Slendermetics – Francisco Duarte

Já se falou neste site acerca do fenómeno da cultura popular que é o Slenderman, recentemente levado ao estatuto de culto pelo videojogo Slender. Personagem dos recentes mitos do terror originados no vasto oceano da internet, o Slenderman é usualmente descrito como um homem excepcionalmente alto, com membros muito finos e alongados, sem rosto, e usualmente vestido um fato de corte fino. Teve a sua origem na comunidade Creepypasta, um conjunto de sites e blogs cujos utilizadores se dedicam a criar novas histórias de terror, após uma estagnação conceptual que se arrastava, em muito bom entender, desde os anos 70 ou início dos anos 80.

A natureza deste personagem nunca é realmente descrita. Isto porque os criadores se recusaram, desde o início, em explicar tal facto. Mais ainda, Creepypasta é uma comunidade aberta, e todos os participantes são convidados a expandir sobre os conceitos que lá se encontram e, se possível, a oferecer a sua própria interpretação das coisas. Isto é bastante interessante por vários motivos. Primeiro, permite que se criem novos conceitos. Isto porque a arte da criação de contos de terror é a habilidade do autor de explorar os seus medos e os da audiência. Costuma-se dizer que se torna mais eficiente se conseguirmos tonar coisas aparentemente inócuas atemorizantes.

Por outro lado, a grande diversidade de abordagens dos mesmos temas torna impossível dar-lhes coerência, e, de certo modo, torna o potencial para atemorizar mais amplo. No que diz respeito ao Slenderman, a variedade de aparências, padrões de comportamento, poderes e outras características, torna-o indelevelmente atemorizador e absolutamente misterioso.

Evidentemente que isto não impediu os fãs de discutirem entre si qual seria de facto a natureza desta entidade, ligando-a inclusive ao site da SCP Foundation, correspondente a um universo criado por autores do Creepypasta que tenta dar coerência a algumas das suas criações. A partir daqui criou-se uma teoria, que se torna cada vez mais aceite, relativamente a esta questão. E a que conclusão chegaram então os fãs destes novos contos de terror? Bem, pessoalmente considero a ideia bastante inovadora e entusiasmante para um estudante de antropologia como eu: aparentemente o Slenderman é um meme assassino.

E partindo deste ponto vamos lá ao real tópico deste artigo: o que é afinal um meme?

A teoria não existe sem a sua dose de controvérsia, evidentemente, mas a ideia base é de que símbolos, conceitos culturais se assim entenderem, existem no nosso cérebro de um modo similar ao de um vírus (um gene é o modo como foi inicialmente descrito, embora a ideia de vírus traduz melhor o modelo de propagação de memética moderna), e está lá a subsistir no interior da nossa mente. Quando partilhamos este símbolo com outra pessoa fazemos uma propagação da “infeção”, e o símbolo irá então debater-se por se infiltrar na mente dessa outra pessoa. Se o conseguir fazer, então essa pessoa foi “infectada” e o meme espalhou-se para mais um hospedeiro, e aguardará que essa pessoa o partilhe com uma outra, de modo a se espalhar ainda mais. Assim certos evolucionistas e cientistas comportamentais tentarem arranjar um método para explicar como funciona a propagação cultural entre seres humanos, e como ideias e conceitos se propagam.

Mas há algo mais neste modelo. Basicamente, os memes sofrem mutações. O que isto significa é que a transmissão destes símbolos, destas ideias, não é perfeita. Pode haver um erro de transmissão, ou então a pessoa que acabou de ter o novo símbolo implantado na sua cabeça pode interpretá-lo de modo diferente, no momento ou com o passar do tempo. Isto faz com características sociais e conceptuais mudem com o tempo, à medida que ideias se espalham e são apreendidas de modos diversos por diferentes pessoas.

e é por isso que aCho esta abOrdagem do slendeRman tão fascinante. basicamente, assume que quem entRa em contacto com a simples ideiA de que esta criatura existe JÁ está infetado pela mesma, e, portanto, torna-se inevitavelmente numa vítima da loucura e morte que ela induz. E é por isso que as discrições são tão distintas. Porque cada pessoa monta o Slenderman de acordo com os seus medos. É um modo fascinante de encarar a própria escrita de terror. Um meme que mata é aterrador, porque uma vez sabendo-se o que é, não há escapatória.

Tanto quando quanto sabemos, eu e você já estamos infetados… Podemos vir a ser as próximas vítimas!


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso