A solidariedade corre nas nossas veias

Dia 27 de Março assinala-se o dia Nacional do Dador de Sangue. Assim, para este mês, ocorreu-me falar deste assunto, mas num âmbito mais geral: as doações em saúde, formas de dar vida. Sim, porque nem só de sangue “vivem” as doações: muito de nós pode ser doado para salvar ou, pelo menos, melhorar vidas.

As doações podem ser feitas em vida (e nestas incluem-se as doações de sangue, rins, medula, fígado e tecido pulmonar, e até cabelo – explico adiante), ou pós-morte.

Após a morte, o corpo pode ser doado às faculdades de medicina das universidades de Lisboa, do Porto, de Coimbra ou da Covilhã, com o intuito de servir de modelo didático para os futuros médicos (pode saber mais sobre esta possibilidade neste artigo do jornal Público: http://www.publico.pt/portugal/noticia/doar-o-corpo-a-ciencia-1627726).

Relativamente à doação de órgãos, por defeito, a lei portuguesa estipula o conceito de doação presumida, ou seja, todos somos potenciais dadores a partir do momento em que nascemos. Se não concordar e não quiser doar os seus órgãos, deverá inscrever-se no Registo Nacional de Não Dadores (Rennda), uma base de dados informatizada acessível aos hospitais, institutos de medicina legal e escolas médicas. Esta inscrição pode ser reversível e pode ser realizada em qualquer altura, em qualquer centro de saúde.

No entanto, também em vida podemos doar órgãos, e, actualmente a lei prevê que qualquer pessoa, mesmo que não tenha relação de consanguinidade com o doente (ou seja, pode ser o conjugue ou um amigo) pode ser dador de órgãos em vida. As doações de rins, fígado e tecido pulmonar não vou abordar, por se tratar de situações muito especificas. Falemos então um pouco das doações de medula e sangue.

Dar sangue

O sangue é um bem escasso que é necessário em várias situações de urgência (cirurgias, tratamentos de quimioterapia e radioterapia, anemias) e que não pode ser obtido artificialmente, pelo que o acto de dar sangue é extremamente importante.

Apesar de haver tipos de sangue que são compatíveis com todos os outros tipos (como o O+, considerado o dador universal), todos os tipos de sangue são necessários! Para dar sangue é necessário que seja saudável, tenha hábitos de vida saudáveis, tenha entre 18 e 65 anos (a primeira dádiva só pode ser feita até aos 60 anos) e um peso superior a 50kg.

Não pode ser dador de sangue (informações disponíveis no site do Instituto Português do Sangue e da Transplantação):

  • Caso alguma vez tenha utilizado drogas por via endovenosa ou tenha tido comportamentos sexuais promíscuos;
  • Caso tenha sido, ou seja, parceiro de alguém nas situações anteriormente descritas, ou que seja seropositivo ou portador dos vírus da Hepatite B ou C;
  • Se tem história familiar de Doença de Creutzfeldt-Jakob e variante;
  • Se fez tratamento com hormona de crescimento, pituitária ou gonadotrofina de origem humana;
  • Se fez transplante de córnea ou dura-máter;
  • Se fez transfusão;
  • Se tem Epilepsia, Diabetes insulino-dependente ou Hipertensão grave;
  • Se teve parto nos últimos 6 meses ou está a amamentar (só pode dar sangue três meses após o término do aleitamento);
  • Se fez um tratamento dentário (por exemplo extração dentária) há menos de uma semana;
  • Se teve um novo(a) parceiro(a) sexual nos últimos 6 meses;
  • Se nos últimos 4 meses:
    • foi operado (caso tenha tido complicações, só poderá dar sangue 6 meses após a cirurgia);
    • fez endoscopia;
    • fez tatuagem ou piercing nos últimos 4 meses;
    • Fez tratamentos de acupuntura;

Na dádiva de sangue recolhe-se cerca de 450 ml de sangue (temos cerca de 5 litros de sangue em circulação), num processo que demora, no total (incluindo inscrição, avaliação médica e dádiva) cerca de 30 minutos. No final é-lhe dada uma refeição ligeira. O sangue recolhido é “resposto” pelo organismo, pelo que não há prejuízo para o dador. Assim, os homens podem dar sangue de 3 em 3 meses (ou seja, quatro vezes por ano) e as mulheres de 4 em 4 meses (três vezes por ano).

