The Elder Scrolls Online: Morrowind (Review)

Corria o ano de 2003 quando um familiar passou para minhas mãos dois discos guardados em pequenos porta-CDs transparentes. Mal podia eu prever que estava perante um dos RPGs mais icónicos da história, ainda no seu estado embrionário, um sucesso que embora não tão popular como as suas sequelas TES IV: Oblivion e TES V: Skyrim, pode ser equiparado a eles em termos de qualidade, em questões que, com a evolução da indústria, foram falhando. Mas será enganador dizer que peguei neles com a realização de que estava perante uma obra-prima, pelo contrário! Primeiro ambos os discos estavam desprovidos de caixa, o que os tornava em meros CDs sem grande impacto, e depois, a arte que ilustrava os CDs era sem dúvida pouco demonstrativa para pessoas que não o tenham jogado. Havia uma personagem de cabeça achatada e bulbosa, e outra meio tapada pelo aparato legal escrito em jeito de cardápio.

Tinha 11 anos, não estava preparado para tal aventura. As minhas incursões por RPGs eram ainda básicas, se existentes de todo. A primeira instalação foi rápida e indolor, o segundo CD era um mero apetrecho para quem quisesse usufruir do Construction Set, para criar os seus mundos imaginários dentro das complexidades do código.

A música que acompanhava a aventura, era o que mais chamava a atenção, estávamos perante Jeremy Soule, o compositor apelidado posteriormente como o John Williams dos videojogos, e a sua musica já me tinha acompanhado sem eu saber nos primeiros títulos da saga de videojogos de Harry Potter. O tema principal ainda hoje consegue transformar gamers feitos, em pessoas emocionadas e chorosas, e porque não, por Céus, e porque não? Tudo parecia elegante, a aventura começava com uma cutscene críptica acompanhada de uma voz que bem poderia ter saído dos abismos. De seguida a personagem principal acordava na presença de um individuo estranho e azulado, um dunmer, ou dark elf, que me pedia pelo nome. Depressa descobri que “eu” era um prisioneiro, estado inicial que quase todas as aventuras de The Elder Scrolls exploram. A perspectiva de primeira pessoa ajudava a criar uma ambiência desconcertante.

De seguida percebi que todo aquele cenário de madeira era o interior de um barco. Sair levava-me à primeira vila do jogo, o porto de Seyda Neen. Todo um ambiente exótico reinava, com uma criatura estranha que com estranhos rugidos me relembrava que aquilo era apenas um mundo de fantasia, isso e os cogumelos gigantes! Depois de um pequeno vislumbre um individuo feio derivado das limitações tecnológicas indicava-me uma lista de raças não muito mais apelativas de cara. Depois seguia-se a entrada no gabinete de censos, onde as últimas alterações podias ser executadas, a escolha de classe e de signo. Mas um rapaz de 11 anos não percebia nada de rolls ou de builds. “Isto de ser Warrior, é giro, siga!” E seguiu-me… a constatação de que precisava de um tipo de lógica que ainda não possuía. Um rato era um colosso para matar, a minha personagem atacava o ar mesmo com o inimigo à frente dos seus olhos. Seguiu-se a desinstalação, e o arrumar dos CDs até uma nova era, e um novo estado de compreensão pudesse ser desbloqueado, qual achievement.

Anos depois, por volta de 2007, já era um veterano do RPG. Knight of the Old Republic tinha despertado o interesse, e desde aí nunca mais tinha parado! Do novo ao velho RPG tentei de tudo, construí uma consciência para esse género tão fantástico, e no fim de tudo, voltei ao inicio, e entendi! A liberdade que Morrowind oferecia, e a ambiência única. Joguei uma quantidade obscena de horas, muitas vezes sem fazer nenhuma quest, sem sequer subir de nível. Matei personagens, explorei caves, andei simplesmente pelas ruas, e as centenas de horas, passadas também a retirar memórias para capturas de ecrã tornaram-se parte do meu imaginário. Regeressei várias vezes, mais tarde com o auxilio de mods, e com uma versão na plataforma SteamMorrowind em 2017 não é de forma nenhuma Vinho do Porto, está velho e cansado, mas há magia com o auxilio de mods. Magia essa bem impressa em muita dedicação dos fãs, que em em grandes demandas tentam trazer o jogo para uma nova realidade, como é o caso de Skywind.

