Simplificação do “circo” pós-eleições que vivemos

Vou tentar simplificar este “circo” que se tornou este período pós-eleitoral, baseado no meu conhecimento legal e opinião, de forma a que seja fácil de entender. Qual é a melhor metodologia, a melhor forma de o fazer? Creio que por pergunta – resposta.

Nas legislativas votamos para eleger o Primeiro Ministro? Não. Esta é uma confusão criada principalmente pelos próprios partidos. Nas legislativas elegemos os 230 deputados da Assembleia da República, orgão legislativo (que produz legislação, vulgo leis) por excelência.

Então quem elege o Primeiro Ministro? Por muito contraditório que possa parecer depois da primeira resposta, somos nós, os eleitores portugueses nas legislativas, embora de forma indirecta. Confusos? É fácil de explicar: nós elegemos os deputados e, (segundo a Constituição, a Lei mais importante do país) baseando-se nos resultados dessas eleições, o Presidente da República indigita o Primeiro Ministro, convidando-o a criar Governo.

Então, se é com base nos resultados das eleições, o partido mais votado forma sempre governo, certo? Nem sempre. A Constituição diz, no n.º 1 do artigo 187.º “O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.” Ora, o “tendo em conta os resultados eleitorais” é algo vago. Mas por uma questão de tradição e respeito democráticos, normalmente o partido mais votado é convidado a formar governo. Mas pode suceder, como sucede em vários países europeus (para falar só dos que nos são mais próximos), que o partido mais votado pode não conseguir os acordos necessários para formar governo. Aí, diz a tradição democrática, o Presidente poderá convidar outros partidos a formar governo. E nem precisa ser o segundo partido. Creio que no Luxemburgo, o Primeiro Ministro actual é do terceiro partido mais votado (depois de o lider do partido mais votado e actual presidente da Comissão Europeia, não ter conseguido formar governo). Mas tem de ser aquele que garanta reunir as condições para criar governo e governar de forma sustentada e estável. Mas, perguntarão os meus leitores “isso é ter em conta os resultados eleitorais?” Porque não?
Vamos pensar na seguinte formula – e vamos evitar falar em coligações, porque um partido para governar pode fazer só acordos com outras forças partidárias, sem que estas façam parte do governo – em que o partido A tem 80 mandatos, o partido B 60 mandatos, o partido C tem 40 mandatos e o partido D tem 30 mandatos. Se somarem, dá 210 mandatos (cada um equivale a um deputado), sendo que a maioria se obtém com 106 mandatos, obviamente.
Assim, nesta fórmula e pela tradição democrática, o partido A seria convidado a fazer governo. Mas só tendo 80 mandatos, precisaria de fazer acordos com os outros partidos (B, C ou D), sendo que, neste caso, podia fazer com qualquer um, pois, na soma, ultrapassaria sempre os 106 mandatos. Mas se o partido A não conseguir chegar a um acordo e não conseguir formar governo (ou conseguir formar, mas o mesmo “caía” depois por falta de apoio parlamentar) o Presidente pode pedir, por exemplo, ao partido B, o segundo menos votado, para formar governo. E aí, tendo só 60 mandatos, ele vai precisar de fazer acordo com  mais do que um partido, presumindo que o A não dará o seu acordo e que nem só os 40 mandatos do partido C, nem só os 30 mandatos do partido D chegam para atingir a maioria.
Até aqui, tudo bem, é só uma questão de somar os mandatos. Mas como é que permitir ao 2º, 3º e 4º partidos mais votados formar governo é ter em conta o resultado das eleições? Simples: esses partidos, embora não tenham saído como vencedores das eleições, têm esses mandatos porque lhes foram atribuídos pelos eleitores, pelas pessoas que neles votaram. Ora, em teoria, se juntarmos todos os mandatos dos partidos B, C e D (ou, na mesma lógica, A e B, A e C ou A e D), formando uma “maioria”, significa que “uma maioria” de eleitores votaram e sustentam aquela solução de governo.

No caso de Portugal, muita gente diz que quem votou no PS não votou num grupo coligado PS, CDU e BE. É legítimo eles juntarem-se só depois das eleições? É totalmente legítimo. Quando os eleitores elegem deputados, estão, em teoria, a eleger os seus representantes na Assembleia. E os seus representantes, no uso legítimo do seu mandato, tentam encontrar acordos para levar avante os seus programas, aqueles que apresentaram nas eleições e que levaram à sua eleição. E não é nada de inédito: no passado mais recente, foi assim em 2002 com o PSD de Durão Barroso, o mais votado, e o CDS de Portas, o terceiro mais votado; e foi assim em 2011 com o PSD de Passos Coelho, o mais votado, e o CDS de Portas, o terceiro mais votado. Em ambos os casos, houve acordo apenas depois das eleições, para formar uma maioria que sustentasse um governo, porque o mais votado sozinho, não conseguiu essa maioria.

Em 2009 o PS foi eleito sem maioria e governou na mesma. Porque é que a coligação não o pode fazer agora? A coligação pode governar sem maioria. Mas fica condicionada à sua capacidade de convencer os outros partidos a, pontualmente, deixarem passar (isto é, não chumbarem) os seus projectos. Sócrates governou com minoria, mas teve, durante algum tempo, a conivência do PSD de Passos, que foi deixando passar algumas medidas. Depois Passos mudou de ideias (na votação do famoso PEC IV), retirou o apoio ao governo e o governo caiu. É o risco a que um governo com apoio parlamentar minoritário está sempre sujeito. E, para além disso, em 2009 o PS elegeu 97 deputados, o PSD 81, o CDS 21, o BE 16 e a CDU 15. Se somarem, PSD e CDS juntos, ficariam com 102 deputados. Isto quer dizer que ainda lhes ficariam a faltar 14 deputados para ter a maioria. Se, na altura, BE e CDU tivessem apoiado o governo do PS, somariam 128 deputados a apoiar o governo (logo, maioria absoluta).

Algumas individualidades como Manuela Ferreira Leite dizem que o PS prepara um golpe de estado. Tem fundamento? Na cabeça dela terá, na minha não. Como dito nas resposta anteriores, quem votou, votou no seu partido de eleição. E se 36,86% votaram na coligação – que foi a vencedora, sem dúvida – houve, se somarmos percentagens de votantes no PS, CDU e BE, 50,75% que não votaram coligação como sua preferida para os representar nos organismos do Estado. Uma clara maioria. É uma questão de consenso e acordo: não havendo maioria por um só partido e/ou coligação, outra coligação pode ser formada para se chegar a essa maioria estável, seja com que partido for.

Mas a Coligação e o PS são mais parecidos, enquanto BE e PCP são mais radicais nalgumas medidas como a integração na NATO e União Europeia e/ou Euro. Dará resultado? Numa coligação ou num simples acordo para sustentar um governo tem de haver consenso. E o consenso pode ser atingido com concessões de parte a parte. E não é impossível isso acontecer. Por exemplo, CDU e PSD são, em termos ideológicos, muito diferentes e governam actualmente, em coligação, a Câmara Municipal de Loures. Noutro exemplo, PS e CDU são também diferentes (eventualmente não tanto como CDU e PSD) e no passado governaram em coligação, durante vários anos, a Câmara Municipal de Lisboa.

Mais perguntas existiriam, de certeza. Mas estas são aquelas que guardei na minha memória como as mais vistas.
Agora, cada um de vós, que leu este artigo, pense bem no que leu e no que tem ouvido e chegue às próprias suas conclusões.

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico de 1990