Uma situação bizarra numa casa-de-banho…

Existem situações na vida que, por mais que nos custem a acreditar, são carregadas de uma veracidade que assusta. Quando o mundo parece não ter mais capacidade para nos surpreender, eis que surge algo que nos apanha completamente de surpresa. Foi o que me aconteceu recentemente — mais propriamente numa casa-de-banho da fábrica onde tenho por hábito laborar todos os dias da semana, das 8h às 16h30.

Estava eu a meio de mais um dia de trabalho, quando uma súbita vontade de ir à casa-de-banho fazer a necessidade fisiológica número um me assombrou de uma forma incontrolável. Até aqui tudo bem, não fosse o caso de a casa-de-banho estar localizada na outra ponta da fábrica, obrigando-me a percorrer vários metros que, estando eu literalmente à rasquinha, me fizeram pensar que tinha acabado de percorrer vários quilómetros. O que, convenhamos, não é agradável de presenciar quando estamos com a bexiga, literalmente, a rebentar pelas costuras. Trata-se, portanto, de uma daquelas situações da vida que não podemos controlar.

Depois de percorrer quilómetros, eis que alcancei a casa-de-banho. Esta história podia terminar aqui, depois de eu acrescentar que fiz a necessidade fisiológica número um, lavei as mãos e regressei à minha vidinha laboral. Mas isso era fácil demais, não fosse eu uma espécie de íman que atrai tudo o que são situações bizarras.

Entrei na casa-de-banho e deparei-me com um vazio que me agradou imenso. Isto porque eu sou aquele tipo de homem que não aprecia muito usar o urinol com alguém ao meu lado a aliviar a bexiga. E apesar de a casa-de-banho se encontrar vazia, eu fiz aquilo que faço sempre que uso uma casa-de-banho pública: ignorei a secção dos urinóis e entrei num compartimento, tratando de aliviar a bexiga na sanita, completamente vedado de olhares curiosos. Despachado que estava o serviço, dirigi-me ao lavatório, lavei as mãos e com um sentimento de alívio presente em mim apressei-me a sair da casa-de-banho. (E aqui podia arrematar com um pomposo “FIM” e acabar esta história. Mas, caro leitor, lamento, mas não vai ser possível porque o melhor desta história começa aqui…)

Ao chegar à porta de saída, eis que dou de caras com um colega que acabara de entrar que, ao ver-me, diz: “Olha! Era mesmo contigo que queria falar. Há dias que ando para falar contigo sobre algo que me está a apoquentar e que tenho vergonha de falar com outras pessoas…”. Ao que respondo: “Então Antunes, o que se passa?”. Ele obriga-me, literalmente, a regressar ao interior da casa-de-banho e começa a desabafar comigo.

“Sabes, eu tenho vergonha de falar nisto, mas estou aqui com uns problemas e preciso desabafar com alguém…”, diz ele.

“Antunes, sabes que podes contar comigo. Já nos conhecemos há anos… Diz lá o que se passa contigo?”, respondo com algum interesse.

“Sabes, é que eu e a Carla… Eh pá, custa-me mesmo falar disto…”

“Antunes, Antunes… O que se passa? Chatearam-se, foi?”

“Eh pá, Ricardo… Sim… É que… Pá, nós há meses que não temos nada um com o outro!”, diz ele baixando a cabeça com alguma vergonha.

“Então?!”, digo, sem saber muito bem como lidar com aquilo.

“Eu acho que ela tem outro!”

“Achas?! Ou tens a certeza?! É que se achas, não podes deduzir coisas sem teres a certeza…”

“Ela não quer nada comigo. Ela não me deseja. E se isso acontece, é porque ela tem outro!”, diz ele com a voz a tremer-lhe.

“Antunes, pode ser apenas uma fase…”

“Pá, até pode ser Ricardo, mas eu não aguento isto assim!”

“Pois, isso a ser verdade eu também acho que não ia aguentar ser traído.”

“Isso não é problema para mim… Eu até posso ser traído, mas eu não aguento estar muito tempo sem relações sexuais, pá. E estou a dar em louco com tanto tempo sem… Estás a perceber?”, diz ele com uma expressão de desespero estampada na casa.

Como estava a ficar sem conversa para ele, inventei que tinha muito trabalho em atraso para fazer e, como tal, tinha de ir andando. Ele agradeceu a minha disponibilidade para o ouvir e dirigiu-se ao mesmo compartimento onde estive anteriormente. Saí da casa-de-banho, mas apercebi-me que me faltava o cartão de acesso às portas da fábrica. Provavelmente teria caído algures na casa-de-banho e voltei atrás para o procurar. E quando entro novamente na casa-de-banho, deparo-me com sons estranhos oriundos do compartimento onde estava o Antunes. Pareciam sons de alguém que estava muito ofegante. Pensei imediatamente que o Antunes estivesse no meio da necessidade número dois e comecei a procurar o cartão. Os sons continuaram por alguns instantes e depois terminaram abruptamente. Passados alguns segundos o Antunes sai do compartimento e eu, depois de vasculhar a casa-de-banho inteira, aproveito para entrar no compartimento onde o Antunes acabara de sair para procurar o cartão. Por sorte, lá estava ele, o cartão, no chão ao lado da sanita. Por azar, tive a infelicidade de olhar para o fundo da sanita e deparar-me com um cenário que nunca na minha vida pensei vir a presenciar: a boiar na água da sanita, estavam milhares de espermatozóides que outrora pertenceram ao Antunes.

Assim que me viro para fugir daquele cenário bizarro, deparo-me com o Antunes a olhar para mim com cara de pânico.

“Esqueci-me de despejar o autoclismo, não foi?!”

Não fui capaz de soltar qualquer palavra. Apenas acenei que sim apressando-me a sair da casa-de-banho completamente envergonhado, como tivesse sido eu a ser apanhado a fazer algo de muito estranho.

O pior desta história é que, alguns minutos mais tarde, apercebi-me que antes de sair da casa-de-banho a correr o Antunes apertou-me a mão e agradeceu-me uma vez mais o facto de ter desabafado comigo…

Isto é que é uma Vida de Cão, hein…