Sou do Porto!

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Sou do Porto. No meu corpo tenho-lhe as ruas todas.Sou estátua do Infante a olhar de cima para o mundo. Sou S. João nos Aliados com tudo ao molhe e fé em Deus. Com martelo e tudo. Sou meio peixe meio menino da Ribeira a mergulhar para o Douro à procura de qualquer coisa. Dois braços esticados a entrar em água benta. Sou nevoeiro a sair de uma folha de jornal. Com castanhas dentro. Sou Capela das Almas com mil azulejos à procura de exílio em mim. E sou palavrão. Que acaba em iu. Foi o Porto que me pariu. Que me guardou no ventre. Que me lançou do ventre. Mãe. E Pai. Ao mesmo tempo. E os olhos ganham um lago de cada vez que me vou embora. E os olhos ganham um lago de cada vez que chego. Mas estes têm um barquinho à minha espera. Onde remo para os meus.

Sou do Porto. Foi lotaria. Foi sorte grande. Foi totobola.

Um sítio não é nada. É zero. Sem gente, é pedra. Umas mais bonitas do que outras. Sem gente lá dentro, é zero.

O Porto não é o sítio mais bonito do mundo. Mas é o meu sítio mais bonito do mundo. É cinzento. Que dizem que não é uma cor por aí além. Talvez. Sou daltónico. Não sei as cores. Mas o cinzento é a cor mais bonita que Deus fez. O do Porto. A Mãe de onde saí. Disparado. Com os olhos abertos até cima.

Ninguém é de um lugar. Somos daquele sítio para onde a luz nos leva. É aí o nosso sítio. É daí que sou. É aí que quero morar. No topo da minha Torre dos Clérigos imaginária. Onde os sinos tocam a música mais bonita que há.

Mas sou do Porto. Que tem pessoas como as pessoas dos outros sítios. Umas boas. Outras más. Outras assim-assim.

O Porto de onde sou fica sempre no lugar onde estou. Levo-o sempre às costas. Tenho corpo para seis pontes. E olhos para levar o rio todo que lhes passa por baixo. E coração para mil noites de S. João. Ou mais!

Sou do Porto. Como sou dos meus. E nunca deixo sair de mim aqueles de quem sou. Em parte alguma!

Sou boca que troca os vês pelos bês. Sou boca que abre até cima quando vê o comício de gente boa aos berros no Bolhão. Ó môr lebe estas marmotinhas de rabo na boca. Ó estupor, euro e meio por esta meia dúzia de camélias. É o Porto. Um estado de alma, primeiro. Uma cidade depois. Mas só depois.

Um dia vou embora. A uma segunda-feira de morrinha, de certeza. Será inverno. Com guarda-chuvas. E com gente a usar sobretudos escuros. Vai ser assim o dia em que vou à minha vida, para ir ter com o Verão noutro lugar. Vou deixar de gritar golo na Superior Sul com o meu pai nos braços. Vou deixar ruas que contam a história que sou. E vou para outras. Construir a outra parte da história que hei-de ser. E aí, não vai haver dia que não me lembre que no sítio de onde vim havia gente com olhos que olhavam pelos meus. E aí, não vai haver dia que não me lembre do exército de gente com quem ganhei batalhas. Com quem fiz a Revolução. De nós saem andorinhas, caramba!. E entram. Pelo peito dentro. São os meus. Uma espécie de Deus. Mas com cara. E neles tenho fé.

Sou do Porto. Mesmo no dia em que viva naquele sítio para onde a luz me há-de levar. Que é o amor. Por uma Mulher. Tão grande como o sítio mais alto que há no Porto. Nesse dia, vou chegar lá com o Porto todo às costas. Tenho corpo para isso. Vou chegar com o fogo de artifício que alumia a noite de S. João. E com as ruas todas que me mostraram que um Homem tem que caminhar até encontrar alguma coisa pela qual esteja disposto a morrer.

Sou do Porto. Como sou dos meus. E nunca deixo sair de mim aqueles de quem sou.

JoãoNogueiraLogoCrónica de João Nogueira
Pés bem assentes na lua

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