Sexta-feira 13 – Mitos e Realidade

Hoje é sexta-feira 13, a única do ano 2016, e como tal, chegou a altura de explorar toda a mística que se esconde numa mistura de tradições onde o pagão e o cristão se juntam numa estranha procissão. Este que vos escreve está na altura do lançamento deste artigo em Montalegre, Alto Trás-os-Montes, único sitio em Portugal onde se celebra de facto a sexta-feira 13, com espectáculos esotéricos e tradições que visam explorar o medo pelo oculto, numa visita que tem tanto de turístico como de antropológico.

Num misto de estranheza e curiosidade, este dia tão mal afamado tem uma origem vaga, que poderá viver de uma mão cheia de coincidências que habilmente se fundiram com a consciência colectiva ocidental, da mesma forma que outras superstições permanecem mesmo sem provas cientificas concretas da sua eficiência. Será tudo um caso de paranóia, ou haverão forças ocultas escondidas por detrás deste dia?

Para mergulhar no mar da superstição não basta analisar o dia na sua conjugação com o número, é necessário em primeiro lugar compreender o 13 na sua essência. O número é associado ao azar de forma muito clara em duas religiões, que durante um espaço de tempo conviveram de forma bastante agressiva por mais que ambas partilhassem histórias demasiado semelhantes. A mais óbvia parte de uma antiga superstição que ainda hoje nos rege nas mais diversas situações por mais que muitos dos envolvidos não acreditem no seu poder…

A versão cristã conta que Jesus sentou-se à mesa com 12 dos seus apóstolos. O décimo terceiro elemento, de seu nome Judas, traiu o Messias vendendo-o às autoridades romanas. Algo semelhante acontece no panteão nórdico quando Odin faz um banquete em Valhalla com 11 dos seus companheiros, até que Loki aparece sem ser convidado e leva a um seguimento de acontecimentos que acaba com a morte de Balder, divindade importantíssima e filho do anfitrião. As semelhanças entre ambas as histórias davam uma outra crónica, mas o certo é que ainda hoje persiste a superstição de que treze pessoas à mesa significa que um morrerá no espaço de um ano. Se alguma vez estiver nesta situação lá terá de chamar aquele primo que não lhe liga nenhuma, ou “desconvidar” aquele tio das piadas sem graça.

Witches+Coven+for+finale+fixit+pageO número 13 aparece em várias situações para justificar uma série de inconveniências. A criação do calendário solar gregoriano, pelo qual nos regemos hoje, foi uma dor de cabeça para os monges devido aos 13 ciclos lunares, o que obrigou a uma reorganização de todas as datas festivas em 12 meses e a novos cálculos que revolucionaram a maneira como quantificamos a contagem do tempo. O número 13 está também associado ao feminino muito antes de qualquer panteão ou religião monoteísta, correspondendo ao numero de ciclos menstruais anuais, que curiosamente têm uma forte ligação com o numero de ciclos lunares, coincidência esta que durante milénios terá servido tanto para servir como ode a fertilidade como para atribuir algo de profano e selvagem à figura da mulher. Se há dúvidas repare-se que um grupo de bruxas em inglês é chamado de coven, algo que não tem uma tradução directa em português, durante muito tempo pensava-se que esses covens seriam constituídos por 13 elementos.

O paganismo continua a fazer frente a esta superstição usando o número com algum afinco em várias congregações e cultos. Muitas religiões politeístas tinham um grande apreço pelo número simbolizando, por exemplo, os diferentes estágios da vida para os egípcios. Os próprios católicos aproveitam datas como o 13 de Maio para tornar o número em algo sagrado, e em devoção a Nossa Senhora.

Sendo o número 12 considerado perfeito e presente em tantas religiões, o 13 parece transformar-se numa inconveniente adição, sendo a perfeição impossível de igualar ou melhorar. Tudo o que parece profano acaba por convergir em toda uma simbologia que parece levar a um medo colectivo. Em 1911, o termo triscaidecafobia, o medo do número 13, foi cotado pela primeira vez. Já o medo das sexta-feiras 13 é apelidado de friggatriskaidekaphobia ou paraskevidekatriaphobia. Frigga, era a deusa nórdica atribuída a esse dia da semana, paraskeví é apenas o nome do dia em grego.

Se pensa que a superstição está fora de moda pense que muitos hotéis omitem o numero 13 ou até o próprio décimo terceiro andar, e muitos aeroportos não têm a porta de embarque 13. Como diriam os nossos compadres espanhóis, No creo en brujas, pero que las hay, las hay! Note-se que em galego bruxa diz-se “meiga”, o que tem a sua interessante ironia.

