Traí-te…mas a culpa foi tua

Nove horas e cinquenta e oito minutos, a hora que estava no teu telemóvel quando peguei nele. Hoje questiono-me se o rumo das nossas vidas não teria sido diferente se não tivesse lido a mensagem. Tu estavas a dormir, eu estava a adormecer o bebé, quando o telemóvel tocou, o som de uma mensagem. Já te tinha dito que eu tenho um sexto sentido invulgar? Que o alarme dentro de mim dispara quando algo não está bem? Decerto que sim…o bebé dormia aconchegado nos meus braços, deitei-o no berço no seu quarto, cheguei perto da mesinha da cabeceira, peguei no telemóvel, mensagem do David, abri e li…porquê é que li uma mensagem aparentemente inofensiva do teu colega David? Há momentos da vida que não se conseguem explicar, este é um deles. A mensagem dizia: “tenho saudades tuas”, o raciocínio foi penoso mas rápido, das duas uma: eras gay e eu não me tinha dado conta ao longo dos anos que estávamos juntos ou o número não pertencia ao David, a segunda opção era a correcta claro. Decorei o número em segundos, fui para o quarto dos miúdos, liguei, o meu coração estava a mil…oi…quem fala? Atendeu uma mulher, paralisei, não consegui dizer absolutamente nada, desliguei o telefone…as lágrimas começaram a cair que nem flechas, o meu coração doía, sentia a pulsação forte, ali estava eu, no quarto dos nossos filhos, pintado de azul, com fraldas de um lado e brinquedos do outro, ajoelhada no berço, a sofrer por ti. Fiquei ali, estática, talvez vinte minutos, tinha de fazer alguma coisa pensei, vou acordá-lo aos berros, vou esperar que ele acorde, vou sair já de casa, e os miúdos? Vou tomar um banho para acalmar um pouco, tantas questões que se amontoavam na minha cabeça. Não, pensei eu, vou já resolver esta merda, não consigo ficar neste estado, preciso de saber o que se está a passar. Fui à cozinha, bebi um copo de água, fui até ao nosso quarto, chamei por ti…

Acorda, acorda, acorda!

– Que foi? Que se passa? 

Acordaste sobressaltado.

Que merda é esta no teu telemóvel? Quem é o David?

Atirei o telemóvel para cima da cama, leste a mensagem, meio desnorteado, olhaste para mim e disseste:

Sei lá. Foda-se. É um colega.

Um colega com saudades tuas? Quem é a gaja?

– É uma amiga…

E ali estava eu, Maria, 30 anos, em pé, em frente à nossa cama onde tantas vezes tínhamos feito amor, acabava de parir um filho nosso, as mamas jorravam leite, as lágrimas escorriam pelo rosto quente, lábios secos, vinte quilos a mais, barriga flácida, pontos de um parto normal, despenteada, ainda de pijama, velho e roto, olheiras de muitas noites acordada, cansada, exausta, ali estava eu, de coração desfeito, a mulher que prometeste amar e cuidar.

 

Continua