Star Wars: Battlefront II (Review)

Do inverno perpetuo de Hoth até ao deserto sucata de Jakku, Star Wars: Battlefront II prometeu três vezes mais conteúdo do que o seu antecessor, colmatando as falhas, e reunindo em si todas as eras de uma das sagas mais espectaculares do cinema. No entanto, quando a editora se chama Electronic Arts, não é possível prever o impacto desastroso que as suas políticas podem trazer. O jogo está envolto numa das maiores polémicas da actualidade, e de nada serve analisar um videojogo sem dar destaque a todas as suas dimensões e mecânicas, mesmo quando estas funcionam na penumbra do excelente trabalho, onde programadores e designers depositaram toda a sua paixão. Onde estamos e para onde vamos com ruinosos modelos de negócio? Vale a pena jogar Battlefront II?

Em 2004, em pleno auge em jeito de queda das prequelas de Star Wars, um jogo comprometeu-se a dar uma nova vida às batalhas do universo de George Lucas. Battlefront inspirava-se no modelo de Battlefield 1942, um jogo de grande sucesso passado na Segunda Guerra Mundial, que para época introduzia batalhas épicas, pela terra e pelo ar. E se esta primeira incursão em campo aberto de Star Wars tinha sido recebida com algum sucesso, hoje poucos se lembram dela. Logo no ano seguinte, e aproveitando o lançamento de A Vingança dos SithBattlefront II trouxe novos mapas e a inclusão de jedi jogáveis, algo que revolucionaria a saga para sempre. Depois de uma paragem de uma década, surge Battlefront, um reboot longe de ser perfeito, já analisado no Ideias e Opiniões. Embora com falta de conteúdo, alguma dinâmicas que não recompensavam quem jogava melhor que a maioria, e uma política de DLCs, com 50 euros de season pass, a juntar aos 60 normais para qualquer jogo AAA, apelidámos Battlefront de experiência moderadamente aconselhável. 

Com um oitavo episódio da saga Skywalker à espreita, Os Últimos JediStar Wars: Battlefront II aproveita o momentum tentando melhorar todas as funcionalidades do seu antecessor directo e alcançar fãs de todas as eras numa estratégia diferente, com outras preocupações, mas também com outros e novos demónios. Em primeiro, introduz uma campanha single-player, que no antecessor não existia, e que muito alarido causou pela ausência. Ultrapassando duas eras distintas, esta campanha conta a história de Iden Versio, comandante das tropas imperiais da Inferno Squad aquando da queda do império, seguindo uma narrativa que poderemos considerar de cliché. As histórias modernas raramente dão uma perspectiva totalmente negra de um protagonista sem de alguma forma desencadear num processo de redenção, e é uma pena! Especialmente porque está longe de ser bem executada em Star Wars: Battlefront II, ou de se apresentar pelo menos de uma forma maioritariamente credível. As personagens parecem contradizer-se a si próprias de forma repentina, fomentado assim a possibilidade de passar para o outro lado de maneira a que o jogador possa experienciar o lado vitorioso da Rebelião e da Nova Republica. Podemos sem dúvida conservar a experiência como parte de uma narrativa ampla considerada canónica mas a maneira como é de facto transportada para o ecrã sofre de algumas falhas características do elemento de repetição característico de um shooter, onde todos os níveis requerem eliminação e transporte para o próximo local onde mais inimigos esperam a sua destruição. No entanto, há que louvar o trabalho de cutscenes realizado com actores e actrizes reais, que com a sua performance preenchem o vazio entre níveis.

Para romper com o ciclo vicioso do shooter, são introduzidos heróis da saga de forma a que possamos experimentar as suas funcionalidades num ambiente descontraído, e isso vai combatendo a monotonia, mas também acentua a visão de que esta campanha é apenas o tutorial do modo online, sendo a história moldada para que o jogador se preparasse para o desafio real. Era uma inevitabilidade, sendo a componente principal o conflito entre jogadores. Há, sem dúvida, algum mérito na nostalgia que pode trazer em rever Han Solo, Luke Skywalker e Leia Organa, num período que continua na penumbra da saga. Infelizmente a história mostra-se incompleta, com um último nível que o fazia prever, embora seja uma das passagens mais interessantes. A história continuará no próximo dia 13 de Dezembro sem qualquer custo associado, e parece fazer a ponte com o novo filme!

