Sobre o pós 25 de Abril

Salgueiro Maia, um dos chamados “capitães de Abril” que levou a cabo a revolução “dos cravos” disse em entrevista ao Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, pouco tempo antes de falecer, que o MFA não incluiu os “milicianos” (membros dos partidos da oposição ao regime) no planeamento da revolução pois seria uma receita para o fracasso. A chamada “oposição” já tinha planeado vários golpes mas sempre falhados porque aqueles nomes que ficavam de fora das listas para futuros governos acabavam sempre por denunciá-los. Traição por sede de poder é, portanto, denominador comum na politica, quer antes, quer depois da revolução. Maia explicou também que muitos ligaram os cravos vermelhos à esquerda (vermelho normalmente ligado à esquerda – basta pensar, nos nossos dias, no PCP e BE), mas que nada tinha a ver, pois resultou apenas da coincidência de haver senhoras a vender cravos brancos e vermelhos e alguns jarros, que decidiram oferecer aos militares.

Tratando-se de uma revolução, era espectável que os dias seguintes fossem de confusão. E assim foi. Vários foram os governos temporários e vários (do II ao V governo temporário) chefiados por Vasco Gonçalves, tido como próximo do PCP, tendo tido Álvaro Cunhal e Mário Soares como ministros desses mesmos governos. O que não vem referido nos livros de história mas em vários artigos jornalísticos sobre o tema, durante a vigência destes governos provisórios ainda existiam presos políticos. Recordo-me de ler um editorial de um jornal nacional de economia em que o seu autor dizia que o pai continuou preso depois da revolução, por ser contrário à esquerda que, temporariamente, governava Portugal.
O primeiro governo eleito democraticamente chegou a 23 de Julho de 1976, chefiado por Mário Soares. Mas não foi isso que o fez durar os 4 anos normais de mandato. Nem esse, nem os seguintes. Entre desentendimentos entre partidos, orçamentos e moções rejeitadas na Assembleia da República e o trágico falecimento de Sá Carneiro, o único governo a cumprir a normal legislatura (de 4 anos) foi o de Aníbal Cavaco Silva, com base nas eleições de 1987.

E com Cavaco Silva no poder, em tempo de “vacas gordas”, começou a construção em massa de estradas, a entrada em massa de funcionários na função pública (ouvia-se em todo o lado que quem tivesse uma cunha, entrava na função pública) e a atribuição de subsídios (que chegavam a custo zero vindos de Bruxelas) a muita gente, uns para produzir (e nem todos usavam o dinheiro para esse fim), outros para deixar de produzir. Durante a sua governação é criado o BPN (por fusão de duas sociedades financeiras), que mais tarde havia de ser gerido por ex-membros do seu governo. E se, neste período, havia dinheiro a chegar de Bruxelas em largas quantidades sobre a forma de subsídios, houve também muito desperdício. Daí nasce a alcunha de “pai do défice” para Cavaco.

Se pudéssemos resumir a história da governação pós 25 de Abril, boa parte desse resumo seria dedicado a Cavaco, por 10 anos enquanto Primeiro Ministro.  Nenhum outro Primeiro Ministro esteve mais anos no poder (Guterres esteve quase 7 anos, Sócrates 6). E se (até) Marcello Caetano, antes da revolução, deu o pontapé de saída nas reformas sociais, António Arnaut (ministro dos Assuntos Sociais) e a sua equipa criaram o Serviço Nacional de Saúde em 1979,  António Guterres terminou e inaugurou a Expo 98 e criou o agora chamado RSI (rendimento social de inserção) e Sócrates criou o Simplex (plano de modernização da administração pública, premiado pela comissão europeia já no governo de coligação), virou o país para as energias renováveis e investiu no ensino superior e ciência (na geração mais bem formada de sempre), Cavaco ficou conhecido por estradas, pelo Centro Cultural de Belém, pela manifestação e confrontos entre policias denominada “secos contra molhados”, pelo buzinão na ponte 25 de Abril e … pelo défice excessivo. Agora, depois de (quase) 10 anos de mandato enquanto Presidente, também passou a ser conhecido como o presidente mais gastador de sempre, mesmo tendo exercido o mandato durante um programa de ajustamento económico.

Sendo assim, e sendo verdade que cada pessoa terá a sua opinião sobre as consequências da revolução dos cravos, creio que muitos concordarão que é injusto para os militares de Abril que o “esbanjador de Boliqueime” fez na década de 90. E dirão vocês “mas todos eles gastaram”. Segundo dados oficiais, nenhum como este senhor, nem como Primeiro Ministro, nem como Presidente. E se pensarmos que – como disse em cima – ele governou em tempo de muitos subsídios a fundo perdido e em situação de maioria absoluta, foi dos governantes que mais condições para fazer um excelente trabalho. Para mim não fez. E isto marca a democracia portuguesa. E se juntarmos todos os outros, como diria o povo, “trafulhas”, enfraquece a democracia e gera a desconfiança de todos na politica.

Apesar de tudo, eu só posso escrever esta minha opinião porque existiu a “revolução dos cravos”. Se existiram manifestações nos anos 90 e todo o país soube e se eu posso votar livremente, foi porque já não estávamos em ditadura. E essas são grandes vitórias que ninguém pode retirar aos capitães de Abril.
Este é um tema que divide muita gente. E o meu amigo e director do Mais Opinião Filipe Vilarinho discordará de muito que aqui escrevi. Mas em democracia todos temos direito à nossa opinião e nós já concordamos em discordar.

Crónica de João Cerveira