The Witcher 3: Wild Hunt

A era dos RPGs chegou para ficar e no meio da variedade, que tem prosperado nas mais diversas plataformas, alguns destes títulos têm revolucionado, de alguma maneira, todo o padrão do género estabelecendo novas fronteiras e novos aspectos que com a passagem do tempo vão-se proclamando obrigatórios em instalações futuras. Com o recente Dragon Age: Inquisition a escala deste género de videojogos foi testada numa aventura que vai muito para além da meia centena de horas. Este jogo sofreu porém de alguns problemas, muitas das quests não parecem mais do que uma série de demandas de coleccionador que envolvem aglomerar um certo numero de artefactos de modo a completar um mapa, com algumas side quests interessantes num mundo que embora inovador na sua extensão teve por vezes pouco conteúdo, ou conteúdo repetido para justificar um grande progresso na duração da narrativa. Dragon Age: Inquisition foi um excelente jogo mas faltou-lhe a substância e alguma lucidez numa aventura que nalguns momentos de história não apelou à descoberta ou a permanência do jogador.

The Witcher 3: Wild Hunt é um dos RPGs mais aguardados do ano e já foi alvo de diversas atrasos que em ultima instância se provaram cruciais para a produtora polaca CDProjekt RED tornar o jogo estável desde o primeiro dia. A espera teve sem dúvida os seus frutos pois criou um grau de expectativa sem precedentes na comunidade. Os diversos trailer e teasers faziam antever uma aventura sem precedentes muito para além das instalações anteriores. Mas será que The Witcher 3 passou o teste?

The Witcher ou The Hexxer são criações do escritor polaco Andrzej Sapkowski que ganharam popularidade na Polónia através de colecções de pequenas historias e livros. Com a popularização dos videojogos, inspirados na narrativa do escritor, tornou-se rapidamente um fenómeno internacional. A história dos videojogos é uma continuação não oficial da história dos livros, alguns destes ainda não estão disponíveis sequer em inglês. A CDProjekt RED tem autorização para explorar o universo mas o autor não reconhece esta incursão no mundo dos videojogos como continuação directa.

The Witcher (2007) foi a primeira tentativa de adaptação da CDProjekt RED depois de anos de desenvolvimento com avanços e recuos que culminaram com um RPG sólido em termos de historia, com alguma escolha por parte do jogador que redireccionam a narrativa e um sistema de combate único mas pouco interactivo. The Witcher 2: Assassin of Kings (2011) mudou completamente a orientação da saga com uma melhor interface, gráficos estonteantes e uma história mais complexa e política, ainda num ambiente de RPG fechado com uma historia dividida por actos com algum grau de exploração. O combate melhorou, mas não se mostrou inovador, sendo até considerado lento e pouco intuitivo, por vezes o jogador lutava mais contra os comandos e o próprio sistema do que propriamente contra o adversário. O jogo foi, no entanto, um grande sucesso e de certa forma ganhou o seu estatuto no coração dos jogadores.

The Witcher 3: Wild Hunt é a continuação esperada e merecida, e a última instalação da trilogia de fantasia medieval que tem como protagonistas Geralt of Rivia, um membro de uma ordem de guerreiros treinados para combater criaturas sobrenaturais a troco de recompensas, os witchers. Geralt tem uma história complexa e peculiar que tem sido evitada nos primeiros dois videojogos  através de uma suposta amnésia, no entanto, com a memória recuperada a historia de Wild Hunt relaciona-se directamente com os livros, o que torna mais surpreendente o facto de ser o melhor jogo da saga para interiorizar a história e as personagens. Isto acontece por duas razões principais. Primeiro, porque o jogo vem com um conjunto de pequenos glossários e notas sobre as personagens e como estas se relacionam com Geralt. Segundo, porque a narrativa começa com um certo grau de simplicidade que se vai expandindo, sendo que o jogador não é bombardeado deste cedo com muita informação.

