Como Sobreviver à Idade dos Porquês?

Crianças, esses corpos endiabrados que parecem ter pilhas duracel, certo? De onde é que vem aquela energia toda, senhores? Alguns fazem-me lembrar aquele esquilo do filme “Pular A Cerca”, quando prova Coca-Cola e fica absolutamente elétrico. Eles pedem tudo, eles querem saber tudo e os pais passam os dias nisto: “Mãe, porque é que o céu é azul?”; “Oh pai, porque é que a água é transparente?”. Senhoras e Senhores, Pais e Mães deste planeta, bem-vindos ao mundo, nada encantado, da idade dos porquês.

Quando a criançada está nesta fase, os pais esgotam todas as suas cartas no que toca a criatividade, ao imaginário e descobrem talentos e manobras de distração que nem eles sabiam ter. Ok, isto parece ter graça, mas acredito que não seja tarefa fácil, o que faz com que se olhe para os pais como uma espécie de heróis da vida real. O papel e título de mãe ainda não me foi atribuído e já eu ando a pensar em formas de contornar algumas perguntas difíceis, como a mítica “Mãe, de onde é que vêm os bebés?”. Como é que se responde a isto a uma criança? Eu não concordo com a versão da cegonha, talvez opte pela versão mais agrícola da questão, pode ser que resulte.


Os petizes são imprevisíveis, por isso podemos esperar da boca deles uma pergunta daquelas de nível “asian” a qualquer momento e a resposta tem de estar à altura porque eles estarão expectantes a ouvir.
Este é um assunto que me faz reflectir sobre os dias de hoje e olhar o mundo numa constante e imparável evolução. Nos meus tempos de criança, não havia “Google”, as fontes de informação eram os livros, os professores e aqueles que me rodeavam. Hoje, tudo está à distância de um clique e isto tem tanto de bom como de mau. A Internet está a abarrotar de informação, mas crianças não têm a sensibilidade e a vivência para saber distanciar a boa da má, a certa da errada. É aqui que entram os pais, como moderadores e que deverão estar atentos às dúvidas que lhes são colocadas e não as desprezar, responder de forma desinteressada ou com uma “mentirinha” inocente, porque mais cedo ou mais tarde eles vão chegar à resposta correta.

Para além de todos os porquês que povoam as mentes dos mais pequenos, o grau de dificuldade aumenta quando se trata de explicar o que se passa no mundo. Se por vezes até nós precisamos que nos expliquem certos assuntos como se tivéssemos cinco anos, como é que vamos explicar aos garotos o que é o impeachment, que vêm refugiados para o nosso país, que há pessoas a fazerem-se explodir em aeroportos sem dó nem piedade, que há fome no mundo? É aqui que tudo se complica e se muitos escolhem não explicar, na minha ótica não será de todo a opção mais viável. A infância é aquela fase da vida em que desconhecemos o mundo como ele é, em que é um drama não podermos ver os nossos desenhos animados preferidos, em que o conceito da vida adulta é toda uma incógnita mas queremos muito lá estar sem sabermos a sorte que temos em sermos crianças.

É preciso ir mostrando aos poucos, nas pequenas coisas, que o mundo não é de todo cor-de-rosa, que há pessoas que nos querem fazer mal, não para fazer ruir toda a magia de ser criança, muito longe disso, mas sim para podermos criar um filho ou uma filha capaz de enfrentar os obstáculos que o vão surpreender vida fora.

Ao nível cinematográfico, podemos hoje contar com algumas produções que nos podem ser úteis nesta tarefa de desmistificar este mundo. Os primeiros filmes de animação que vi estavam carregados de amor e casais felizes, alguns desafios pelo meio, mas sempre resolvidos rapidamente e facilmente. Como é que alguém que come uma maçã envenenada é salva com um mero beijo? E como é que nós acreditávamos naquilo? A reviravolta aconteceu e surgem filmes que espelham já alguma realidade como “Shrek”, uma lição no que diz respeito à quebra de preconceitos, “Brave”, que nos mostra uma heroína e a nossa capacidade de independência ou o recente “Arlo” para nos mostrar como o esforço e persistência nos levam longe e aos nossos objetivos. Estas são algumas ferramentas que temos ao nosso alcance, ou então podemos sempre recorrer ao velhinho livro, relíquia dos anos 90 (se não me engano), “Porquê?” com respostas a 500 perguntas.

Caro leitor(a), lamento não ter a fórmula para sobreviver à idade dos porquês e às perguntas mais complexas dos seres de palmo e meio. Podemos sempre tentar fugir, mas o mais certo é levarmos com elas e nesse momento, prepare-se para recorrer à sua veia criativa, mas nunca minta a uma criança porque um dia ela será o espelho daquilo que vê em nós.

“Parecem bandos de pardais à solta

Os putos, os putos

São como índios, capitães da malta

Os putos, os putos

Mas quando a tarde cai

Vai-se a revolta

Sentam-se ao colo do pai

É a ternura que volta

E ouvem-no a falar do homem novo

São os putos deste povo

A aprenderem a ser homens.”
(José Carlos Ary dos Santos)
Hoje é o Dia Mundial da Criança, há coisa melhor do que as ouvir gargalhar? São os pequenos prazeres da vida. Faça-as rir, aproveite todos os momentos, porque tudo é efémero e com a pressa de crescer não damos conta que se esgotaram os melhores anos das nossas vidas.

Voltamos a encontra-nos em breve por entre linhas e sorrisos,
Margarida Gaspar