Mas onde se conjuga de facto a sexta com o 13? Teremos novamente de recorrer à Bíblia. O dia é intensamente referido pela cristandade como propagador de todas as desgraças embora não haja qualquer prova na Bíblia, e nenhum método cientifico que o comprove. O dia em que Eva provou do fruto proibido, o dia do dilúvio, dos desentendimentos da Torre de Babel,  e o dia da crucificação de Jesus, todos são associado a uma sexta-feira 13. Mas talvez o acontecimento mais conhecido, e que curiosamente também tem mão da Igreja Católica prende-se com uma fatídica sexta-feira 13 de 1307, em França. Esta é aquela altura onde nos documentários históricos na televisão se houve musica de época! Leia os próximos parágrafos enquanto ouve isto.

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Os Cavaleiros Templários eram uma ordem religiosa e militar europeia com um grande papel na Idade-Média. Começaram por auxiliar peregrinos a caminho da Terra Santa, tornaram-se numa força militar assinalável que reconquistou Jerusalém, e introduziram algumas inovações económicas, sendo os percursores do cheque, ou melhor de uma nota de crédito, que permitia a alguém resguardar o seu dinheiro na Europa e à chegada à Terra Santa reaver o mesmo, evitando assim os roubos que muitas vezes aconteciam nessa grande peregrinação. Diz-se também que teriam algum interesse pelo oculto devido a demanda pelo famoso Santo Graal, e claro, sobre o que vou falar de seguida.

O importante a reter é que a ordem dos Templários se tornou demasiado poderosa, e o rei francês Filipe IV tinha uma elevada soma em dívida para com ela devido à guerra com os ingleses. A solução encontrada pelo monarca de forma a não ter de pagar essas dividas foi tentar virar o papa Clemente V e a Europa contra a Ordem. O resultado foi bem evidente a 13 de Outubro de 1307, uma sexta-feira, quando uma ordem de prisão foi endereçada a todos os templários franceses e ao seu Grão-Mestre Jacques de Molay, que seria executado alguns anos depois. Algumas das alegações contra a Ordem prendiam-se com rituais secretos dentro da mesma, que consistiam no desrespeito pelos símbolos cristãos, adoração a objectos profanos e práticas homossexuais.

A ordem de prisão espalhou-se por toda a Europa e o resultado foi um trabalho extra para a Santa Inquisição, com um numero inimaginável de execuções pela fogueira. Muitos cavaleiros tiveram autorização para se transferir para outras ordens, ou fugiram para territórios fora do controlo Papal. Portugal tratou do assunto da melhor forma possível e bem ao jeito do pais dos “brandos costumes”, a ordem dos Cavaleiros Templários mudou de nome para a Ordem de Cristo, e ainda hoje a sua permanência durante séculos em território português pode ser admirada em Tomar, com o celebre convento. O Seu Grão Mestre, é curiosamente desde o século XX, o Presidente da República em funções! Temos, por isso, uma ligação peculiar com um final feliz nesta sexta-feira 13!

Mas voltando ao rescaldo de 1307, o Grão-Mestre Jacques de Molay é condenado à fogueira em 1314, e a sua execução é lendária não só porque pediu para ser queimado enquanto rezava virado para a Catedral de Notre-Dame, como amaldiçoou Filipe IV e o papa Clemente V exclamando: “Deus sabe quem está errado e quem pecou. Uma calamidade ocorrerá aqueles que nos condenaram à morte.” Bem dito, bem feito! Coincidência ou não, tanto monarca como Papa morreram no espaço de um ano.

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Outro acontecimento menos conhecido parece fomentar a origem da fatídica sexta-feira. A 13 de Outubro de 1066, (adivinhe o dia da semana?), a Invasão Normanda de Inglaterra toma um rumo trágico. Harold II, o último rei Anglo-saxão, por motivos que se vão tornar óbvios em seguida, recusa-se a dar a sua coroa a Guilherme, o Conquistador. O resultado não podia ter sido pior! O rei Normando defronta-se com Harold na Batalha de Hastings já no dia 14, matando-o e dando jus ao seu nome. É o inicio de uma nova Inglaterra sobre domínio Normando, e mais uma vez, a sexta-feira 13 aparece como responsável por uma tragédia histórica, que claro, depende muito da perspectiva. Para os Normandos foi certamente um dia que antecedeu a uma grande vitória!

