T’estimo Barcelona

  Para mim, à chegada, Barcelona era a imagem da Sagrada Família no bilhete-postal em que colei um selo para mandar um recado aos meus pais em Portugal a dizer que tinha feito uma excelente viagem de avião, com a minha amiga de infância Sara a partir de Faro.

  O aparelho tinha o nome de um navegador português que desbravou os sete mares, e da altura a que voava, a mais de dez mil pés, mesmo num dia de sol como aquele ficávamos com a clara sensação de viajar nas nuvens. Era enorme e tão confortável, mesmo junto à asa, que nele podíamos sobrevoar o oceano, ligando dois continentes distantes, com a satisfação de quem assiste em casa no sofá, à vitória do seu clube ante um rival por cinco ou mais golos de diferença.

  Fiz vinte anos e tenho o nome de uma apresentadora de televisão famosa, que não repreenderia tão severamente como os pais da maior parte dos meus amigos, a filha ainda adolescente por começar cedo a namorar, a menos que ela estivesse perdidamente apaixonada e andasse de olho numa menina da sua idade. Como a Sara, de quem não resisti durante muito tempo ao apelo de beijar-lhe os lábios esponjosos, para sentir na boca o que deve ser o efeito de uma almofadinha de silicone.

  Barcelona não havia sido eleita ao acaso. Era uma cidade cosmopolita e de mente aberta segundo me contavam aqueles a quem confidenciava semanalmente os meus segredos e preocupações. Quando o avião aterrou naquela cidade solarenga, os nossos corações palpitavam como os de uma criança na manhã de natal. Sara emitia aquele risinho histérico e nervoso que eu tanto adorava. Tínhamos chegado.

  Corremos apressadamente em direção à paragem do 46, para largarmos as bagagens na casa da Llura, amiga de longa data da minha mãe, que nos daria guarida até encontrarmos um quarto perto da universidade onde passaríamos os próximos seis meses. Era sábado e estava frio, porém o céu azul e limpo transportava graciosamente os raios de sol que nos faziam corar para além do nosso entusiasmo.

  Depois dos obrigatórios telefonemas para as nossas mães, a confirmar que havíamos chegado bem, a Llura convidou-nos para umas tapas perto de Montjuïc. Estávamos em plena Plaça d’Espanya… nunca tinha visto tanta gente num sítio só. Montenegro tem bastante vida, não só por causa do Pólo de Gambelas, mas também pela altura em que se dá concentração de Faro onde a freguesia se vê inundada por duas rodas porém, nesta imensa rotunda, a quantidade de pessoas por metro quadrado era avassaladora. Fiquei radiante ao perceber que no meio de tanta gente, dificilmente alguém se daria ao trabalho de notar quando beijasse os lábios de Sara.

  Ali tive a certeza de poder amar sem julgamentos ou juízos de valor, um amor sincero aos olhos de toda a gente e apenas isso… um amor!

  Fui tão feliz em Barcelona, aqueles passeios ao fim de tarde em que o sol vai caindo em sono lento para dar lugar à brava noite.

  Os longos abraços e beijos dados às claras, o afecto de quem ama incondicionalmente, recordo-me de todos os sítios que percorri e de todos os cheiros que senti.

  A música tocada por todas as ruas e em qualquer parte e a vida despreocupada a um ritmo de fim de tarde de um Verão qualquer.

  A intensidade de uma cidade que nos toma como sua, sem saber de onde vimos e as gentes de Barcelona que moram para sempre no meu coração …

  Não me importa o hoje, nem tão pouco o amanhã…

  Enquanto me lembrar de como foi…

Amar em Barcelona!

Uma crónica de Abílio Bernardo, Sérgio Martins e Sofia Taveira