Mas esta introdução toda para falar da aposta multiplayer da saga de The Elder Scrolls. The Elder Scrolls Online, que surgiu em 2014 pelas mãos da Zenimax e da Bethesda Softworks, e que no seu inicio veio com muitos dos problemas que assombram, tanto MMOs sem historial, como aqueles que, por se diferenciarem dos géneros originais das suas franquia, se perderam a tentar justificar uma experiência nova com ideais antigos. TES Online tentou ser um híbrido, mas com pouco sucesso, não vingava no género onde se tentava introduzir, e perdia-se na amalgama fustigada do mercado do MMOs com um modelo que também não era do agrado daqueles que tinham seguido a franquia desde os seus passos iniciais.

O seu lançamento foi marcado por um certo sabor agridoce, com problemas ao nível da jogabilidade e das quests, que devido a bugs tornaram as primeiras semanas num caos. Pessoas presas na história porque NPCs se recusavam a fazer reaparecer depois de mortos, e bots a matar os bosses no fim de dungeons públicas assim que estes apareciam. O jogo estava completamente congestionado nas suas primeiras semanas, e o facto de tentar agradar a gregos e troianos acabou por fazer com que não se destaca-se em nada. No entanto, sobreviveu, perdeu o seu modelo de subscrição, optando por um pay-to-play e um serviço opcional de subscrição chamado ESO PLUS sem bonificações de maior. Depois de grandes updates, e do fim das barreiras que balizavam as areas do mundo a níveis específicos, ESO floresceu, e hoje é uma das grandes opções do mercado. Comprometendo-se a juntar todas as areas de Tamriel, o mundo fantástico onde toda a saga se passa, num único jogo, como outrora em TES II: Daggerfall, ESO tem adicionado conteúdo em forma de mapas e campanhas, mas nunca se tinha aventurado com uma expansão. Eis que surge, no entanto, ESO: Morrowind, uma viagem ao passado da ilha de Vvardenfell, não só porque a história deste MMO se passa centenas de anos antes de TES III: Morrowind, mas também porque é uma viagem nostálgica para aqueles que conhecem a lendária terra dos Dunmer. Será que esta expansão vinga? E não menos importante, será que The Elder Scrolls Online mantêm o interesse dos seus fãs e mudou o suficiente para justificar o regresso daqueles que no inicio foram demovidos por todos os seus problemas?

The Elder Scrolls Online muda completamente a maneira como o jogo começa. Antes da expansão, o jogador começava em contacto directo com a quest principal, assumindo o papel de Vestige, um herói sem alma, e a única salvação na guerra contra Mannimarco e Molag Bal, numa versão de Tamriel sem imperador. Em ESO: Morrowind, o jogador, embora escolha a sua facção no inicio da aventura, começa em Vvardenfell, e a lendária ilha oferece conteúdo para os primeiros vinte níveis sem grande esforço. O começo da história é mais ambíguo, dá ao jogador a possibilidade de encarar a aventura como um livro aberto, dispensando a etiqueta de Vestige e abraçando o background que bem lhe aprouver. Se o jogador não quiser começar em Morrowind pode facilmente viajar para outra região através da shrine inicial, e a noção de role-playing mantém-se inalterada, sendo possível começar a quest principal a qualquer instante!

2002 vs 2017

Iniciar a aventura de novo no porto de Seyda Neen, depois de uma pequena introdução que envolve um naufrágio e bando de esclavagistas, emana nostalgia, mas como já tinha acontecido com a região de Skyrim em ESO comparado com Skyrim em TES V, é nos detalhes e na escala que o jogo acaba por  sofrer o primeiro factor de desapontamento. Em 2002, percorrer o caminho que ia de Seyda Need à cidade de cantões de Vivec era um caminho penoso, que sem ajuda de qualquer transporte poderia levar cerca de 5-10 minutos. Em ESO, a viagem não chega a um minuto, e isso acaba por ser desconcertante, tendo em conta que o explorar é parte integrante da nostalgia. Embora tudo pareça ser uma maneira de homenagear um clássico, notam-se as limitações que a escala dada a outras regiões acabam por impingir a Vvardenfell.

Para compensar a pequena escala, Morrowind tem para oferecer uma meticulosa recriação, que graficamente concretiza. Há certamente falta de lugares icónicos, de grutas e de ruínas, que numa escala normal que a ilha merecia, seriam certamente adicionadas. O fantasma da Red Mountain ainda não entrou em erupção, o que torna Morrowind num cenário mais verdejante do que era há 15 anos atrás. Ficam os pontos de referência que são capazes de deixar uma lágrima no canto do olho. Tudo isto acompanhado também com recriações musicais de temas do terceiro capitulo de The Elder Scrolls, que embora sejam maioritariamente pela mão de Brad Derrick, contam com uma “perninha” de Jeremy Soule, que não assina a música na sua totalidade, mantendo o palco secundário, mas a sua presença musical viva em dois ou três temas. Nada melhor do que ouvir Grazelands Dawn, que a partir dos segundo 40 entoa fulgurantemente os acordes de The Road Most Traveled. Para não falar do tema principal, que dispensa sequer indicação ou analise sobre a sua inspiração.  