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Geralt começa a aventura à procura do seu há muito desaparecido interesse amoroso, Yennefer of Vengerberg, uma feiticeira que se relaciona com o seu passado e tem sido mencionada com algum detalhe nos jogos anteriores. Juntos tentaram encontrar Ciri, uma espécie de filha adoptada de ambos com poderes especiais e treinada na sua juventude por witchers, mas nunca convertida uma vez que a ordem é reservada apenas a homens. Enquanto isso Geralt terá de defrontar, e escapar, aos cavaleiros espectrais da Wild Hunt, forças sobrenaturais que perseguem Ciri por razões desconhecidas.

A narrativa é coerente, ganha ritmo e raramente se torna aborrecida. Enquanto Geralt procura por Ciri as personagens que encontra relatam através de flashbacks as suas experiências com ela. Nestes flashbacks lineares o jogador pode controlar Ciri tendo acesso a habilidades especiais e, mais importante, a peças de informação sobre o seu paradeiro.

Com uma história que prende do primeiro ao último segundo The Witcher 3: Wild Hunt tem um trunfo que o torna um RPG obrigatório. Além de optar por ser uma aventura open world sem qualquer limite para o jogador a escala do mundo é surpreendente. Nunca um RPG arriscou tal nível de detalhe e conteúdo. Embora a primeira zona, White Orchard, ser relativamente pequena para facilitar as primeiras horas de jogo aos menos familiarizados com o universo, o resto das regiões que se abrem depois desta introdução não são apenas grandes em escala mas gigantes em conteúdo de forma quase sobre-humana. São necessários 35 minutos a cavalo para ir de uma ponta a outra das duas primeiras regiões, Velen e Novigrad. E quando o jogador pensa que estas regiões representam a totalidade do jogo pela sua escala e detalhe eis que é surpreendido por um arquipélago de ilhas, Skellige, num mapa quase do mesmo tamanho que os anteriores. Todas estas regiões foram claramente moldadas com detalhe apresentando-se diferentes a cada centímetro num mundo que parece de facto real pela sua assimetria e pela sua geografia nem sempre conveniente ou regular.

2015-05-22_00008Toda a escala do mundo ganha ainda mais relevância com a qualidade gráfica, que embora tenha sido alvo de criticas pelo aparente downgrade desde os primeiros vídeos sobre o jogo em 2013 não deixa de destroçar toda a concorrência. Desde o pôr do sol a ofuscar a visão do jogador, às árvores que se movem consoante o vento, passando pela chuva e pela tempestade que molha as armaduras, e o chão, tudo contribui para a atmosfera realista do videojogo que mesmo nas configurações mais baixas surpreende pela positiva.

A variedade é surpreendente, e difícil de descrever sem ser presenciada! Dos pântanos de Velen à cidade gigante de Novigrad passando pelo ambiente nórdico, marítimo e viking de Skellige, Geralt não só estará focado na sua principal demanda como terá acesso a um numero infindável de quests que se dividem de forma inteligente entre categorias e abrangem vários níveis de dificuldade que por vezes irão levar o jogador a esperar alguns níveis para as puder completar uma vez que o mundo de Wild Hunt não faz scale com o jogador como noutros RPGs como The Elder Scrolls V: Skyrim.

2015-05-28_00004Das mais variadas actividades contam-se Treasure Hunts que envolvem recuperar tesouros perdidos ou planos de armas e armaduras em forma de sets para serem devidamente construídas num blacksmith experiente; os contratos, que fazem finalmente justiça as funções de um witcher comparado com os jogos anteriores, onde Geralt deve perseguir criaturas que atormentam os habitantes das mais varias aldeias e povoações investigando os locais dos ataques, matando a criatura específica de cada quest e por sua vez receber recompensas que podem ser negociadas; e ainda as quests secundárias onde Geralt se encontrará com personagens conhecidas e novas e que indirectamente, ou directamente, irão por vezes ter influência na quest principal. O mais surpreendente é que todas estas quests têm uma história, não são uma mera colecção de dez objectos que devem ser aglomerados em locais específicos, sendo construídas com detalhe e o jogador pode direccionar a sua história através das suas acções.

Melhor ainda: a aventura não acaba com o fim das quests principais sendo possível continuar a efectuar contractos e aventuras secundárias até onde o jogador bem quiser sem limitações, a não ser que estas quests tenham influência ou estejam ligadas a acontecimentos principais.

