O sexo na cidade

Era a terceira vez que ela visitava Lisboa e das vezes anteriores só não estivera com ele porque nessa altura ainda não se conheciam.

A primeira, fora no tempo em que ainda era criança e não namorava. Viera com os pais e uma tia, numa excursão de camioneta que parou em Belém, para comerem pastéis e subiu ao castelo de cuja torre mais alta se avistava um rio que surpreendentemente desaguava aos seus pés. Alguns anos mais tarde, o pai, que era professor do Ensino Básico, arranjou emprego estável num colégio privado em Coimbra e, na companhia dele, a família mudou-se dos subúrbios para uma casinha modesta no centro da cidade, onde ficaram a morar até ela terminar a escolaridade obrigatória e entrar na Faculdade.

Nessa altura, de regresso às origens, voltando a morar numa zona rural, o melhor que o pai conseguiu arranjar para substituir o emprego que entretanto perdeu, foi colocação numa escola de poucos alunos num lugarejo de onde não se ouvia dizer que fosse suficientemente perto de um grande centro urbano para dar vontade de lá ir e ficar a conhecer.

Prevendo que não podia continuar a viver com os pais, porque era incomportável a tarefa de sair cedo da aldeia para estar na Faculdade a tempo de assistir às aulas, já que pretendia o quanto antes concluir um curso que lhe viesse a permitir conseguir um emprego mais estável e melhor remunerado do que o pai, mal terminou o Secundário intensificou a procura de um quarto para alugar de onde, ainda que não avistasse a torre da Faculdade, devia, pelo menos, poder ver os prédios mais altos da parte baixa da cidade, que lhe recordassem Lisboa ou Nova Iorque, para não perder a esperança num futuro mais risonho num sítio onde pudesse evoluir na carreira, nem que fosse no estrangeiro.

Desde então, voltou uma única vez a território da capital, para embarcar rumo a Punta Cana num voo direto da TAP que levava a bordo duas centenas e meia de estudantes como ela do ensino secundário em final de curso, nenhum deles, para gáudio coletivo, na companhia de qualquer familiar que pudesse controlar-lhes os passos e à aldeia, onde o pai, uma vez mais, mudou de emprego até se ter estabelecido em definitivo como pequeno empresário da silvicultura à custa do dinheiro atribuído a fundo perdido pela União Europeia para plantar eucaliptos num quintal, passou a ir só quando podia, no máximo duas vezes por mês como a filha pródiga que a casa dos pais volta e meia voltava para matar saudades ou simplesmente eles verem que continuava a ser uma rapariga apegada à família e que os vícios da grande viver não a tinham corrompido.

Só quando começou a namorar, é quem nem sempre passou a ter tempo disponível para lá ir. Durante a semana e mesmo ao fim-de-semana, o tempo livre dos estudos, era dedicado a comunicar com o namorado via Skype, como um autómato de olhar fixado nele através do computador que estava sempre ligado, passando mais tempo diante daquela máquina prodigiosa a namorá-lo do que a telefonar aos pais pedindo-lhes autorização para fazê-lo.

Umas semanas antes deste, o primeiro bem-sucedido encontro entre o casal de namorados decorrera na cidade estudantil do centro do país, sob o mote de se conhecerem, ajudando a desmistificar a ideia já pré-concebida de que, qualquer relacionamento que resultasse em namorico, saído da sombra de uma sala de chat, tinha tão escassas probabilidades de sobreviver a curto ou a médio-prazo, como um peixinho de aquário retirado à força de um compartimento estanque para ser enfiado num saco que vertesse água para o exterior.

Fora no carro de serviço da mãe, identificado com o logotipo a vermelho da empresa de cosméticos onde ela trabalhava, que a rapariga se pusera cedo à estrada, guiando quase sempre à velocidade máxima por autoestrada, de Coimbra até à mui nobre, invicta e leal cidade de Lisboa, onde se lhe perguntassem ao que vinha, ela não hesitaria em responder que era por amor. Para esse efeito, a mãe emprestara-lho na véspera para ela praticar, porque não estava habituada a carros com mudanças automáticas e podia estranhar ao princípio, na condição de lho devolver no domingo, quando regressasse, em tão bom estado como se não tivesse percorrido mais de quatrocentos quilómetros e sem apresentar quaisquer sinais de desgaste, como se tivesse viajado no interior de um contentor estanque dentro do vagão de um comboio de mercadorias.