E se há coisa que de facto todo Battlefront II concretiza é a maneira como tudo, mas tudo, tem uma fidelidade aos filmes de uma forma nunca antes experienciada. Para quem se lembra do velhinho Jedi Knights, que com a junção da música e gráficos possíveis para o inicio do milénio fazia o motor id Tech 3 de Quake num digno propulsor para um jogo de Star Wars, certamente ficará surpreendido. O motor Frostbite já tinha mostrado o que valia noutros jogos da distribuidora EA Games, inclusive o antecessor Star Wars: Battlefront, mas nunca a este nível de entrega. Há sem dúvida paixão por parte da produtora DICE, desde o mais pequeno detalhe gráfico à qualidade de som. Não há dúvida que este é o universo de George Lucas, do detalhe do palácio de Naboo, que no chão de mármore reflecte a luz dos blasters, até ao ínfimo pormenor do som de uma sonda imperial, à procura de sinais de vida em Hoth.

Mas gráficos não são tudo, e chegando à sua componente online há certamente muito a dizer. No seu core, Star Wars: Battlefront II apresenta uma jogabilidade digna dos melhores first-person shooters. Do seu antecessor mantém a escala mas ganha alguma sensatez. Microtrasacções à parte, de que falaremos a seguir, o jogo desloca-se às origens da franquia, e com isso ganha novo alento. Apresenta cinco modos de jogo, cada um com a sua base e objectivos através dos 11 mapas disponíveis, alguns com variações entre noite e dia. Infelizmente nem todos os modos de jogo são particularmente inspiradores. Destaque sem dúvida para as duas jóia da coroa Galactic Assault e Starfighter Assault, a verdadeira razão de insanidade e deslumbramento pela terra e pelo espaço. Com batalhas de equipas de 20 em mapas amplos de objectivo mais um menos variado, com junção de captura de pontos com missões de escolta, é um aprimoramento da fórmula anterior, e reflecte-se no historial da DICE, que se especializou neste modelo, agora com a ajuda Criterion no modo espacial. Destaque ainda para o modo Heroes vs Villains que ganha com a maior variedade de heróis nesta instalação, e permite um pequeno vislumbre da destruição que pode advir de saber jogar com os mesmos. Strike é uma alternativa por objectivo mais pequena e sem heróis, enquanto que Blast é um velhinho Deathmatch. Estas opções acabam por viver num local à parte, ofuscadas pelos principais modos que como o menu do jogo indica são os principais trunfos.   

As classes estão também de volta, assim como a necessidade de recompensar os jogadores pela suas capacidades em campo. As quatro classes básicas, comuns a todas as facções jogáveis, estão também presentes em todas as eras. A classe Assault certamente será do agrado dos que abordam os shooters de maneira clássica, com habilidades ofensivas e uma shotgun para um combate close and personal. Já o Heavy é o que o nome indica, com mais vida e com um escudo pessoal pode aguentar a linha da frente, mas não tem uma arma muito precisa para combates em campo aberto. O Officer, dá bonificações aos seus compatriotas, contribuindo para a sua performance. Embora equipado com uma pistola, pode colocar sentries e desactivar granadas. Por fim, o Specialist, é o sniper, e o terror em campo aberto, especialmente para quem realmente tem uma mira apurada. Jogar com as classes desbloqueia novas armas que podem ser usadas consoante o que queremos fazer delas. Um Specialist mais bem preparado para o combate corpo a corpo pode resultar, assim como um Assault pode ser mais preciso a longas distâncias. Cada arma tem qualidades e defeitos, e a escolha, embora não seja muita, é o suficiente para deixar alguma margem de manobra. As armas têm também pequenas modificações que são desbloqueadas à medida que são utilizadas, ganhando estabilidade e zoom a cada milestone e tornando-se em verdadeiras mais valias.

