Sonhos de juventude (Braga 2012) – A minha vida dava uma crónica

Desta vez a minha vida não deu uma rubrica, mas sim um seminário. Convidado pela Universidade do Minho para falar um pouco sobre os meus sonhos de juventude ,na companhia de ilustres convidados, dei o meu pequeno contributo abordando esses sonhos da maneira que de seguida exponho:

Apresentação

Ás pessoas que me conhecem peço desculpa pelo tom sério e excessivamente profissional com que abordarei esta temática dos sonhos de juventude.
Ás pessoas que não me conhecem, chamo me João Pinto Costa e não tenho nada a ver com o Presidente do futebol clube do Porto.
Nasci em 1979 e tirei o curso de Direito na Católica, demorei mais de 3 anos não por ser burro mas porque a minha licenciatura é pré Bolonha. Durante esses anos na católica assisti a inúmeros seminários, sonhando com o dia em que faria parte de um daqueles painéis onde normalmente professores da casa,sentados debitavam as correntes doutrinárias da sua preferência.
Pois bem, aqui estou eu a participar num painel, acompanhado de ilustres convidados e apesar de ter queimado as pestanas durante noites e noites para saber de trás para a frente todos os ramos de direito, jurisprudência e afins convidam me para falar sobre os sonhos de juventude.
E ainda por cima de pé…
A boa noticia é que esse sonho que tinha na faculdade era um sonho mau, vulgo pesadelo pelo que prefiro um milhão de vezes estar aqui com vocês do que numa dessas sessões intermináveis.
Preparei a minha apresentação no sentido de vos contar um pouco da minha vida, esperando que se mais nada,seja pelo menos um exemplo de que independentemente da idade e do que está para trás nunca é tarde para imos atrás dos nossos sonhos.

I A importância e a definição do sonho
Sonhos praticamente irrealizáveis

Uma das maiores manifestações da nossa infância são os nossos sonhos de juventude dificilmente realizáveis. Há medida que vamos crescendo e entrando na idade adulta, os nossos sonhos tornam-se mais modestos e vamos agindo em consonância a torná-los realidade. Isto prova que quanto mais simples eles são mais fazemos por criar condições para que tudo corra bem de modo a que o pretendido se cumpra.
Felizmente há uma ínfima parcela de pessoas que aniversário após aniversário manteve os seus sonhos de infância intactos.Não sei se estas pessoas realizaram os seus sonhos porque sempre os julgaram fáceis de realizar,quem sabe fruto de uma elevada auto estima.Não sei se estas pessoas cresceram e conseguiram que o seu intelecto e mais ínfimos desejos não as traísse e se mantivesse inalterado. Não sei se estas pessoas única e simplesmente não cresceram. Sei que tenho pena de não ser como elas em todo o seu esplendor e magnitude.
Se temos o sonho de ser como alguém ou seja de conseguir o que alguém conseguiu não podemos dizer que se trata de um sonho irrealizável. Trata-se isso sim de um sonho que nos vai dar mais ou menos trabalho atendendo a todos as condicionantes que medeiam a nossa vida. Não se trata de uma visão romântica, mas como a vida me foi ensinando é uma visão bem real.
Aproveitei para reflectir e fazer um sumarissimo estudo sobre se fiz tudo o que estava ao meu alcance para realizar alguns dos meus sonhos de infância praticamente irrealizáveis.

1:O sonho mais remoto que me lembro de ter, há semelhança do que acontece com muitos rapazes, era o de ter algum poder especial. De ser como o super-homem e salvar a humanidade.
O que fiz para o realizar e o que me fez desistir? Quero acreditar que este sonho nunca se realizou porque nunca senti que a humanidade estivesse verdadeiramente em perigo, no entanto lembro-me no final de um filme da saga, ter me literalmente atirado para cima de umas pessoas que ainda estavam sentadas no cinema na expectativa de voar mas as únicas coisas que nessa tarde voaram foram dois estalos na minha direcção.