Tão ansiosa que vinha por abraçar o namorado, desta vez estava disposta a compensá-lo pelo pouco tempo que em Coimbra passaram juntos, que em sua opinião não bastou para ficar a conhecê-lo tão bem como gostaria, porque só dos passeios que tinham dado e dos pratos que ele mais apreciara ou das igrejas e museus em que mais gostara de entrar com ela é que podia unicamente falar às pessoas, quando queria descrevê-lo para, com muito orgulho de ser sua namorada, lho dar a conhecer.

Talvez fosse escusado recorrer a esse expediente para chamar-lhe a atenção, uma vez que longe de algumas cenas tórridas protagonizadas pelos casais de namorados nas margens do Mondego, ele tinha agora menos razões para se distrair dela e desviar o olhar, mas mesmo assim decidiu vestir-se adequadamente para seduzi-lo. Envergava com a elegância de um uniforme, uma saia justa e curta, que estava frio e era preciso fazer subir a temperatura e uma blusa fininha de lycra, com o decote em bico apontado ao umbigo. Para aproveitarem aquele encontro ao máximo, combinaram encontrar-se muito antes do meio-dia e, dessa vez, ela só lhe disse com exatidão como ia vestida, não no intuito de que ele fosse capaz de identificá-la no meio das outras pessoas, mas no simples o propósito de lhe agradar e apimentar a imaginação para o que vinha a seguir.

Gostavam tanto um do outro que, não fosse verem-se diariamente através da Internet, por serem exatamente como cada um desejara que o seu parceiro fosse, até podiam pensar que não eram personagens da vida real e resultavam de por demasiadas vezes terem sonhado conhecer alguém assim. As amigas dela viam-na tão feliz que não duvidavam de terem sido feitos um para o outro e que, no final desta fase preparatória da vida dela que culminaria com a conclusão do curso, era juntos que deviam ficar, casar e ter filhos, como os protagonistas de uma película com um final feliz, em que a melhor parte da ação começava coincidindo com a altura em que o público desviava o olhar na amostragem dos créditos, onde passavam os nomes dos atores e dos técnicos principais e secundários que tinham contribuído para que ele fosse feito.

Guiada pela voz telecomandada que ecoava do interior do aparelho de GPS, do qual admitia morrer de inveja por não conhecer tão bem como ele a rua onde vivia o próprio namorado, entrou com o carro a acelerar nas ruas do bairro, estremecendo tudo ao redor, com vontade de saltar da viatura em andamento, como se ele fosse uma das pessoas que pararam no passeio a vê-la com ar assustado e ela quisesse, a fim de se desculpar, logo ali interpelá-lo para dar-lhe uma explicação.

Estacionou depois a viatura diante da porta do prédio onde ele vivia e teve de conter o ímpeto de desatar a buzinar à toa, como se pretendesse que toda a gente viesse à janela espreitá-la, a fim de ganhar razão o namorado perante quem, não sabendo como ela era bonita e elegante, o criticava pelas costas por não compreender lá muito bem que morresse de saudades longe dela. Seguidamente, mirou-se com ar vaidoso ao espelho retrovisor do interior do carro e passou a mão no cabelo, acendendo depois um cigarro que ao fim de duas baforadas lhe provocou um violento ataque de tosse, que seria audível no exterior por quem passasse à beira do carro, se as duas janelas de ambas as portas dianteiras não estivessem fechadas. Logo de seguida, seguindo o instinto, abriu uma delas e cuspiu-o dos lábios deitando fora a beata ao lembrar-se do hálito com que ficaria e do que pensaria a seu respeito a mãe dele se a surpreendesse entrando em casa, soprando fumo pelas narinas com ar de ter-se acabado de levantar da cama, toda despenteada achando que não valia a pena pentear-se porque ia na disposição de, mal acabada de se levantar de uma, ir-se já enfiar dentro de outra, de preferência em melhor companhia do que na do urso de peluche a que ainda adormecia abraçada.

Como não tinha chave, bateu levemente à porta com os nós dos dedos e o namorado veio abri-la de calções curtos, exibindo pernas musculadas como as dos atletas de alta competição, mas dos que participavam nas provas de salto em comprimento, cem ou duzentos metros porque, a partir do sítio onde estava, num salto de gazela veio ver quem era e ultra rapidamente se desviou para ela entrar.

Trocaram um beijo e, por um braço, ele conduziu-a à cozinha, que estava transformada numa bagunça, ainda com a mesa posta do pequeno-almoço, repleta de pratos e copos sujos de véspera, amontoados na bancada do lava-loiça, como se a não quisesse levar primeiro a conhecer o resto da casa, com receio de que, estando ela ainda mais desarrumada do que a divisão onde se encontravam, a namorada pudesse pensar que se era tão malcomportado em solteiro, quando casasse teria tendência a piorar.

