Teimosias da maioria

É curioso como, de repente, toda a imprensa económica parece ter viver numa ilusão: renegociar a divida é o “bicho papão”, vai destruir o nosso país. E a austeridade? Está a revitalizar o país?
Vejamos: cada vez mais população activa e qualificada deixa o nosso país (o que quer dizer que deixam de criar riqueza e de pagar impostos em Portugal), grande parte dos que cá ficam, ficam no desemprego (sim, porque, na realidade, o desemprego está a subir e a taxa oficial só diminui porque a população activa está a sair do país e, por consequência, deixam de estar como “desempregados” para efeitos estatísticos), a divida pública não pára de subir e o objectivo do défice não é cumprido. Isto é estar melhor?

Toda a gente ficou surpresa quando a imprensa noticiou (fora de contexto, deve dizer-se), que Sócrates tinha dito numa conferência que a divida não é para se pagar. Quer se goste ou não de Sócrates, basta conhecer um pouco o funcionamento das finanças públicas, bem como das grandes empresas para saber que, na verdade, as dívidas gerem-se, não se pagam, entendido como não se liquidam. Normalmente negocia-se novas condições de pagamento, novas taxas de juro, ou então contrata-se novos empréstimos, com taxas de juro mais atractivas, liquidando-se aquele com taxas de juros mais altas. Isto é, a dívida, maior ou menor, está lá sempre, mas negociando ou “jogando” com os bancos (no caso das grandes empresas), vai-se conseguindo pagar menos em juros.
É assim que todas elas fazem. Basta consultarem os relatórios de contas disponíveis nos sites oficiais e/ou no site da CMVM (para as empresas cotadas em bolsa) e verão que todas elas têm dívida – apesar dos lucros milionários –  e todas elas estão permanentemente a negociar para pagar menos juros, mas nunca chegam a não ter divida, a liquidar tudo. E assim têm sempre liquidez em caixa, para as despesas correntes  como salários, quer para investir.

Então porque é que o primeiro ministro ficou tão ofendido com o manifesto que 70 personalidades bem conhecidas assinaram? Porque isso vai chatear aqueles que o governo e a Europa teimam em proteger: os especuladores! Aqueles que, quanto mais altos forem os juros (daí que tenham interesse em questionar a estabilidade financeira dos países, para fazerem subir os juros), mais ganham. Porque não é uma questão de pagar divida, pois essa, a seu tempo, vai sendo paga. O que está aqui em causa são os juros.
Outro argumento que li por aí é que alguns destes 70 contribuíram para esta crise e era tempo de deixarem os mais novos resolvê-la. E eu pergunto: Eduardo Catroga é novo? António Mexia é novo? Alberto da Ponte é novo? António Pires de Lima é novo? Pensem bem. Pior do que isso: Aníbal Cavaco Silva é novo?
Na prática, o que estes neoliberais têm vindo a dizer é “não vamos chatear os senhores que andam a ganhar rios de dinheiro à custa de uma suposta crise que inventaram para nos poder extorquir juros mais altos com renegociações de dívidas que possam fazer com que o país pague menos”. E os portugueses? Então os portugueses têm de aguentar. Como é que dizia o outro? “Ai, aguentam, aguentam.”

 

Crónica de João Cerveira

Diz que…