Socorro, fui visitado por um extraterrestre!

Amigo leitor, por favor, sente-se. Peço-lhe que se sente confortavelmente, pois tenho uma história horripilante para lhe contar. Daquele tipo de histórias que, de facto, se não estiver confortavelmente sentado, pode vir a falecer de um mau jeito qualquer na coluna, que o fará furar um pulmão com uma costela partida e acabar assim por sufocar. Os mais cépticos podem não acreditar nesta história, mas eu estou em condições de garantir que é totalmente verídica, pois ocorreu com a minha pessoa.

Eram sensivelmente 4 horas da madrugada, quando o despertador tocou. Tinha um compromisso laboral importantíssimo, ao qual não podia correr o risco de falhar. Levantei-me da cama e dirigi-me à cozinha para adiantar o pequeno-almoço. De seguida, dirigi-me até ao WC para efectuar a normal rotina matinal; lavar a cara (retirando assim uma quantidade abismal de ramelas dos olhos), e efectuar as urgentíssimas necessidades fisiológicas. Mas foi neste pequeno percurso entre a cozinha e WC que algo de muito bizarro aconteceu. Pois fiquei retido a meio do caminho, mais propriamente no centro da sala. E porquê? Porque deparei-me com um ser muito estranho no chão da sala. Ali parado, sem se mover, como quem diz: “Oh, raios! Será que ele me viu? Talvez se eu ficar aqui completamente imóvel fingindo-me de morto, ele siga o seu caminho e não me arrelie… “

Era um ser estranho. Não era muito grande, mas sim o suficiente para me importunar a vida. Fiquei uns momentos a avaliar o que seria. Tinha uma cor acastanhada, uma espécie de carapaça, e umas minúsculas patas sob essa mesma carapaça. Alguns instantes depois, cheguei à primeira conclusão do que seria: um sacana de um extraterrestre que me tinha invadido a casa! Mas, assim que cheguei a esta primeira conclusão, esfreguei bem os olhos ainda carregados de ramelas, e rapidamente cheguei à correcta e final conclusão de que ser era aquele que tinha à minha frente: uma barata nojenta! O raça do insecto não era assustadoramente grande, mas nunca tinha visto uma barata assim tão corpulenta, ainda para mais na minha casa – pois nunca tinha visto uma barata dentro de casa! –, daí eu ter pensado que se tratava de um pelintra de um extraterrestre.

Seguiu-se o momento “o que fazer agora?”, deixando-me desconfortavelmente num frente-a-frente indesejável. Eis que me surge o primeiro pensamento: “Será que devo avançar, contornando o nojento insecto, na esperança que ele se tenha posto a milhas quando eu voltar do WC?” Podia ser que ele estivesse ali apenas de passagem e não quisesse problemas. Mas, subitamente, ocorre-me outro pensamento: “Vou mas é buscar a vassoura, e aplicar-lhe uma vassourada em cheio no lombo, não vá esta gaja estar pronta a desovar uma data de ovos em quantidades industriais, e espalhá-los pela casa!” E foi o que fiz. Fui buscar a vassoura. Mas, ao chegar à sala, ela já não estava lá. Tinha desaparecido. Tinha-se evaporado. Encolhi os ombros e fui à minha vidinha.

Regressado do WC, eis que me volto a deparar com a senhora barata, no mesmo local: no centro da sala. Sem a vassoura ao pé de mim, pensei em usar o belo do chinelo para tratar do assunto. E foi o que fiz. Aliás, foi o que tentei fazer, pois o sacana do insecto era bastante veloz e esquivou-se para debaixo do sofá num piscar de olhos. Era uma das espertas, portanto. Pois eu tinha apenas pensado em dar-lhe uma chinelada e ela já se tinha posto a milhas. Fingi-me despreocupado e dirigi-me à cozinha para tomar o pequeno-almoço, mas sempre com um olho no burro e outro no cigano. E tinha razão para tal, pois a senhora barata decidiu armar-se em aventureira e corajosa, e invadir-me a cozinha. Mas, assim que me viu, estagnou. Ficou novamente imóvel, talvez fingindo-se de morta – como se eu não a tivesse visto a chegar. Foi aqui que me apercebi que ela não era assim tão esperta quanto isso.

Seguiram-se uns segundos perturbadores, em que ficámos os dois (eu e a barata) imobilizados numa troca de olhares digno de uma cena de faroeste, onde dois cowboys se enfrentam num duelo. Até que me decidi de vez sobre o que fazer. Voltei a pegar na vassoura e exclamei bem alto, de forma estúpida e desconexa: “NÃO TE MEXAS, Ó BARATA D´UM RAIO!” Estranhamente, o raça do insecto nojento parece ter-me dado ouvidos, e ficou quieto à espera da vassourada.

Tudo se encaminhava para um fim, quando um novo pensamento me surgiu: “Espera aí… A forma como ela olha para mim… Espera aí… Será que… Não, não pode ser… Tu queres ver que, afinal, a Metamorfose do Kafka… Nã… Mas ela parece estar mesmo a olhar para mim, com um ar penoso e sofredor… Tu queres ver que este insecto nojento é, afinal, algum familiar meu que se metamorfoseou numa barata?!” E eu não podia, de forma alguma, matar um familiar meu! O que diriam as inúmeras pessoas que constituem a minha família? Iriam chamar-me de “O assassino do tio Jeremias”, para o resto dos meus dias. Eis que um terrível dilema se assombra sobre mim: o que fazer agora?

Foi então que tive a brilhante ideia de seguir à risca o que acontece na obra de Kafka, a Metamorfose, mas de uma forma inversa. Com muito cuidado, aproximei-me da barata (aka Tio Jeremias, possivelmente…), e disse-lhe as seguintes palavras: “Tio… Não tenha medo… Eu vou ajudá-lo… Suba aqui para cima deste guardanapo.” De seguida, abri a minha cama, e coloquei-a lá deitada de barriga para cima. Com alguma sorte, de manhã, quando acordasse, em vez de uma barata, era o meu tio Jeremias que lá estava deitado, e eu seria reconhecido na família como “o herói que salvou o tio Jeremias”.

Apaguei as luzes e antes de sair do quarto, disse muito baixinho: “Tio Jeremias, não precisa de me agradecer, mas depois não se esqueça deste meu pequeno gesto que lhe salvou a vida, na hora de elaborar o seu testamento, está bom…? Adeus, e durma bem…”

Estranhamente, desde essa madrugada que ninguém sabe do meu tio Jeremias…

Até para a semana, malta catita…