Socorro! Estou a ser perseguido pelo Fisco!

Fazendo uma breve sondagem pela população mundial, rapidamente chegamos à simples conclusão que, inevitavelmente, a coisa de que o ser humano tem mais medo é, de facto, a morte. A morte, essa imagem vestida de preto, de capuz e foice na mão, que podemos ver em várias séries de animação – mais concretamente em vários episódios dos Simpsons ou Family Guy. Mas eu, caro leitor, lamento informar mas não tenho receio da morte. É óbvio que ela vai chegar um dia destes, e só me resta esperar que chegue o mais tarde possível. E digo mais: quando ela chegar, eu vou enfrentá-la de peito cheio e vou proferir as seguintes palavras: “Ó Morte, olha lá… em vez de andares a pavonear-te por este mundo vestido de preto com um capuz e de foice na mão, não seria mais rentável usares essa foice para desbastar as ervas daninhas que vão crescendo nos jardins das pessoas? É que o raça das ervas daninhas não servem para nada, pá. Aquilo é um erro da Mãe Natureza, que tu poderias muitíssimo bem tratar de resolver, em vez de andares a moer a cabeça às pessoas anunciando o seu desaparecimento deste mundo.” E depois, ainda de peito cheio, constatarei que a minha hora chegou e urino-me nas calças. Dos nervos e tal…

Bom, tudo isto para dizer o seguinte: eu não tenho medo da morte, mas do Fisco, ui, que isso já é outra história! O Fisco é muitíssimo pior que a morte. Enquanto que, a morte, chega e leva-nos deste mundo, o Fisco opta por nos apanhar e infernizar-nos a vida sem dó nem piedade. E de uma forma prolongada. O Fisco é, para mim, o mesmo que foi aquele turbarão branco que atacou o campeão de surf, Mick Fanning: anda ali a rondar-nos, a brincar que nos vai dar uma trinca, e depois não dá… preferindo espalhar o terror, e ver-nos aflitos de medo. O Fisco, caro leitor, é pior que a morte mil vezes. E eu fui atacado por ele…

Uma das piores coisas que nos pode acontecer na vida, é chegar a casa depois de um intenso dia de trabalho, e dar de caras com uma carta das finanças em nosso nome. Ali, a olhar para nós, como se estivesse a proferir as seguintes palavras: “Estás feito! Estás tramado! Finalmente apanhei-te! Muahahahahah! Tu vais chorar… Ai, vais, vais…” E foi exactamente isso que me aconteceu, recentemente…

Peguei cuidadosamente na carta, como se estivesse a pegar num escorpião venenoso, de forma suave para que ele não se chateasse e me desse uma picada, e abri a carta ao mesmo tempo que fechava os olhos, com medo que saltasse de lá de dentro uma espécie de palhaço montado numa pequena mola, pronto para me aplicar o “cagaço” do século. Mas não – não havia palhaço, mas estava repleta de números. E se há coisa que tem a capacidade de me assustar, caro leitor, essa coisa é a matemática. Comecei imediatamente a temer o pior. Li a carta cuidadosamente, relendo palavra a palavra como se estivesse sempre na dúvida sobre se estava a ler bem as letras que compunham cada palavra, e finalmente cheguei à assustadora conclusão: tinha havido um erro na minha declaração de impostos, e teria de devolver o reembolso de IRS que já tinha recebido e estoirado em poucas horas. Comecei a hiperventilar, e tive de pedir a vários familiares que lessem a carta, para ver se eu estaria mesmo a ler bem ou a confundir tudo. E confirmava-se: a carta era uma notificação das finanças, a pedir o estorno do reembolso do IRS que tinha recebido. Surgiram imediatamente as tonturas, dores de cabeça e até suores frios. Eu não tinha capacidade financeira para devolver o valor que as finanças me pediam. Tenho a ligeira impressão que até soltei uma pinguinha ou duas, juntamente com os suores frios.

Passei o fim‑de‑semana seguinte a fazer contas à vida. Papéis para aqui, contas para ali, e dei por mim a chegar à simples conclusão: não tenho dinheiro para devolver o valor do reembolso às finanças. Solução seguinte: pedir emprestado aos familiares. Comecei a telefonar a familiares a quem no passado emprestei dinheiro, quando estavam numa situação de aflição, na esperança que agora fossem eles a ajudar-me. Todos acabaram por desligar a chamada, argumentando que estavam a ficar sem bateria no telemóvel assim que eu abordava o tema “dinheiro”. Comecei a entrar em desespero e, por mais estúpido e absurdo que me possa agora parecer, a verdade é que comecei a considerar a hipótese de começar a vender droga ou então prostituir-me – só porque consta que é a forma mais rápida de se ganhar dinheiro neste país. Depois de esgotar todas as hipóteses, só restava deslocar-me à repartição de finanças da minha zona, colocar-me de joelhos perante a funcionária e implorar por misericórdia.