2:Ganhar uma grande competição internacional pelo meu clube de preferência com o golo da vitória a ser marcado por mim.
O que fiz para o realizar e o que me fez desistir? Já com 16 anos fui treinar á experiência no Porto. Na altura disseram que pelo facto de ser bastante magro fazia umas figuras ridículas ao treinar me com o resto do plantel, pelo que iria ganhar massa muscular para um clube que se não era amador não estava longe disso. Como nessa altura eu julgava-me o novo Domingos, não aguentei a despromoção e ferido no orgulho passei a jogar futebol só com os amigos.

3: De forma recorrente tinha o sonho de ganhar um Oscar. E julgo que até poderia ter boas hipóteses se soubesse representar.
O meu único contacto com esta arte foi em ensaios para as festas de final de ano no secundário. Lembro-me de um ano em que a professora de música me escolheu para ser uma estátua. Passava a peça toda com um lençol a cobrir-me da cabeça aos pés. A peça consistia numa conversa entre um pai e um filho e o único que eu tinha que fazer era tremer sempre que alguém dissesse uma mentira. No final o pai dizia que no seu tempo tirava nota 5 a tudo e eu caia ao chão.Pouco tempo depois dos ensaios começarem fui substituído por não tremer e cair de forma convincente.

4: Ganhar a vida de forma fácil, como por exemplo a jogar poker. Felizmente bastou participar em meia dúzia de torneios online para perceber que na melhor das hipóteses eu ia era ajudar os outros a ganhar a vida de forma fácil. Por isso abandonei também este sonho quase

Concluindo, tentei realizar, uns de uma forma forma mais veemente outros menos, todos aqueles sonhos que considero hoje como praticamente irrealizáveis mas que na época me pareciam tão alcance da minha vontade que nem lhes chamava sonhos.
Chamava lhes projectos.
Seria tudo uma questão de tempo até ter o Oscar na minha secretária e a taça dos campeões europeus a fazer de vaso na varanda.
Obviamente que as coisas não aconteceram assim.

No meio destes projectos, entre aspas,tinha um que me parecia tão facilmente executável como os outros: Escrever e ser reconhecido por isso.Não se tratava de publicar um livro, nem aparecer em revistas,jornais e programas de televisão ou rádio, mas tão só escrever e ter uma grande quantidade de pessoas a gostar da minha forma de o fazer.
Ao contrário do que acontecera no futebol, na representação, no poker e até no descabido voo do super-homem, quando escrevia algo as reacções dificilmente podiam ser melhores. Acho que nunca odiei tanto uma professora, como a professora de Português que acabou com as Composições por volta do meu sétimo ano. As composições eram os únicos momentos onde sentia que estavam todos à espera que eu fizesse algo diferente e brilhasse. Tudo bem que não era como ser o melhor jogador no recreio mas também não era tão mau como ser o nerd que não falhava uma a Matemática.Depois deste choque do confronto com uma nova metodologia pedagógica só em trabalhos de História ou Geografia dava asas a este meu gosto.Mais do que elogios ao conteúdo cientifico ainda me lembro do que escreveu a professora de história na primeira folha dos meus trabalhos em três períodos consecutivos: 5 pela originalidade. Para mim isso era um milhão de vezes melhor do que premiar-me por uma exposição boa,fluente e demonstrativa de grande conhecimento da matéria.
Mais tarde comecei a medo a colocar umas coisas na internet. Desde poemas (que eu espero que nunca ninguém descubra o blogue onde estão alojados). Até crónicas e textos mais sérios. Passando claro está por textos que a meu ver tinham um elevado grau de comicidade e no entender de quem os lia eram engraçaditos.

Concluindo: Foi importante perceber qual o espaço onde os meus sonhos se sentiam confortáveis,pois só depois de identificada uma zona de conforto as coisas começaram a surgir com a naturalidade que de seguida vos vou contar.

Só somos realmente bons se estivermos a fazer o que gostamos o que não é o mesmo que dizer que fazendo o que gostamos somos realmente bons.

