Sid Meier’s Civilization VI (Review)

Com 25 anos de existência, a franquia de Sid Meier’s Civilization tem acompanhado gerações de gamers, mostrando em cada evolução novas mecânicas e novas formas de abordar a sua formula, tomando riscos mesmo dentro da previsibilidade das suas investidas. Civilization V (2010) parecia ser a derradeira experiência, com vários DLCs com civilizações e duas expansões que fizeram a diferença, completando as imperfeições do seu lançamento. Mesmo na aparente quase perfeição do seu antecessor, surge agora Civilization VI, e como é desde logo perceptível nas primeiras horas de jogo, muito mudou dentro de todas as mecânicas que se mantém dos anteriores.

Civilization foi criado em 1991 pelo programador canadiano Sid Meier e apanhou o mundo dos videojogos de surpresa. O objectivo do jogo é evoluir uma civilização desde os primórdios da Humanidade até à era moderna, com algumas liberdades bastante bem concebidas que, nalguns títulos ultrapassam o limite da tecnologia moderna olhando para o futuro. A cada instalação tudo se tem tornado mais complexo. Jogado por turnos num mapa pré-gerado, o jogador deve competir com outras civilizações, escolhendo a vitória que mais lhe aprouver. A preocupação de Civilization em representar as civilizações que introduz com o devido respeito, e a capacidade que dá ao jogador para decidir que rumo dar à história da sua civilização sem qualquer condicionamento baseado na factualidade, tem maravilhado alguns estudiosos na área. A sua negação da História cria um leque de pontes que pode eventualmente contribuir para uma maior consciencialização e respeito para com outras culturas. Mas que faz de Civilization VI tão especial, e de que forma se torna facilmente num dos melhores títulos da franquia?

Pelos trailers, Civilization VI demonstrou desde cedo que iria optar por um visual menos sério e mais colorido. Para alguns, este foi um grande let down, mas depois de um período de habituação a questão visual está bastante ultrapassada. Alguns unidades não parecem tão bem trabalhadas, mas o resto vibra e adequa-se perfeitamente a esta nova encarnação da franquia. O fog of war do mapa parece agora saído de um qualquer pergaminho cartográfico histórico, com pequenas dicas visuais com monstros marinhos a indicar a possível presença de um oceano. As zonas descobertas ganham a impressão de estarem desenhadas pela pena de um qualquer Da Vinci. Nunca um mapa foi trabalhado assim na série! Com um ciclo opcional que permite viver todas as horas do dia no videojogo, é sempre agradável ver os edifícios à luz das tochas ou da iluminação eléctrica de eras mais recentes.

Logo no seu menu é evidente que tudo corre mais levemente que o seu antecessor. Uma lufada de ar fresco para quem em 2010 precisava de cerca de 5 minutos para chegar sequer ao menu. A partir daí, Civilization mostra que pouco mudou, e ainda bem! Não há um modo história, esta é criada pelo jogador à medida que vai jogando. Ignorando o mapa mundo do nosso planeta, as arenas são pré-geradas tendo em conta um grande número de critérios. Sendo permitido jogar com computadores, amigos e desconhecidos, muitas são as horas que oferece aliada à imprevisibilidade do mapa, que pode ditar a maneira como o jogador pode construir a sua civilização. Da temperatura à escolha entre ilhas, continentes, ou totalmente aleatório, o mapa é importantíssimo e algumas civilizações são melhores num tipo de mapas do que outros. A dificuldade, a velocidade e o tipo de vitórias permitidas são, também, uma flexibilidade estrondosa a cada experiência. Um mapa onde é necessário destruir todos os adversários não será jogado da mesma maneira que um que permite também uma vitória cultural.

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Das 5 vitórias disponíveis há muito por onde explorar. A vitória militar obriga os jogadores a conquistar todas as capitais adversárias, a vitória cultural consiste em influenciar o resto das civilizações, de tal forma que comecem a usar os nossos produtos, um pouco como hoje o nosso consumismo tem como base um pensamento americano com os seus jeans. A vitória cientifica consiste em conseguir chegar ao topo da árvore tecnológica, estabelecendo uma colónia em Marte. A vitória por tempo limita os turnos atribuindo a vitória a civilização com mais pontos. Todas estas vitórias são familiares para os jogadores de Civilization, excepto a quinta, a vitória religiosa, que surge no lugar da vitória diplomática de Civilization V, e que consiste em influenciar de tal modo o mundo que a religião criada pelo jogador é pregada em todas as civilizações por uma maioria da população. 

Com 19 civilizações, com os Aztecas como bónus de pré-order (que serão acessíveis a todos sem custos adicionais em 2017), há muito por onde escolher. Da Inglaterra, liderada pela Rainha Vitória, a Saladino, para a civilização árabe, todos têm mecânicas, unidades e estruturas diferentes que influenciam eras específicas do jogo, tornando cada civilização mais forte em determinado momento. Os aztecas possuem uma das melhores unidades do começo do jogo, o Eagle Warrior, consideravelmente superior a um guerreiro normal. Já Cleópatra, dos egípcios, pode criar uma esfinge com bónus de fé e cultura. Algumas civilizações, senão todas, terão uma segunda escolha de líder, mas para já, apenas a Grécia tem duas personalidade, Péricles e Gorgo, e embora partilhem a mesma cultura têm habilidades completamente diferentes. A lista de todas as civilizações pode ser encontrada ser encontrada aqui.

