Sílvia

Conheço-a desde tenra idade. Desde Sempre. Na verdade, fisicamente desde que nasci, mas ao seu caráter altruísta, desde ter tomado consciência de que sempre responde positivamente ao nosso chamamento quando mais precisamos de ajuda.

Nasceu antes de mim. Sensivelmente quatro anos antes de, em resposta ao chamamento dos meus pais, também eu ter vindo ao mundo, acrescentando à vida de ambos, o duplo sentido que advém da responsabilidade de, com poucas posses, passarem a ter o encargo de dois filhos para criar.

Dá pelo nome de Sílvia, talvez derivando duma denominação de origem francesa, mas arreigada à nossa maneira de ser, na génese da saudade genuína que sentimos dela quando não está presente ao nosso lado. É minha irmã há cinquenta e quatro anos. Há tantas décadas quantas foi editado o álbum Sgt. Pepper’s dos Beatles, que não apenas foi a banda sonora duma geração, como contribuiu para o êxito da revolução pacífica que impôs, à custa dum modelo inspirado na paz, o conceito de liberdade sexual responsável pelo acréscimo da população a nível mundial.

Alegre e comunicativa, faz desses atributos que tem, a par da bondade, a razão por que teria, pedindo-lhe que pudessem segui-la fora das redes sociais, mais pessoas a gostarem dela do que fans duma banda rival daquela, capaz de compor, em metade do tempo, o dobro das canções de sucesso.

Bastaria que tão bem como eu a conhecessem. Que em contacto com ela, no contexto de uma conversa, se desse tão bem a conhecer como sucede num contexto entre amigos. Logo veriam que, à vista do exemplo dela, nem sempre as agruras da vida nos têm de moldar o caráter, tornando pessoas amargas e avessas ao desejo de acreditar que individualmente podemos esforçar-nos, contribuindo para fazer do mundo um local melhor para viver. As amarguras da vida, tem ela sabido superar, valendo-se da coragem duma mulher que, de seu, tem tudo e não tem nada, a não ser o poder de nos fazer acreditar em que, dependendo da forma como se mostrar disponível, cada qual tem o condão de fazer felizes aqueles a quem disser que ama.

Não obstante, nem sempre os ventos lhe sopram de feição. Nem sempre tudo corre tão bem, que, no trabalho ou nas relações pessoais, não lhe apeteça explodir ou desabar numa crise de choro, que faça acreditarem que é humana, quem possa duvidar de existir na vida real, personagem de sonho que parece saída da ficção.

Orgulho-me dela, pela circunstância de sermos irmãos, mas sobretudo por jamais me ter feito duvidar da conveniência de seguir o caminho da verdade. Oxalá sobreviva às minhas crises de humor, com um fulgor igual ao de quem, gostando de ler o que escrevo, só tenha vontade de parar, acabando a última frase do texto.

Gosto dela e não é por chamar-se Sílvia. É por ser como é. E não gostaria mais, nem que ela representasse o objetivo de escrever um livro que há tantos anos persigo. É por ter o coração na boca, e, no peito, uma labareda a crepitar, que mantem acesa à custa de ver refletido no nosso olhar, o brilho dessa chama.

FIM