Tu é que abriste a porta para eu sair

Lembro-me como se tivesse sido hoje, a conversa que tive com a minha mãe há algum tempo atrás, por alguma razão que eu desconheço não somos uma família que fale muito no passado, portanto, ter uma confissão da minha mãe num dia banal, à mesa, enquanto comíamos massa com carne, é daquelas imagens que vamos reter para sempre. Entre outras coisas que vou guardar só para mim, a minha mãe confidenciou-me que no dia em que os meus pais colocaram um ponto final na relação ( por decisão dela ), ela andou a deambular pelas ruas da cidade, enquanto as lágrimas lhe escorriam pelo rosto, sem saber o que fazer à puta da vida. Uma mulher de 28 anos, sozinha a deambular pela cidade, sozinha com duas filhas ainda muito pequenas, a sofrer por um homem que ela julgava ser o “homem da vida dela”. Então, eu prometi a mim mesma que jamais na minha vida, jamais em tempo algum, eu iria ser aquela mulher, sozinha a deambular pelas ruas da cidade, sem saber o que fazer à puta da vida, em total sofrimento por um amor que não valeu a pena. Mas estava enganada…

No dia em que tirei 19 num exame a Português, disse que me ia embora e, nesse dia banal, tão igual a tantos outros, finalmente percebi que as mulheres são seres humanos incríveis e sobejamente capazes de tudo aquilo que quiserem. A sociedade julga que para haver um divórcio é necessário uma traição, um desfalque económico, uma grande mentira difícil de  perdoar, um vicio prejudicial ao casal, mas a sociedade está errada. Assim como o casamento é feito de pequenas grandes coisas, o divórcio também o é.

Vais ficando porque achas que os teus filhos merecem uma vida estável e não seria justo para eles, tão pequenos, sofrerem com a separação dos pais, vais ficando porque não tens condições económicas para viveres sozinha, vais ficando porque tens medo da solidão ( apesar de te sentires sempre sozinha ), vais ficando porque tens medo do que os teus pais vão dizer, o que os teus sogros vão falar, os teus amigos vão pensar, vais ficando por causa da casa, da televisão, dos duzentos canais que confortavelmente pagas mensalmente, vais ficando por causa do sofá, da cama, do conforto, da comodidade, vais ficando por causa do cão, do gato, vais ficando por toda a gente…menos por ti, vais ficando porque pensas em tudo e em todos…menos em ti. Passa um dia, passam dois, passam meses, hoje não que o mais velho faz anos, amanhã não que temos um compromisso com amigos, para a semana também não, porque estamos a chegar ao Natal, depois a Páscoa, depois as férias, passa um dia, passam dois, passam meses e vais-te anulando como mulher, vais-te anulando como pessoa. Até que um dia, um dia banal, tão igual a tantos outros, tu acordas e pensas: mas que merda é que ando a fazer neste Mundo? Choras de raiva, choras de frustração, choras de mágoa, choras de cansaço, choras de dúvida, choras de medo…

Tens medo que mais ninguém neste mundo te ame, tens medo porque mais ninguém no mundo te vai amar, tu que te foste contentando com este amor tão pouco amor, tens medo porque ninguém conseguirá gostar de uma pessoa como tu…até que, no meio de tantas lágrimas, acontece algo maravilhoso, tu enches-te de luz interior…há alguém neste mundo que te ama mais do que qualquer outra pessoa amou, ama e irá amar, que te conhece melhor que ninguém, as tuas fraquezas, os teus medos, as tuas inseguranças, os teus segredos, os teus pensamentos e as tuas fantasias, que venera o teu corpo imperfeito, que chora e ri de si mesma, que te conhece nua, despida, de corpo e alma, que conhece a tua história, que te escuta e que te tranquiliza, alguém que nunca desiste de ti, alguém que gosta de ti exactamente como és…esse alguém és tu mesma! És o epicentro da tua vida, nunca estás sozinha quando te sentes bem contigo mesma e com as escolhas que fizeste na tua vida. Eu não fui embora, tu é que abriste a porta para eu sair.