Mas se a ambiência vinga por entre a falta de escala, o que dizer das quests? É muito bom recordar velhas caras, especialmente Vivec, Sotha Sil e Almalexia, mas não é só da quest principal e dos dilemas do Tribunal, que de certa forma fazem a ponte com o clássico de 2002, que vive a expansão. Não há qualquer reformulação do modelo de MMO de ESO, o mapa está cheio de histórias e pequenas demandas, muitas vivem de narrativas bastante básicas, e que normalmente envolvem as grandes famílias de Vvardenfell. Mesmo assim pouco há a apontar em termos de escrita especialmente no meio da mescla de “mais do mesmo” que é comum do MMO. Há espaço para personagens que vão inspirando ou regressando para contar uma nova história num novo ambiente exótico. O jogador pode também afectar ligeiramente o fim das quests através de algumas escolhas, que embora não representem realidades muito diferentes, afectam directamente as personagens com quem o jogador se vai cruzando. A narrativa reforça mais uma vez como este mundo de Tamriel tem a sua vertente multiplayer como campo secundário. A história faz-nos pensar que o jogador é o único herói da trama, que é alguém especial e único, mas basta olhar em redor para perceber que há todo um conjunto de jogadores que são “únicos”, e que a história não assume uma vertente comum que englobe todos como peças secundárias, como noutros MMOs. Neste aspecto, é mais uma vez evidente que ESO não sabe bem onde se situar, entre o MMOs ou entre o single-player RPG.

O resto do mapa são bosses, alguns bastante elaborados, e pontos de referência, com a ausência dos dolmens de Molag Bal. O conteúdo de ESO: Morrowind perfaz cerca de 25 horas bem jogadas, sem a aventura derradeira de Halls of Fabrication, o novo trial, ou raid em termos mais familiares para fãs de MMOs, e sem as visitas às novas zonas de PvP, pequenas arenas que tornam os menos experientes em presa fácil. Todo o conteúdo pode ser acedido em qualquer altura da evolução das personagens, sejam elas low level, ou já a construir a sua lenda através dos já existentes Champion Points, um sistema que faz lembrar os Paragon Points de Diablo 3, que acumulando em todas as personagens com bonificações bastante pertinentes para todas, mas principalmente para o late game. A expansão não adiciona sequer itens mais poderosos, todas as peças de equipamento e armas e a escala de todo o loot no jogo cessa a sua subida a partir dos 160 Champion Points.

A expansão oferece também uma nova classe, o Warden, um elemento flexível em qualquer papel da holy trinity (dps, tank, healer), acompanhado do poder de vários animais que perfazem bastantes combinações pertinentes para os membros da sua party. Peca pela má utilização do seu urso como ultimate ability, que a comunidade já definiu como sem utilidade. No entanto, é uma boa adição para quem quer experimentar novas dinâmicas, mesmo que pouco mude no final do dia na maneira como todas as classes evoluem e concretizam.

The Elder Scrolls Online faz-nos recuar 15 anos, a uma era que para muitos ficou guardada um espaço bastante especial. Tenta o seu melhor para atrair velhos e novos com alterações que serão pertinentes para veteranos e newbies, e destaca-se por ser uma das grandes alternativas no mercado depois de um lançamento bastante negativo, mesmo na grande escala a que os MMOs já nos habituaram. A história e o novo conteúdo podem ser suficientes para trazer muitos curiosos de outras aventuras da franquia, mas parece claro que devem conter a sua alegria, especialmente quem conhece todos os cantos de Vvardenfell. ESO é uma boa alternativa para jogadores que querem uma experiência mais narrativa e casual. Sem um late game muito elaborado, o ponto forte é o viver de toda a experiência, explorar e construir a sua lenda num mundo exótico de conflitos políticos e raciais.

Esta nova expansão não é TES III: Morrowind, mas sentir por momentos que 15 anos não se passaram é talvez o começo de uma nova aventura, que começou virtualmente em Seyda Neen, mas também com dois CD’s em capa transparente que ainda hoje estão guardados com todo o cuidado por mais que a era do digital e das promoções os coloque ao alcance de um click…

Trailer oficial de ESO: Morrowind com gameplay do jogo.

Boas aventuras! Volto na próxima oportunidade, para mais videojogos…