Com a conquista de pontos e uma boa performance, os jogadores desbloqueiam a possibilidade de aparecer em campo com uma espécie de personagens de segundo nível, que dependem não só da facção mas também do mapa. Das duas opções uma destina-se a quem gosta de um combate terreno mais aéreo, com um jetpack e uma arma explosiva capaz de destruir um veículo, é uma opção móvel para tempos menos civilizados. A outra é a que caracteriza as maiores mudanças de acordo com a facção, do flame trooper da First Order aos wookies warriors de quase todas as facções e eras do light side. São classes que têm habilidades parecidas, mas as suas armas diferem em forma e disparo. Outros alternativas surgem consoante o mapa e variam entre os diversos veículos, desde pilotar os canhões de um dos AT-AT Walkers até aos mais pequenos AT-STs.

Por último, para aqueles que vingam em campo, há os heróis. O sistema mudou uma vez que na primeira instalação moderna de Battlefront era apenas requerido estar no local certo para apanhar o token que permitia transformarmo-nos no herói especifico. Não era uma boa táctica, pois os jogadores menos familiarizados com os mapas, ou mais interessados no esforço de equipa, não conseguiam jogar com Luke ou Darth Vader. Agora em cada mapa os heróis têm o seu preço, se se adequarem à era são relativamente mais baratos, e embora mais frágeis que no seu antecessor, são em maior número e apresentam diferenças que os tornam únicos. O herói quase invencível desapareceu, uma má jogada e até Darth Vader pode sucumbir a duas granadas bem colocadas. Requer estratégia, mas é gratificante destruir hordas de inimigos apanhadas desprevenidas por uma habilidade. Nem os heróis sem lightsaber da saga ficam para trás, aliás, são mais perigosos do que antes. Han Solo mata sem dificuldade qualquer Sith que não faça o respectivo block ao disparo do seu blaster.

No meio dos modos e heróis há achievements para todos os gostos, e a primeira temporada dedicada a Os Últimos Jedi pede que escolhamos um lado de forma a completar pequenas quests diárias, receber heróis e bonificações. Os jogadores competem durante este período consoante a aliança escolhida e isso trará recompensas finais. Em breve haverão também novos mapas! Estas seasons tenta dar ao shooter uma aparência mutável, o que é muito bem-vindo!

Mas falando da polémica, as micro-transacções fazem de facto a diferença, mas há também um conjunto de cartas que contribui para alguma incredibilidade. As loot boxes apresentam cartas e componentes que ajudam a subir a qualidade de cada classe ou herói contribuindo para a sua performance em combate. Embora para fazer um upgrade dessas cartas seja necessário chegar a um certo nível, quem compra as referidas loot boxes consegue ter acesso a um leque variado de opções de forma mais rápida. As cartas modificam completamente, ou melhoram, certos aspectos das classes, como por exemplo um aumento do escudo do Heavy. O jogador acaba por ser confrontado não só por uma espécie de estratégia que apela à compra como no mesmo no mapa é presenteado com alguém que teve acesso a uma carta rara depois de comprar algumas caixas com dinheiro real. Note-se que mesmo assim as cartas épicas têm de ser criadas e não saem nas referidas caixas. No entanto, as caixas têm fragmentos que contribuem para que possamos fazer o upgrade, logo indirectamente há benefícios para quem tem o dinheiro para as comprar. Também o número de cartas se reflecte no nível real da classe que jogamos. Não dá benefícios directos mas o nível permite mais espaço para usar outras cartas nos slots disponíveis para a mesmas, num máximo de três. Ou seja, o nível da personagem não está associado à nossa capacidade e horas de jogo com ela, mas sim ao número de cartas e respectivos melhoramentos.

Uma carta em particular, partilhada por todas as classes básicas é também desprovida de sentido. Tem o nome de “Bounty Hunter” e aumenta os Battle Points recebidos durante a batalha, o que significa que qualquer jogador com ela ganha pontos mais rápido fazendo o mesmo que outro sem ela. Estas bonificações chegam facilmente aos 30% e isso contribui para que os seus portadores cheguem mais rápido ao patamar para compra de heróis dentro de cada cenário. Começar com Darth Maul depois de 5 minutos decorridos faz a diferença num jogo onde a força dos heróis é claramente superior!