Passou-se o fim‑de‑semana – onde acabei por ficar sem unhas, de tanto as roer de ansiedade – e lá chegou o dia de ir implorar por clemência. Acordei bastante cedo (na verdade, acho que nem cheguei a dormir na noite anterior), e lá fui para as finanças, tentar resolver o meu problema. A caminho, fui treinando a forma como implorar por misericórdia, ensaiando umas sessões de choro e até ataques de epilepsia. À chegada às repartição de finanças, dei de caras com uma fila enorme de pessoas à espera para retirar a sua respectiva senha de atendimento. Pensei que, se todas essas pessoas tivessem o mesmo problema que eu e desatassem todos a ter ataques de epilepsia, que eu estaria tramado porque a minha táctica já não iria funcionar. Depois, pensei que nunca mais sairia daquela repartição de finanças, porque com toda a certeza que teria aquela gente toda à minha frente, até chegar a minha vez. Mas, tal não foi o meu espanto quando, ao tirar a senha, constato que, para aquela situação em particular, só tinha cerca de duas pessoas à minha frente. E então, os nervos e a ansiedade começaram a apoderar-se rapidamente de mim, começando a suar desalmadamente. E eis que… chegava a minha vez…

Avancei cauteloso para o balcão respectivo, e olhei para a funcionária ostentando o mesmo olhar de um cãozinho abandonado fechado numa jaula de um canil, quando alguém visita o canil com o intuito de adoptar um animal de estimação. Mas ela tinha uns olhos frios. A típica expressão de quem está a poucos anos de atingir a idade da reforma e livrar-se de todas aquelas pessoas chatas e mal-educadas que a visitam diariamente. Disse “bom dia” com a voz a tremer-me, e apresentei-lhe a respectiva notificação das finanças que tinha recebido. Ela examinou a carta e, enquanto isso, eu sentia o meu coração a bater-me na garganta e pronto a sair pela boca. Ela murmurava uns “hum…” ou uns “pois, pois…” e, segundos mais tarde, levantou a cabeça, olhou para mim e disse: “Pois é, meu caro contribuinte… Isto é…”

E eu não a deixei terminar a frase. Deixei-me cair de joelhos, e comecei a implorar por misericórdia. Pedi por clemência, como quem pede por ajuda quando está sentado na sanita a fazer a necessidade fisiológica número dois e constata que se acabou o papel higiénico. A dada altura, reparei que a senhora não tinha nenhuma outra reacção senão a de olhar para mim de boca aberta, e então comecei a fingir um ataque de epilepsia. Ainda hoje estou na dúvida de estava a fingir ou a ter, de facto, um ataque de epilepsia… Todas as pessoas que estavam presentes naquela repartição de finanças estavam estáticas. Completamente paralisadas a olhar para aquele espectáculo absurdo e até assustador que eu estava a proporcionar-lhes. E então… a funcionária falou. Ergueu-se da sua cadeira e proferiu as seguintes palavras, enquanto eu esperneava no chão tal e qual um rabo de uma lagartixa depois de ser decepado por uma faca: “Senhor! Calma! Você não tem de pagar nada! Isto foi apenas um engano das finanças!”

Parei subitamente. Olhei em redor para todas aquelas pessoas completamente boquiabertas a olhar para mim, levantei-me do chão, sacudi o pó das calças, sorri para a senhora e disse: “Tem a certeza daquilo que está a dizer? Eu não tenho mesmo de pagar nada? Foi apenas um engano vosso? Estou safo?” A senhora limitou-se a acenar com a cabeça, ainda algo surpresa pelo facto de o meu ataque de epilepsia se ter dissipado de forma tão repentina. Devolveu-me a carta, e eu, ao pegar na carta, sorri para ela e disse: “Ok. Obrigado e um resto de bom dia de trabalho, sim?” E abandonei a repartição de finanças, com um sorriso de orelha a orelha…

Isto é que é uma Vida de Cão, hem…