Mas com toda esta superstição, e sabendo nós que o medo desta conjugação de dia do mês e dia da semana só foi catalogada em 1911, não é claro onde se revitalizou. Durante o século XIV alguns textos religiosos evidenciam o azar que representa a sexta-feira. O mais significativo é a colectânea de textos Os Contos de Cantuária, onde a sexta-feira é considerada o dia onde todos os azares sucedem. Já no século XVII a fobia ressurge e durante o século XVIII várias publicações evidenciam que a sexta-feira é o pior dia viajar, casar ou para dar à luz, essa noção acaba por colar à consciência Ocidental sobrevivendo até aos dias de hoje.

Já no século XIX, um clube é formado de forma a testar e desvalorizar a superstição das 13 pessoas à mesa. Este grupo, que chegou a ter mais de 500 elementos e foi constituído por figuras de alta sociedade americana, como  Benjamin Harrison e  Theodore Roosevelt, organizava jantares com mesas para 13 pessoas em todos os dias 13 do mês. O objectivo era refutar qualquer superstição sobre o número. Podemos dizer que já nenhum está entre nós, mas a verdade é que nenhum parece ter morrido enquanto os jantares duraram.

A literatura do século XX continua, no entanto, a explorar o conceito! Thomas W. Lawson, conhecido corrector da bolsa, escreve “Sexta-feira 13” em 1907 explorando o medo da sexta-feira na bolsa americana. Wall Street tem um certo historial, especialmente em 1989 quando a Dow Jones Industrial Average teve a sua segunda maior quebra, numa sexta-feira 13 apelidada de mini-crash. Sendo a bolsa americana algo tão fundamental na economia Ocidental, é de esperar que tais superstições permaneçam e tenham ganho força. Felizmente ou não, o grande crash de 1929, que foi previsto por Lawson nesse mesmo livro, foi no dia 29 de Outubro, e a uma terça-feira! Logo, talvez seja melhor trocar de dia!

Fruto ou não de uma paranóia colectiva, parece ter sido provado que às sextas-feiras 13 existe um número superior de acidentes nas estradas, quando comparado com um dia aleatório, como a sexta-feira 6. O estudo não foi feito por nenhuma espirita mas sim pelo mundo académico britânico em 1993, sendo publicado no British Medical Journal. Há também estudos mais positivos que contradizem em parte o primeiro, nomeadamente um holandês que afirma que há menos acidentes e chamadas de roubo e fogo às sextas-feiras 13. Será que as pessoas são mais cuidadosas para que o azar não lhes bata a porta? Até a “bandidagem”?

Por mais que o dia seja mal afamado muitos países ocidentais têm a sua própria data azarada. Os italianos preferem a Sexta-feira 17, e em países de língua castelhana e na Grécia reina como azarada a Terça-feira 13. Serão todos os dias azarados? Ou será que a variedade de dias invalida o azar de um?

A prova de que a fobia permanece é a mesma que nos proíbe de passar por baixo daquela escada no meio da via. Não queremos arriscar se temos alternativas fáceis que nos permitem escapar a tal perspectiva de azar. E por isso desviamos-nos, tomamos um atalho ou contornamos. E ficamos bem connosco e não temos de pensar nos “ses”.

Antes que nos deixemos levar pela racionalidade é bom referir que um asteróide vai passar pela Terra a 13 de Abril de 2029, SEXTA-FEIRA! Mas nada temos a temer, vai ser a uma distância de segurança bastante confortável!

Uma coisa é certa, hoje viajo para Montalegre, e assim desafio a literatura do século XVIII wicca_altar_001de maneira desconcertante. A vila em Alto Trás-os-Montes, comemora o dia mais azarado do ano sempre que este ocorre. Em 2015, houve festa a triplicar, no inicio do ano até de seguida, uma em Fevereiro e outra em Março, acabando com uma em Novembro. O que se pode esperar? Espectáculos, encenações, mezinhas e outro tipo de rituais, que embora fiquem na fronteira entre o sagrado e o oculto são promovidos por um padre, o Padre Fontes, grande dinamizador dessa grande festa. Esperando-me um fim de semana em cheio, espero sinceramente que nenhum azar característico do dia me atormente, e se acontecer, que não seja nenhuma fogueira bem ao jeito de 1307…

Em Portugal duas romarias convergem no mesmo dia, como se o sagrado e o ocultos se gladiassem no mesmo país. O 13 de Maio em Fátima e a Sexta-feira 13 de Montalegre. Eu estarei no lado “herege” da barricada, até porque nunca me dei bem com religiões monoteístas, mas espero que todos desfrutem de boas festividades, religiosas ou pagãs!