O ganho de créditos foi também alvo de polémica pela necessidade insana de horas para desbloquear um herói. Felizmente esse aspecto foi corrigido ainda antes do lançamento, e nas primeiras quatro horas, com auxilio de alguns achievements da campanha foi possível desbloquear Darth Vader, um dos heróis mais caros.

Embora o progresso geral do perfil do jogador seja penoso, e cada nível fastidioso, quem joga melhor em cada cenário, recebe experiência de acordo com a sua performance. Este sistema foi melhorado no ultimo patch.

Tudo isto é destruidor da experiência? A resposta curta é: “Não”! Depois de algumas dezenas de horas de jogo o progresso é relativamente equilibrado. E mesmo nas primeiras incursões nada pareceu ser tão game breaking como se falava. No entanto, esta dinâmica tem uma clara intenção, e sabemos que é um factor no jogo, que efectivamente está lá! E sobre este modelo nem mesmo os jogadores estão livres de criticas, uma vez que alguns tornam este sistema rentável, não porque pagaram pelo jogo em si, mas porque esbanjam dinheiro de forma terem facilidades na sua progressão. O modelo resulta porque alguém paga por ele. E por isso, tornou-se rentável e popular!

Deveriam ser as loot boxes banidas? Talvez não, mas comprá-las com dinheiro real devia ser proibido. Quem não paga joga com as cartas que aparecem, e isso tem o seu mérito de progressão e diversidade. Cada jogador seria obrigado a começar o jogo com modificações diferentes mas ao mesmo nível. No entanto, melhor seria mesmo limitarem-se aos cosméticos, sem sair muito da alma da história. Darth Vader com armadura cor-de-rosa não resultaria com certeza, mas há certamente momentos em Star Wars que poderiam ser utilizados para esta diversidade de skins. Quanto às repercussões no mundo do gaming, é sem dúvida necessário traçar um novo caminho para o sistema. A herança dos videojogos para as plataformas moveis está a ser transportada para os PC’s e para as consolas, sem que o pensamento passe por reconhecer que a maioria da oferta móvel é grátis. Pensar-se-ia que haveria uma mudança quando a EA admitiu acabar com os DLC’s, mas quando a esmola é muita é normal a desconfiança, e neste caso, era essa desconfiança tornou-se justificada. Prejudicados ficam realmente os que desenvolvem e dão tudo pela arte que criam.

Para que esta review fosse feita, 60 euros foram dados a pensar na DICE e na Criterion, que provavelmente não verão 30% do mesmo. No entanto, nada foi dado para caixas, até porque a polémica fez com que fosse impossível comprá-las com dinheiro real. Uma vitória até ao sistema ser refeito, e só aí saberemos se a luta valeu a pena. O modelo económico falhou, infelizmente em cima de um dos melhores shooters de Star Wars de sempre. Tem a alma, os gráficos, a qualidade, e acima de tudo, a diversidade que a comunidade desejava. O peso das micro-transacções não arruína a experiência, mas afasta uma multidão que exige mais e melhor, com todo o direito para o fazer.

O score atribuído a Battlefront II pelo Ideias e Opiniões é o reflexo de tudo isto. O que poderia ser um sólido 9.0 sem micro-transacções, transforma-se num 7.5, por respeito à DICE, à Criterion e a tantos outros, mas também a um jogo onde continuaremos a depositar as nossas esperanças pelas 52 horas já jogadas e pelas centenas que ainda faltam, e claro, pelo conteúdo que continuará a sair. Àqueles que pensam em comprar o jogo, não aconselharemos o contrário, até porque somos todos livres para fazer essas decisões. Ignorando o contra-tempo das loot boxes, é um dos grandes videojogos de Star Wars da última década,  e para um jogador casual pouco poderá interessar que bonificações podem outros jogadores adquirir. Para quem vive de números e pormenores a questão pode ser mais difícil. No entanto, focando no seu conteúdo base, deveria ser jogado por todos os fãs da saga de George Lucas, agora ou daqui a algum tempo depois de uma valente promoção.

Nota: Todas capturas de ecrã foram feitas através do sistema ReLive da AMD Radeon. A review foi feita através da versão para PC – Windows na plataforma Origin.

Brevemente voltarei com mais videojogos…