Com os pais dele ausentes no estrangeiro para participarem num congresso de medicina que decorria nesse fim-de-semana numa estância balnear nas Maldivas sob tórridos trinta e nove graus à sombra e na companhia de mais mil e quinhentos convidados, todo o cuidado era pouco para, quando eles regressassem, não notarem nada fora do lugar, muito menos roupa do filho espalhada pela casa ou um par de cuecas de senhora que encontrassem e não conferisse com os da mãe, escondidos no meio da roupa de cama que ele poria para lavar o número de vezes necessárias para desaparecer o cheiro do perfume dela ou enfiados de lado no sofá da sala ou no cadeirão de verga da varanda, quando se sentassem para repousar da viagem, como ele às vezes fazia, de olhos fechados para, sem muito esforço de memória, imaginar que ela estava de pé na sua presença.

Agora ali, de olhos postos um no outro, ficaram de pé como se guardassem um minuto de silêncio pelo respeito que tinham um ao outro ou então estivessem à espera de ganhar coragem para confessar mutuamente aquilo que estavam cheiinhos de vontade para começar a fazer. Ele tomou então a iniciativa de abraçá-la e ambos, às apalpadelas, começaram a tatear o corpo ao parceiro, que dali em diante ficariam a conhecer tão bem como o seu. Beijaram-se novamente reforçando a paixão que sentiam e com uma palmada nas ancas ele convidou-a a sentar-se na bancada de mármore que estava frio, fazendo com que o rabo delicado da rapariga se retraísse mas não o suficiente para não ocupar o espaço onde estavam uns pratos de alumínio e talheres desirmanados que, com um grande estrondo, foram parar imediatamente ao chão. Correspondendo às investidas do corpo dele que ia de encontro ao seu como se quisesse deitá-la de costas onde já não cabia mais loiça, as ancas da jovem começaram a tremer como se o seu esqueleto estivesse preso por arames e mal assente numa base que pudesse ruir a todo o instante. Com grande dificuldade, arfando ao ritmo de um jovem hipertenso que estivesse a ter uma crise de asma, evidenciando uma grande habilidade ele lá conseguiu com uma mão arrancar-lhe a blusa sem desapertar os botões, enquanto com a outra lhe vasculhava as costas, percorrendo-lhe o pescoço e o emaranhado de cabelos ansiosamente como se andasse à procura de um objeto muito pequeno que tivesse perdido no meio deles. Ao mesmo tempo que isto sucedia, disposta a deixá-lo explorar-lhe o corpo, de braços esticados para trás, as mãos dela espalmadas na bancada formavam um apoio de costas de que só não precisava na zona da cintura porque foi a partir dali que as mãos dele ternamente a envolveram, impedindo-a de se poder de outra forma que não fosse indo ao seu encontro. Da boca dela saíam gemidos consecutivamente e de seguida, sem parar de beijá-lo, inclinou-se para diante e desabotoou-lhe a braguilha. O barulho de um tecido a romper fê-la abrir repentinamente os olhos e perceber que acabara de ficar sem cuecas. Com elas penduradas entre os dentes, viu ficarem, na posse dele, reduzidas a uma estreita faixa de tecido vermelho que mal se percebia o que era, o que restava de um par de cuecas da Intimissimi estreado nesse dia a pensar naquela ocasião em concreto. Embora não com muito jeito, ele tirara-lhas para não forçá-la a parar de fazer com as mãos uma coisa que lhe estava a dar um imensíssimo prazer. Tratava-se de um ato manual que mudava de nome em diversas regiões do país, mas em todos os lugares onde o praticara aprendera que, conjugado com a cadência certa das ancas, o resultado final que ele proporcionava era tão bom que, ao eclodir, o prazer desencadeado pela descarga de energia pelo corpo o fazia sentir-se despojado do peso do próprio corpo. Pelo ar distante de quem estava dali ausente, como se estivesse a desfrutar do prazer de estar no leito de um quarto de um edifício apalaçado, a gozar o prazer de uma dúzia de mulheres o acariciarem simultaneamente, apercebendo-se de que o namorado atravessava um estado de emoção transcendental, alternando as esfregadelas constantes com momentos de paragem em que aproveitava para lhe massajar os testículos, a rapariga fê-lo despertar daquele estado trazendo-o novamente à sua presença para ouvi-la dizer-lhe, com voz rouca ao ouvido, que o amava como nunca supusera que fosse possível gostar de alguém. Para ver-lhe o peito, ela desabotoou-lhe a camisa e inspirou