Não há qualquer possibilidade de contrair doenças através da dádiva de sangue, pois todo o material utilizado é estéril e descartável (ou seja, usado uma única vez).

Dar médula óssea

A medula óssea é um tecido de consistência mole que se encontra no interior dos ossos longos e na zona esponjosa dos ossos da bacia. Na medula existem células indiferenciadas que originarão vários tipos de células do sangue: glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas.

Aquilo que se pretende com a doação de medula óssea é adquirir essas células mais indiferenciadas do dador para posteriormente as introduzir na corrente sanguínea do doente para que originem novas células saudáveis.

Para ser dador é necessário que tenha entre 18 e 45 anos e, no mínimo, pese 50 kg. Não pode ter nenhuma doença crónica, ou auto-imune, nem ter recebido uma transfusão de sangue desde 1980. Se reúne estas condições e quer ser dador, basta que se dirija a um Centro de Histocompatibilidade (no Sul, junto ao hospital Pulido Valente; no Centro – no campus dos Hospitais da Universidade de Coimbra; ou no Norte – junto ao Hospital de S.João). Terá que preencher um questionário que será avaliado por um médico e, após isto, será feita uma colheita de sangue para identificar as suas células. Posto isto, estará inscrito no CEDACE (Centro Nacional de Dadores de Células de Medula Óssea). Depois, restará apenas esperar que surja alguém que necessite das suas células. Poderá desistir a qualquer momento, mas o ideal é que, antes de se inscrever, pondere bem sobre o assunto para que, quando chegar o “momento da verdade”, não crie falsas expectativas nos doentes.

A colheita de medula pode ser feita de duas formas: através da punção (picada) dos ossos pélvicos (o que requer anestesia geral e uma breve hospitalização) ou de forma mais simples, através da colheita do sangue de uma veia do braço (o sangue do dador é levado a uma máquina por forma a retirar as células pretendidas (indiferenciadas) e depois é novamente reposto na circulação sanguínea). O dador pode escolher a forma pela qual quer doar.

Dar plaquetas

As plaquetas são um tipo de células presentes no sangue que têm como função a coagulação sanguínea/estancar hemorragias.

A transfusão de plaquetas é necessária para alguns doentes em tratamentos de quimioterapia ou radioterapia (que lesam a medula óssea e diminuem a produção de plaquetas), doentes oncológicos com risco de hemorragia, doenças do sangue, com indicação de cirurgia ou os que são submetidos a transplante de medula óssea.

A colheita de plaquetas faz-se de forma semelhante à colheita de medula: o sangue do dador é dirigido a uma máquina por forma a separar e retirar plaquetas (retira-se apenas 10% do valor total existente no dador) e, logo de seguida é “devolvido” à circulação do doente. Através deste processo adquire-se maior número de plaquetas do que pela colheita de sangue total.

A quantidade retirada de plaquetas é reposta em 24 horas. A doação pode ser feita mensalmente e tem uma duração variável entre 45 a 60 minutos. Para além dos requisitos semelhantes aos dadores de sangue, é necessário que a contagem de plaquetas seja superior a 180 mil e que as veias do dador tenham um bom calibre (para evitar hematomas). Normalmente a doação de plaquetas realiza-se mediante marcação nos serviços de sangue.

Dar cabelo

Se o pavor às agulhas o impede de dar um pouco de si de alguma das formas até agora descritas, deixo-lhe aqui outra opção: dar cabelo! Esta dádiva é importante para o fabrico de perucas que poderão ser utilizadas por doentes oncológicos, numa forma de contribuir para a melhoria da sua auto-estima.

As doações de cabelo consistem no corte de tranças com um mínimo de 30 cm  de comprimento. O cabelo a doar deve estar lavado, seco e sem tintas e pode ser entregue pessoalmente ou enviado por correio (protegido num saco plástico, endereçado à Liga Portuguesa Contra o Cancro) ou até cortá-lo no próprio IPO.

Para que tenha noção, para a produção de uma cabeleira curta é necessário pelo menos três doações, num processo longo e dispendioso!

Apresentadas todas estas opções…. Já decidiu de que forma vai querer salvar alguém?