O melhor conselho será definir no início do jogo uma civilização aleatória, até porque os portugueses estão fora do jogo original para já. No entanto, têm sido adicionados em expansões que lidam com a temática da exploração, o que os torna em candidatos para futuras adições de conteúdo. No primeiro jogo a sério, a civilização escolhida aleatoriamente para esta análise foi a japonesa, liderada por Hojo Tokimune. Bastante útil para quem quer uma civilização costeira devido ao seu bónus de dano, tem ainda outras bonificações relacionados com as novas mecânicas do jogo, mas já lá vamos…

Em todos os jogos, as civilizações começam com o já tradicional settler, para estabelecer uma primeira cidade e um guerreiro para protecção. Em Civilization VI, os settlers vêm com indicadores que permitem perceber o melhor sítio para estabelecer a primeira cidade tendo em conta a quantidade de água nos respectivos tiles; mais água significa mais capacidade de crescimento. Estabelecida a capital, o passo seguinte é escolher uma tecnologia, mas também explorar a nova árvore exclusiva desta instalação: a árvore cultural, que permite desbloquear novas cartas cívicas para aplicar no governo default, o tribalismo. A progressão nesta árvore desbloqueia não só cartas, que dão bónus à civilização, como novos sistemas políticos, que permitem adequar as cartas permitidas ao que o jogador pretende. Uma Índia oligárquica, um Japão como república mercante, tudo é possível!

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A árvore tecnológica não mudou muito desde a instalação anterior, mas a maneira como nos aventuramos nela pode mudar bastante consoante um novo factor. Como sempre, a posição inicial define que tecnologia deve ser escolhida em primeiro lugar. Se a capital está rodada de minas, o melhor é explorar Mining, mas se a capital estiver rodeada de recursos têxteis, talvez seja melhor optar por evoluir a tecnologia de plantações. As novas dinâmicas de boost, permitem que as acções do jogador e as particularidades da sua posição no mapa permitam facilitar a progressão na árvore tecnológica. Fundar uma cidade junto do mar facilita a pesquisa da primeira tecnologia marítima, diminuindo o tempo da sua completação para metade. Jogando com estes boosts é possível ganhar um grande avanço em relação a outras civilizações. Nem sempre é fácil activar estes momentos de eureka, mas podem fazer a diferença para quem persegue uma vitória tecnológica.

O passo seguinte é explorar o mapa, mas com muita atenção, pois os bárbaros estão de volta, e muito mais fortes do que antes! Aparecem em sítios aleatórios no mapa com os seus campos e começam por enviar uma unidade de reconhecimento, o scout. Assim que este descobre a cidade do jogador regressa à sua base, sendo que esta envia unidade. Se o jogador não quer as suas primeiras quintas pilhadas e o seu progresso arruinado, o melhor é jogar a defesa e contra-atacar, ou matar os scouts antes que eles voltem ao seu campo com a localização da capital.

A primeira cidade é também essencial para perceber como jogar, uma vez que Civilization VI introduz mecânicas que mudam para sempre a sua organização. Para além das estruturas normais o jogo introduz distritos, e estes distritos estão devidamente associados a algo especifico e devem ser colocados nos tiles, em volta da cidade. O distrito religioso gera pontos de religião e ganha bónus se construído perto de uma montanha. Outros ganham bónus quando perto de outros distritos, ou directamente ligados a algumas wonders, e sim, ainda existem maravilhas do mundo! Mas, infelizmente, o jogador deve controlar-se na construção das mesmas, uma vez que estas, tal como os distritos, ocupam um tile, o que leva a falta de espaço para outras coisas mais importantes, como quintas ou minas. Os distritos e as wonders destroem qualquer bonificação que o tile tivesse anteriormente, por isso, construir uma cidade é agora um puzzle, mas um puzzle bastante bem-vindo para tornar a experiência ainda mais variada. As cidades compactas de Civilization V são uma coisa do passado, mas com a nova abordagem vem todo uma nova estratégia de planeamento urbano que poderá ter de ser mudada ou planeada novamente com o passar das eras.

Também os workers estão diferentes, uma vez que tem charges e desaparecem depois de um determinado número de utilizações. Também não podem ser optimizados para trabalhar automaticamente, o que obriga o jogador a controlar as suas construções do início ao fim do jogo. Devido a isto, o midgame torna-se menos chato, obrigando os jogadores a um completo controlo da sua civilização. O mesmo acontece com os arqueólogos que, como em Civilization V, devem explorar as zona arqueológicas trazendo artefactos para as cidades aumentando o turismo, importantíssimo para uma vitória cultural!

