Simplória mas não simplista

Chamavam-lhe simplória por causa da aparência modesta. Despida era como se de criança ela não tivesse passado. Era de baixa estatura, com os membros ainda não desenvolvidos e, apesar de já estar na adolescência, apresentava o peito tão pouco desenvolvido que, de rosto encoberto, pareceria um desses rapazes de pelo na venta, que se depilam para as namoradas os não confundirem com os bonecos de peluche que abandonam sós a um canto no chão do quarto.

Sem ter sido um primor de beleza mo seu tempo de juventude, nem ter marcado uma época de esplendor, à mãe nunca faltaram pretendentes, embora a Joana, era assim que ela se chamava, eles sempre tinham escasseado, tanto quantos os motivos que ela poderia encontrar para convencer-se de que sem namorado era muito melhor viver, do que ter sempre à perna um rapaz ciumento a perguntar-lhe onde ia ou com quem estava a qualquer hora do dia.

Tinha uma cabeleira abundante e usava um estranho penteado, com o cabelo acachapado em cima, como se no alto da cabeça tivesse usado durante muito tempo um pano enrodilhado para transportar um cabaz e agora não conseguisse retornar ao penteado original. Tinha orelhas pequenas e os olhos de um verde esborratado, como o salpico de tinta numa camisa bege, bem como maçãs do rosto muito vermelhas, como se recentemente tivesse sido severamente espancada por alguém.

Não parava a conversar com estranhos e mesmo as vizinhas conheciam-na mal, mesmo as de idade mais avançada que queriam saber tudo da sua vida e até largavam o que estivessem a fazer para vê-la passar a caminho da escola, mas a quem nem a resposta demorada que obtivessem a todas as suas perguntas, mesmo às mais indiscretas, bastaria para satisfazer-lhes a curiosidade.

Aos ouvidos da mãe de Joana, que, de terça a domingo, era camareira de primeira num hotel de segunda, chegavam, de vez em quando, rumores de que alguma delas tinha morrido, quando há dois ou três dias consecutivos a filha não vinha queixar-se-lhe dos olhares por entre as cortinas que via a agitarem-se, aos quais preferiria os olhares lânguidos dos rapazes. Mas nem sempre eram discretas. Outras vezes era às claras, como quando desviavam os cortinados e, nem que fosse só para rir dos que tinham acordado mais maldispostos, assomavam à janela curiosas quando ouviam da rua algum estardalhaço que pudesse ter despertado a vizinhança.

Contudo, preocupada em que dela, as pessoas em geral, pudessem vir a ter uma opinião idêntica à da mãe a respeito das pessoas mal-educadas, Joana sorria e cumprimentava quem, mesmo da janela lhe falasse sem se preocupar em só querer saber de onde vinha ou para onde ia àquela hora. Não importava que fossem da idade da mãe ou da avó, que fossem cinco anos mais velha do que ela e tivessem dezanove ou fossem quatro anos mais nova e ainda nem passassem dos dez.

Sonhava no futuro ser bailarina e o seu desejo era tanto que, se conseguisse transformar a vontade que tinha, na energia que permitia concretizar os sonhos, então na idade adulta o seu seria alcançado e, não só como dançarina mas também como coreógrafa seria certamente reconhecida e em nome próprio abriria uma escola de dança para ensinar aos outros tudo o que tivesse aprendido.

Podia ser aos olhos dos outros uma simplória, no sentido em que não era vaidosa, não saía à rua maquilhada, nem se pavoneava como algumas raparigas da sua idade a quem parecia que o que motivava era a chegada à escola de um novo colega que pudessem seduzir porque ainda não lhes conhecia as manias.

Podiam achar que era simplória, mas não era simplista na forma de pensar, porque para conquistá-la, não lhe bastaria ser bonito ou ter o dom da palavra com que costumam agradar à maioria.