o cheiro adocicado daquela água-de-colónia barata que devia ser como ao que cheiravam os seus atores de cinema favoritos, uma fragrância forte que não era por terem vontade de conhecer que ela temia que todas as mulheres se quisessem aproximar dele. No seu, por aquela altura já estava prestes a desprender-se o soutien onde agora mal cabiam os seios inchados, quase a verterem leite dos mamilos espetados. Faltava pouco, era assim que caísse a mola que havia de soltar-se e ir parar ao chão, debaixo de um móvel onde tão dificilmente seria mais tarde encontrada como a vergonha que ela própria já teve de estar naqueles propósitos diante de um rapaz, mesmo que pesasse a seu favor o facto de ser seu namorado e até já terem feito planos para casar. Em boa verdade, era impossível descrever rigorosamente o ambiente de luxúria que se vivia no pequeno apartamento, onde à desordem que era habitual haver na cozinha, com loiça suja espalhada pelo lava-loiça e no chão, havia que juntar a do costume que ele armava no quarto, visto que entre os cacos estava a roupa que tinha despido como quando se punha nuzinho em pelota para ir dormir. De súbito, por iniciativa dele, saltaram de onde estavam e foram enfiar-se no quarto. Sem fazer muita força, o rapaz forçou a entrada com um encontrão na porta, que fez ricochete no batente antes de voltar ao seu encontro. Por momentos, pararam o que estavam a fazer, e ele passou adiantado em relação a ela, mas sem o tempo necessário para, indo à frente, ter tempo de compor a cama apanhando, do chão, os lençóis que estavam embrulhados para ela não ficar mal impressionada a seu respeito. Com a ajuda dele, ela estendeu-se sobre a cama, como se precisasse urgentemente de descansar de uma longa caminhada que afinal fora só o percurso de terem atravessado o corredor até lá darem entrada. Voltaram a beijar-se sofregamente, mas dessa vez sem abraços, porque as mãos de ambos, ciosas das apalpadelas nalguma parte inexplorada do corpo, estavam desejosas de pousar noutro sítio que não nas costas um do outro. Agora menos apressadamente do que antes, levantaram-se e, em conjunto, acabaram de se despir, para seguidamente, deitando-a novamente de costas, o rapaz fez menção de se sentar delicadamente sobre as pernas dela, que podiam não ser atléticas como as suas, mas mais do que por terem alcançado uma grande marca numa prova de atletismo, era por serem perfeitas que haveriam de ser recordadas pelas pessoas durante muito mais tempo do que as suas. Agachando-se, pôs-se a jeito para abocanhá-la na região do umbigo que era onde as sensações nela mais se pareciam com as de quando alguém lhe tocava noutras partes mais íntimas. Com a língua descrevendo um arco, da boca dela soltaram-se gemidos que foram audíveis até os abafar um impropério dito por ele que ressoou pela casa como um trovão. De costas arqueadas, o corpo dela em convulsão evidenciava sinais do que podia ser uma ferramenta de prazer que o namorado manuseava com mestria, antes de ter decidido deitar-se sobre ela, cobrindo-a por completo como se tivesse em mente esconder alguma prega do corpo delicado da rapariga que, apesar de ele ser tão ousado, não tivesse já posto à mostra. Sem oferecer resistência ao que ele pretendia fazer, durou mais um instante o balançar dos corpos na cama e, por fim, os dois eclodiram e cada qual atento ao fascinante fogo-de-artifício que presenciava de olhos semicerrados, muito mais do que à felicidade estampada no rosto do parceiro, nem deve ter dado pelo ranger do soalho de tábuas de madeira de pinho vergado aos solavancos da cama que fez estremecer os móveis na casa da vizinha do andar de baixo.

Ao par de amantes, para alimentar a fogueira da paixão, não foi preciso inspirar-se nas centenas de páginas do livro das cinquenta sombras, nem ver um filme que só não foi um fracasso na receita de bilheteira para terem tido um desempenho tão bom. Daquele dia em diante, com ânimo redobrado pelo amor que não parava de aumentar, levaram a cabo outros encontros, cada vez com maior regularidade e, sempre que o faziam, nos intervalos de tempo em que paravam para descansar, de mão dada ou fazendo festas no cabelo um do outro, não perdiam tempo a recordar a primeira vez entre ambos que tinha corrido tão bem, mas a planear os encontros seguintes, que se não deixassem a relação esfriar haveriam de ser ainda melhores.