“Só o Amor É” – Acerca do Primeiro Natal Sem Ti

Começou o Advento, a preparação espiritual para o Natal, e com ele todas as árvores decoradas e figuras de Presépio, que iluminam os rostos das crianças, juntamente com as luzes que, aqui e além, vão dando um novo brilho às cidades e às vilas, um pouco por toda a parte.

Evitando as filas e a confusão própria desta época, saí por aí, rumo às pequenas lojas locais, e galerias mais familiares, onde se podem ir fazendo as compras das pequenas lembranças sem ser no meio do turbilhão…

Neste turbilhão vem o turbilhão de emoções que cada Natal gera, sobretudo pelas lembranças e memórias de outros tempos, em que se viveram outras formas de Natal,e que se tornam cada vez mais à medida que vamos crescendo e envelhecendo…E é aqui que as perdas dos entes que foram partindo antes de nós se fazem sentir como lágrimas ardentes que rolam as faces dos pensamentos, sem que nada façamos para os pensar ou sentir…

Claro que assim é neste primeiro Natal sem ti, meu querido pai…
O primeiro Natal em que não te posso encontrar…nem ver-te, nem falar contigo…
Não gostavas da época…nunca gostaste, dizias tu…Achavas que era a hipocrisia humana elevada ao seu expoente máximo, os gastos do consumismo desenfreado, enfim tudo o que não tem nada a ver com o Natal e que se aproveita dele para se fazer expressar…O que de ruim tem a sociedade, ao invés dos valores que a tornam nobre e justa, caridosa em amor, e isto sim, é o Natal…o Natal solidário e fraterno, o Natal de Amor que se faz anunciar e que faz parte de um ciclo que é verdadeiramente a roda do ano e das estações…

E no entanto, mesmo não gostando, nunca faltaste à presença por esses dias, ao pequeno mimo, à prendinha no sapatinho daqueles que amavas e dos que foste amando ao longo da tua vida… Davas bem mais do que querias receber…pois nada querias para ti…Assim era. Não o celebravas por ti, mas por todos os que à tua volta celebravam esta quadra com amor nos corações…Por eles, nunca por ti…

Passei naquele banco de jardim onde connosco estiveste uma última vez, sem que soubéssemos que eram os últimos tempos que chegavam…os que antecediam os exames, o internamento urgente, e o fim galopante e inesperado, a passo seguro e inexorável para o fim deste teu tempo aqui…
Não sabíamos que aquela dor acutilante que te fez sentar naquele banco de jardim, era afinal o presságio de dores tão mais profundas e fatais…

Ainda bem que não soubemos logo nesse momento, ou que não quisemos saber…ou que pretendemos não saber para te não causar um sofrimento que não querias sentir…Nem eu queria que o sentisses sem estares preparado (alguém estará alguma vez preparado…pergunto eu?…provavelmente muito poucos estão preparados, só alguns)
Assim lembro aquele momento, naquele pequeno relvado a olhar o mar, perto das zonas que conhecias bem e que percorrias vezes sem conta, ao longo de tantos anos…Ainda as percorremos agora…

Uma sensação triste apanhou-me de surpresa…Olhei aquele banco, e pensava como podia ser que tão pouco durasse a vida, um sopro, um momento, em que tudo vai…
Como podem as árvores estar ali tanto mais tempo do que nós?…O mar que permanece, indiferente a quem nele navega, quem nele se banha, ou quem nele chora as lágrimas salgadas que o tornam ainda maior e mais profundo?…
Como pode ser que num momento tudo se apague para aquele corpo que tão somente deixa de albergar vida dentro de si?…

E pergunto-me sozinha…Como pode ser?…Mas é assim. É assim para todas e todos nós. Um dia. Uma passagem.
E a saudade…a saudade aperta ainda mais do que o desejo de conseguir apertar a tua mão…E como a queria apertar com carinho agora…Mas não posso…

Fecho os olhos…Por um momento tão real como verdadeiro, consigo quase apertar a mão que me conduziu pelos passeios e me ajudou a aprender a andar…

Penso que todos devíamos por momentos tentar calar essas saudades de olhos fechados, em que conseguimos imaginar os nossos mais queridos que partiram e dar-lhes a mão…Ver-lhes por momentos o olhar ou o sorriso…Tão reais quanto próximos de nós nesse momento.

Acorrem outras mãos preciosas, outros olhares, outros sorrisos, e teimo em não lembrar o fim, mas o começo, e trazer para aqui esse sentimento lindo de que a saudade também é capaz, de tornar tão próximos os que partiram, como se fossem reais, e recordá-los sempre nas imagens guardadas de amor e alegria, deixando para trás aquelas que nos lembram o fim, as dores, ou as doenças…Essa saudade que torna ainda mais precioso cada momento presente, que é único e que assim acresce de um ainda maior valor cada dia de vida, cada partilha, cada abraço terno.

Nesse momento de luz e de profundo amor, encontro os que já partiram e que se tornam reais, mas também todos os mais queridos entes vivos, aqueles que estão aqui comigo, e eu com eles, num abraço eterno que perdura e se grava no nosso coração…para sempre arrisco dizer…

É o primeiro Natal sem ti, mas continuas cá sempre. É o primeiro Natal em que não estás aqui presente em corpo, mas permaneces connosco em coração, em Amor puro, em memórias daquelas que se gravam mesmo, que levamos connosco e fazem parte de nós.

Estas memórias são agora abençoadas por todas as outras que se lhes vão juntando, as que, com sorte, vamos vivendo, que passam a fazer parte do que somos também e do que representamos para os outros que também são e que também lembram e nos guardam no coração.

Não lembro a dor ou a tristeza, mas sim o poder do amor eterno que nos une a todos num momento único em que todos somos vivos num Universo infinito em que o tempo é outro, e as nossas vidas são verdadeiramente pequenos grãos, do mais pequenino que existe, um momento único sem passado, sem presente e sem futuro, o momento que apenas É.

Nesse momento que apenas É, todos os momentos bons estão presentes, os do antes e os do depois, os do agora, e o Amor humano toma conta e transmuta todos os outros de dor, se quisermos…se pudermos…
Por vezes não podemos. Por vezes não conseguimos, alguns de nós…mas podemos sempre continuar a tentar…

Mas muitas vezes podemos e conseguimos, e damos graças por tudo o que É, sabendo que o que o É, tem em si mesmo o que já foi, o que é agora e o que será.

É assim que se consegue ser filha ou filho, pai ou mãe, avô ou avó, ou simplesmente pessoa, em momentos únicos de amor puro, atemporal, que nem a perda nem a saudade podem destruir…Só assim Somos.
Nesse momento único onde tudo se une, tenho a certeza de que só o Amor é verdade, e é o Amor o único caminho…pelo menos o único que vale mesmo a pena.

O Natal é também isso, o Amor, num ciclo que se inicia e que corre o tempo da roda do ano, que devemos vivenciar a cada dia.

Neste sentido, do Natal da saudade imensa que guardo dentro do peito, mais alto é o Amor Puro que prevalece…o Amor que tantos de nós guardam nas suas memórias e que nos torna gente de verdade.
Só o Amor É. Só por ele Somos. Só ele importa.