A auto-motivação e a persistência
Sonhos vs Objectivos
II Um Sonho facilmente concretizado

Hoje, gostava de vos dizer que foi a minha grande força de vontade, aliada à minha extraordinária competência que fizeram com que fosse convidado a publicar um livro e a estar envolvido em alguns projectos na área da comunicação e do humor ou seja que foram estas qualidades a permitir que o meu sonho se concretizasse.
Mas estaria a mentir-vos.
Na génese destas actividades esteve a profissão de advogado que exerci ao serviço de uma sociedade durante aproximadamente dois anos. Se estivessem metidos de manhã à noite num escritório a redigir peças processuais abomináveis até para quem tem gosto por essa profissão, perceberiam de onde veio a motivação para decidir fazer o que gostava e para me aventurar numa área que me era completamente estranha.

O primeiro passo quase que não poderia ser mais simples: A criação de um blogue. Algo que ainda por cima a nível monetário não implicava qualquer custo.
Gostava também de vos dizer que foi duro o caminho e que se não fosse a minha persistência hoje não faria nada daquilo que gostava.
Mas também as coisas não foram bem assim.
Tenho de vos confessar que desde o primeiro momento que arranquei com o blogue, tinha a certeza que mais cedo ou mais tarde o destino do Mail de um louco acabaria na forma de livro. Obviamente que não sabia que o blogue contaria um dia com cerca de 30 mil fãs no facebook, nem sabia que a imprensa daria tanta importância a uma pequena brincadeira mas a verdade é que nunca desconfiei do potencial daquilo que estava a fazer, não pela qualidade que tem mas principalmente por se tratar de algo inovador.
É precisamente o factor inovação, que quero realçar por ser primordial em todo o processo:
Com a noção que era e sou apenas mais uma entre tantas pessoas a escrever, achei importante fazer algo de diferente como cartão de apresentação. De sites de humor está a blogosfera cheia, humoristas abundam no facebook e Twitter e 90 por cento dos humoristas conhecidos estão mais preocupados em impedir que surja alguém com potencial que lhes retire protagonismo e trabalho do que em ajudar novos valores a ter alguma visibilidade.
Também por isto alimentei a noção que apenas uma ideia com alguma dose de originalidade poderia vingar.
Aproveitando a minha adoração por apanhados e inspirado por um livro chamado cartas de um louco que tinha lido há bastantes anos, lembrei-me de criar uma conta de e-mail fictícia e desatei a enviar e-mails absurdos para as mais diversas empresas e figuras públicas sempre com a assinatura de um tal de Mário Dias.
Sempre que alguém me respondia a um desses e-mails eu publicava na integra o email enviado e a resposta no blogue que tinha acabado de criar. Conhecimento do blogue, durante os primeiros meses só tinham os meus amigos mais chegados, não fosse alguém copiar a ideia.
Já com algumas dezenas de emails publicados comecei a partilhar o que ia publicando no facebook. Provavelmente se a reacção das pessoas fosse negativa tinha parado por ai, mas os comentários traduziam-se em sugestões de emails a enviar, confissões de gargalhadas incontroláveis e pedidos para não parar de actualizar o blogue.
Os leitores foram o grande motor do blogue que me criaram a quase obrigação de me dedicar àquilo diariamente. As próprias pessoas que iam sendo apanhadas nesta brincadeira achavam piada e autorizaram quase todas a publicação das suas missivas o que me deu a certeza que não era algo de mau gosto o que fazia. Tudo isto foram factores motivacionais para escrever cada vez mais e mais.
Paralelamente exercia a minha actividade de Advogado. Provavelmente se os meus clientes soubessem que o senhor sério, tão apresentável que ali estava à sua frente tinha o heterónimo de Mário Dias e dedicava se a enviar emails parvos não continuariam a ser meus clientes.

O tempo foi passando e o jornal I e a revista J do jornal o jogo fazem as primeiras referencias públicas ao Blogue que a meu ver atingiu o seu auge de mediatismo quando uma jornalista da revista Sábado me contactou a perguntar se estaria interessado em colaborar num artigo sobre o Mail de um louco e o seu autor.
Essa colaboração incluiria uma sessão fotográfica em Lisboa. Disse imediatamente que estava fora de questão aparecer a minha cara nas fotografias até por uma questão de credibilidade que me conviria ter na minha profissão sempre tão dependente de aparências. A solução foi encarnar algumas das personificações do Mário Dias.