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O sucesso da civilização nos mais diversos sectores traz ainda até ao jogador, grandes pessoas das mais diversas áreas que vão contribuindo com as suas obras para a cultura e para o turismo. Com o Japão calhou Hieronymus Bosch que chegado ao distrito cultural criou uma das suas obras-primas. Mais tarde, surgiu também Jane Austen que criou três obras literárias antes de desaparecer. Os grandes cientistas como Einstein, atribuem boosts a tecnologias aleatórias. Todas as grandes pessoas têm diferentes bónus e criam diferentes obras, que devem ser colocadas nas estruturas preparadas para receber os quadros, a música ou os livros.

Depois de um pequeno número de turnos, é espectável que conheçamos cidades-estado e civilizações. As cidades-estado funcionam agora de maneira mais interessante, e desligada da dependência de dinheiro para a ganhar o seu favor do jogo anterior. As missões que estas nos vão dando vão oferecendo envoys, ou emissários. Estes emissários são aplicados nas respectivas cidades e vão desbloqueando bónus ligados à especialidade da mesma. Algumas dedicam-se à religião, outras ao comércio ou à cultura. A civilização com mais emissários numa cidade-estado ganha um bónus especial que faz a diferença, que parte pelo controlo das suas tropas em caso de guerra, entre outras bonificações. Para os mais violentos, estas cidades-estado podem ser conquistadas, embora algumas civilizações tenham, como preferência, que deixemos estas pequenas cidades em paz.

Jogando com o Japão foi um passo até descobrir Roma, liderada por Trajano. Todas as civilizações têm uma agenda conhecida a todos os jogadores, e que não muda de jogo para jogo. Trajano tem a sua Optimus Princepes, o que significa que pretende conseguir o maior número de território possível, odiando civilizações pequenas que não se expandam para lá das suas fronteiras. Para o jogador se manter com boas relações com Trajano necessita por isso de expandir o seu território de forma considerável, ou pelo menos manter as mesmas cidades de Roma. Sendo que todas as civilizações têm uma agenda default é difícil manter as boas graças de todas. Montezuma, dos Aztecas, odeia que o jogador tenha recursos mais luxuosos que ele e, especialmente, que tenha recursos que ele não possua.

A juntar às agendas das civilizações existe ainda uma escondida e aleatória em cada jogo. Trajano era Technophile ou Tecnófilo, ou seja, adorava progresso cientifico e odiava civilizações que não acompanhassem esse progresso. Sendo esta agenda ocultada até haver um grau de confiança grande com a civilização, ou através de espionagem, a atitude da inteligência artificial pode ser estranha. Trajano enviou duas declarações de guerra, invadindo o Japão duas vezes. A única esperança para a civilização nipónica foi jogar a defensiva. Há terceira invasão, a táctica utilizada com o Japão mudou. Depois de repelir as legiões romanas, sucede-se um contra-ataque. As tropas japonesas, militarmente mais avançadas, conquistam Roma acabando com a presença romana no continente. Trajano é obrigado a continuar o jogo numa pequena cidade pouco evoluída noutro local do mapa e o Japão do jogador arrecada duas novas cidades.

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A partir deste momento Trajano começa a ter uma evolução tecnológica inferior. O resultado é uma ultrapassagem tecnológica por parte do jogador, que, de repente, se vê nas boas graças do imperador romano. Sem qualquer sentimento de remorso ou vingança é estranho explorar as manias da AI do jogo. No entanto, comparado com outras instalações da franquia há um grau de complexidade maior, que mesmo assim não atinge o ponto espectável. A dificuldade não torna as civilizações controladas pelo computador, nem os bárbaros, mais “inteligentes”, aumenta apenas o dano que as suas unidades dão e os bónus e handicaps que existem durante o jogo. Esta é uma má forma de gerir a dificuldade num jogo desta qualidade, porém, é facilmente ultrapassável até pelo grau de conteúdo hilariante que as decisões desta AI provocam.

A música é também parte activa do videojogo, com uma melodia atribuída a cada civilização, que vai evoluindo tornando-se orquestrada e épica com o avançar das eras. O tema principal de Civilization VI é composto pelo já premiado Christopher Tin. Sogno di Volare (“The Dream of Flight”) tem letra, imagine-se, de Leonardo Da Vinci, e não fica aquém do tema icónico de Civilization IV, também de Tin, Baba Yetu. A banda sonora está disponível na integra no youtube.

Depois de centenas de horas e de turnos a vitória, ou até mesmo a derrota, sabem bem. Depois de uma pausa, o desejo de recomeçar é imenso, num jogo onde “mais um turno” se transforma, num instante, em mais cinquenta ou cem. Civilization VI dá a certeza que todos os jogos vão ser diferentes, em mapas onde novos caminhos serão explorados. A AI é hilariante, mas, sem isso, nunca teríamos Gandhi preparado para declarar guerra e lançar bombas atómicas contra os seus adversários.

É, provavelmente, o melhor jogo da franquia até agora, e obriga a uma nova noção de estratégia, mantendo a qualidade e o conteúdo de sempre. A inovação é bem vinda, resta apenas perceber o que acontecerá com as expansões futuras, e que novas mecânicas e civilizações aparecerão.

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Volto para o próximo mês com mais videojogos…