O jogador é ainda incentivado a explorar o vasto mapa através de “pontos de interrogação” que revelam tesouros escondidos, criaturas raras ou simples campos de bandidos. Há também espaço para mini-jogos que incluem corridas de cavalos, luta corpo a corpo e gwent, um jogo de cartas coleccionáveis que à primeira vista parece simples mas que tem grande complexidade devido ás mecânicas das cartas especiais.

As escolhas morais de The Witcher 3 são também complexas e não existe qualquer indicação das consequências. Não existem pontos de Paragon ou Renegade ao estilo Mass Effect e muito menos indicação colorida do que é uma resposta boa ou má. As decisões tem consequências reais, e imprevisíveis, por vezes uma decisão que parecia moralmente aceitável pode culminar numa situação que só se agravou, e vice versa. Ás vezes as consequências das acções do jogador levam tempo e só se manifestam muito mais tarde através de um novo desenvolvimento inesperado.

O sistema de combate melhorou em muitos aspectos, os movimentos de Geralt são flúidos e a maior parte da dificuldade prende-se com os monstros defrontados e não com o sistema em si. O combate não é fácil e os monstros são particularmente difíceis nos níveis de dificuldade mais alta. Para o ajudar na sua tarefa Geralt deve encontrar, ou construir, melhor equipamento através de um sistema que valoriza a caça de monstros comuns e raros. Criar poções, bombas ou oils para as armas e melhorar mutagens através de alquimia é fundamental. Também consultar o Bestiary, que dá indicações importantes sobre as fraquezas dos monstros que Geralt encontra é crucial para decidir o que usar em cada situação. O jogador deve ainda fazer uso dos signs, habilidades magicas, cada um com as suas características que embora parecessem por vezes desnecessárias em jogo anteriores são extremamente úteis em todo e qualquer combate de The Witcher 3.

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Geralt pode subir de nível indefinidamente e contará com duas novas expansões que vão apresentar novos desafios e que chegarão durante este e o próximo ano. O sistema de habilidades é no mínimo original pois desbloquear melhoramentos não os torna activos sendo necessário escolher no máximo nove destes, distribuídos por quatro árvores de habilidades distintas, que devem ser aplicados para se tornarem activas, e devidamente conjugadas com mutagens que beneficiam dos atributos que partilhem a mesma cor. Estas árvores têm características que promovem um estilo de jogo diferente e podem ser adaptadas tendo em conta as suas prioridades do jogador, modificando ou fortalecendo signs ou simplesmente melhorando os ataques de espada de Geralt.

Em termos de som e banda sonora, The Witcher destaca-se também pela positiva com uma banda sonora atmosférica de Marcin Przybyłowicz, Mikołaj Stroiński e Percival que engloba elementos trabalhados de elementos eslavos e inspiração nórdica que demarcam cada zona do jogo juntamente com efeitos sonoros que tornam credível toda a atmosfera, desde dias de sol até às tempestades cheias de trovões.

The Witcher 3 é possivelmente um dos RPGs da década traçando o caminho a seguir para o género com uma história longa e uma escala de mundo arrebatadora. Nas centenas de horas dedicadas ao mesmo as quests não deixam de surpreender pelo seu detalhe e diversidade num mundo que parece vivo e realmente antigo, medieval  e selvagem. Experiência obrigatória para qualquer fã de RPGs.

The Witcher 3 score

*Devido à recente polémica que envolve o downgrade dos gráficos do jogo em comparação com o que foi mostrado em 2013 nas mais variadas conferências é de salientar que as capturas de ecrã do presente artigo, que foram retiradas da versão para PC, não devem servir de efeito de comparação ou análise gráfica pois não representam a capacidade máxima do videojogo encontrada num computador de topo. Para qualquer informação sobre as qualidades do PC utilizado para esta e qualquer review aqui estão os atributos até nova indicação:

Windows 7 64-bit

Intel Core i5-3570 CPU @ 3.40 GHz

8.0 GB RAM
AMD Radeon R9 270x 2Gb

Volto para o próximo mês com mais videojogos…