Ucrânia: rainha do tabuleiro de xadrez diplomático – Nuno Araújo

O presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, afinal pode vir a assinar um acordo com a UE, após se ter reunido com Catherine Ashton, a Alta Representante para a política externa da União Europeia (UE). Contudo, este acordo, a ser assinado, terá um preço: Yanukovich, diz-se, que pediu um empréstimo à UE no valor de 20 mil milhões de euros, por forma a colmatar perdas advindas da previsível quebra nas exportações em 30% para a Rússia, país que “cortaria” grande parte das relações comerciais tidas com a Ucrânia, em virtude da assinatura de um acordo bilateral UE-Ucrânia.

A UE, de tal forma, está a braços com um caso muito sério e de difícil resolução em termos diplomáticos, e que terá igualmente sérias repercussões económicas e financeiras. Este caminho seguido pela UE é um caminho sem possibilidade de “voltar atrás”, mas a verdade é que a Ucrânia, país onde têm decorrido manifestações pró-UE, uma vez estando do lado europeu, poderá mesmo equilibrar a balança do “jogo diplomático e económico” entre UE e Rússia. A Rússia, possuindo um domínio económico e até moral sobre Chipre, ilha da UE debaixo de uma “chuva de austeridade”, território onde estão a viver milhares de abastados reformados russos. Se assinar acordo com a UE, a Ucrânia assume-se como uma “Rainha” neste tabuleiro de xadrez diplomático, onde a UE procura solidificar fronteiras, garantindo a Ucrânia como sua parceira para a segurança externa e para inverter a relação de forças no plano energético, relação essa claramente dominada pela Rússia, que exporta mais de 70 % de gás para os países do centro da Europa.

Voltemos à questão inicial. Reportando-nos a esse alegado pedido de empréstimo de Yanukovich à UE, no valor de 20 mil milhões de euros, então uma questão muito delicada deve ser colocada: estaremos perante um episódio da mais pura chantagem à UE ou antes de “chico-espertismo”?

Se este for um episódio de “chico-espertismo”, por parte de um político com pouca credibilidade internacional, que é o caso de Yanukovich, então a UE, se emprestar tal maquia, não prossegue o seu caminho com as sua melhores ofertas para a Ucrânia: Democracia pluralista, liberdade de expressão e soberania reconhecidas por dezenas de países. Porque no caminho do dinheiro, a Rússia terá mais e sempre mais para “gastar” com a Ucrânia, estando em larga vantagem face à UE.

Este pedido de empréstimo à do presidente ucraniano será uma última tentativa de Yanukovich demonstrar algum, ainda que pouco, interesse em estreitar relações com a UE. Sabe-se que num jantar ocorrido em Vilnius, na Lituânia, que juntou os líderes dos 28 da UE, mais a Ucrânia, o presidente ucraniano, Yanukovich, deu por fechadas as negociações com a UE, antes mesmo da sobremesa, ao que a chanceler alemã, Angela Merkel, terá dito que “de qualquer forma, você nunca irá assinar este acordo”, dirigindo-se directamente ao presidente ucraniano.

Estou em crer que toda a atitude de Yanukovich é condizente com uma ambição em ganhar tempo, para assim controlar e sanar as manifestações da oposição ucraniana, que têm decorrido todos os dias em Kiev; Yanukovich também pode vir a conseguir fazer a UE ficar em “maus lençóis” face aos olhos da opinião pública ucraniana, pois caso não fosse emprestada a verba em causa à Ucrânia, o presidente poderia assumir um discurso populista, que seria bem recebido pela população russa residente na fronteira chegada à Rússia, e também poderia ganhar adeptos na camada dos indecisos, pois nesse cenário a UE daria o sinal errado de não querer ajudar a Ucrânia, nem o povo ucraniano.

Um novo líder na Ucrânia: o ex-pugilista Vitali Klitschko

Perante a evidência de que as relações bilaterais da UE com a Ucrânia não terão durante muito mais tempo Yanukovich como interlocutor da vontade do povo ucraniano, surge em jogo Vitali Klitschko, ex-campeão de pugilismo. Klitschko estará mesmo a ser preparado politicamente por pessoas ligadas directamente a Angela Merkel para assumir liderança na Ucrânia.

Em caso de queda política do actual presidente ucraniano, cai a posição ucraniana oficial pró-russa, e a opção da Ucrânia terá, forçosamente, de ser pró-UE. Klitschko será, assim, líder “prêt-a-porter”, mas é sobretudo a pessoa certa no sítio certo, e no momento certo da história contemporânea. Para que isso aconteça algures no tempo, o Partido Popular Europeu, onde está o partido de Merkel e os portugueses PSD e CDS, têm ajudado Klitschko a preparar-se para essa “tarefa-mor”: ser o rosto da oposição, que junta o próprio partido de Klitschko, o partido da ex-primeira-ministra Iulia Timochenko (ainda presa com condições precárias, por alegada corrupção), e os nacionalistas, contra o presidente Yanukovich, do Partido das Regiões.

Agora que os dados estão lançados, dá-se por terminado o período em que a UE exercia um “soft-power”. Daqui em diante, a UE fará uso das suas melhores qualidades para estabelecer um outro rigor e ética nas suas relações comerciais, uma diferente estratégia preventiva quanto ao controlo das suas fronteiras, e deverá potenciar as suas diferentes dinâmicas internas, porque a Comissão Europeia, ou não estivéssemos a poucos meses das eleições europeias (25 de Maio, em Portugal), entendeu, e bem, que o equilíbrio das relações de forças dos países no mundo está a mudar, em desfavor do mundo ocidental, e isso tem que ser corrigido quanto antes.  

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana