora, claro que por, motivos óbvios, sem Charlot não haveria Bean.

Quanto à pergunta do título…acho que se torna bastante óbvio que a resposta é: SIM! Com letras garrafais e tudo! E, para nossa sorte, o legado ficou bem entregue: Rowan é meticuloso, não esquece os mais ínfimos detalhes e tem sempre em mente o público (e nunca o seu ego ou o seu bolso).

Termino com uma curiosidade e dois presentes para os leitores. Repararam que sempre me referi à personagem de Rowan Atkinson por “Mr. Bean” ou “Bean” e nunca pelo primeiro nome? Não foi por acaso! Podem não acreditar, mas o primeiro nome desta mítica personagem nunca foi revelado! E se há quem acredite que o seu primeiro nome é, precisamente “Mister”, por outro há quem acredite que pode ser Rowan (como o seu criador). Será que algum dia vamos saber a solução para este mistério? Na minha opinião o mais certo é ficarmos para sempre na dúvida.

Agora vamos aos presentes. Têm saudades dos velhos episódios do Mr. Bean? Sim? Então este link é, claramente, para vocês. Aqui (https://www.youtube.com/watch?v=YEjMK9DB4no&list=SLOP3DshNrh-Y) poderão encontrar todos os episódios da primeira temporada da série de Mr. Bean. E antes que clamem por justiça, por estar a incentivar à pirataria, aviso-vos do seguinte: não se dêem a esse trabalho uma vez que os vídeos pertencem ao canal de Youtube da própria série.

O segundo presente vem, também ele, do mesmo canal de Youtube e é tão curto quanto delicioso. Todos os fãs de Mr. Bean sonharam ver, um dia, Rowan Atkinson gravar as vozes da personagem que o tornou mítico. Mas, infelizmente, tal nunca foi possível…até hoje! No breve vídeo presente abaixo verá um excerto de uma sessão de gravação da sua voz para os desenhos animados do Mr. Bean (Sim, existem desenhos animados do Mr. Bean! A série em si já terminou há muitos anos, mas os desenhos animados continuam vivos e de boa saúde, levando a personagem aos mais pequenos espalhados pelo globo): https://www.youtube.com/watch?v=oaXljjsaJLM

Boa semana.
Boas leituras.