Sou um dos sortudos.
Sobrevivi à minha infância, fiz grandes amizades, tive algumas namoradas, e de todas elas escolhi uma, a tal, a mulher da minha vida. Conclui a faculdade, e contra todas as expectativas do nosso país arranjei um emprego.
Não aconteceu tudo desta forma tão simples. Sim, fiz um estágio de quase um ano, não remunerado. Depois trabalhei de borla mais 6 meses, mas lá provei que me orientava minimamente no meu trabalho e acabei por receber um contrato.
Um contrato de 1 ano, automaticamente renovável por mais dois. Não é nenhuma garantia, aliás tenho até a certeza que não devo estar lá mais de 3 anos. Não ganho muito. Mas mesmo assim continuo a achar que sou um dos sortudos.
Arranjei uma mulher sonho, mal a vi achei que íamos ficar juntos. Ela também tem um emprego chamado de precário, mas lá está somos sortudos. Por isso achamos que estava na hora de arranjar uma casinha para nós.
Quando começamos a ver imóveis foi-nos logo dito: “-Vocês são uns sortudos, os preços das casas estão mesmo baixos.”
Tivemos um casamento simples, mas somos uns sortudos porque o tivemos. Casamos, vivemos na nossa casa, que mesmo não sendo a dos nossos sonhos é nossa.
No nosso agregado ao fim do mês temos cerca de 1200€ limpos. Eu não quero parecer o nosso presidente, mas se pensarmos em pagar renda da casa, luz, água, gás, qualquer um conseguirá ver que não pode sobrar assim tanto dinheiro.
A minha pergunta é simples: Até quando viver para trabalhar, sem conseguir juntar dinheiro para uma emergência, para o futuro, eu já nem digo para a reforma, vai ser considerado uma sorte no nosso país?
Será que a única forma de realmente deixar de ser “sortudo” é imigrar? Tenho que deixar o país onde cresci, onde fiz amigos, onde quis fazer família para deixar de ser sortudo?
Bem sei que não trago nada de novo, que se calhar perante algumas pessoas que vão ler isto eu vou mesmo ser considerado um sortudo. Mas quis apenas deixar aqui o meu desabafo.
Crónica enviada pelo Leitor Nuno Carvalho
Sou um sortudo
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Laura Paiva