Se fosse hoje apareceria sem problema nenhum na revista porque percebi que para se ser alguém no mundo do humor é preciso mostrar a cara, mesmo que esta seja como a minha, e não ter qualquer problema com isso. Aguardei que a revista saísse para as bancas na expectativa de ter a minha meia página de fama mas a realidade foi outra:

6 páginas da revista eram dedicadas a um blogue. Ao meu blogue.
Não fossem os meus pais pensar que eu era maluco, apenas na véspera da revista sair para as bancas lhes contei o meu passatempo. Felizmente continuaram a gostar de mim.
Nas semanas seguintes vieram os contactos das editoras interessadas na transformação do blogue em livro.

Entre os convites estava o da editorial presença que em ano de quinquagésimo aniversário se propunha a pela primeira vez fazer um livro com origem num blogue.
Nunca existiram razões para me desmotivar ou deixar de acreditar no sucesso deste meu projecto, até porque a imprensa foi bastante simpática nas criticas que ia fazendo ao meu trabalho.

Nesta altura e motivado pela corrente favorável tomo a decisão de frequentar um curso de escrita de humor nas produções fictícias que só se realizava em Lisboa com a duração de 4 meses. Procurei então emprego na minha área de formação num sitio que me permitisse realizar este intento, já que sempre vivera no Porto,e para poder frequentar o curso, celebrei um contrato de um ano como jurista em Setúbal.
Graças ao blogue posso dizer que o meu sonho de um dia estar envolvido em vários projectos relacionados com a escrita criativa é uma realidade.
Após a publicação do livro, entre outras abordagens convidaram-me para colaborar com o ptjornal, escrevendo crónicas sobre a actualidade e ficando responsável pela área de humor.
Outro convite surgiu do responsável do site Maisopinião onde semanalmente faço umas considerações num espaço denominado a minha vida dava uma rubrica.
O também presente neste Seminário, Fernando Alvim sabendo deste meu gosto por apanhados, convidou-me para fazer um programa para a speaky tv que com grande prazer aceitei.Chama-se O que a história se esqueceu de contar e cada episódio visa contar uma pequena narrativa através de um sucessão de apanhados.
O meu projecto mais recente consiste na escrita e produção de pequenas rubricas de humor para a rádio. Neste projecto colaboram comigo um humorista que escreve para Os homens da luta e outro que trabalha no canal Q. Inicialmente os episódios só passarão numa rádio regional.
Como podem ver não preciso de grandes voos para ser feliz o que não quer dizer que não seja ambicioso.Neste momento sinto mais do que tudo uma necessidade de recuperar os anos perdidos.
Apesar dos meus 32 anos, ainda tenho muitos objectivos a atingir e pequenos sonhos por realizar, e não tenho problema nenhum em assumir que quero um dia ter um espaço num jornal ou revista em suporte físico e que tenho pelo menos mais dois livros que quero num futuro imediato escrever e publicar: Um na área do humor, outro que aborda um tema inédito numa perspectiva original.
Não sei se o vou conseguir mas sei que não vou ser menos feliz se tal não acontecer.
Steve Jobs disse que por cada sonho de deixamos para trás, um pedaço do nosso futuro deixa de existir. Dito assim é impossível que o futuro de todos nós não seja prejudicado numa grande quantidade de pedaços pelo que prefiro encarar isto numa perspectiva de que por cada sonho que tentamos concretizar, um pedaço do nosso futuro ganha sentido.
Mais do que a barra de tribunal o meu presente ganhou sentido na concretização de todos estes projectos que vos referi e que tiveram o seu despontar na criação de um simples blogue. Não tenho dúvidas que mesmo que a minha vida no mundo das letras se resuma a dizer umas coisas online para sempre e que nunca mais tenha um livro publicado, o meu futuro não será prejudicado, pois nesse momento não estarei desesperado mas sim com outros sonhos em mente e outros projectos na cabeça.
Para mim só assim é que vale a pena viver.


Crónica de João Pinto Costa
A minha vida dava uma crónica