Ucrânia: três breves considerações

Escrever uma crónica acerca da crise que decorre na Ucrânia é um verdadeiro desafio, por três motivos. O primeiro prende-se com o facto de os acontecimentos, propriamente ditos, ainda estarem a decorrer. Como tal, o segundo motivo prende-se com o perigo da mudança brusca dos acontecimentos, da mesma forma que as reportagens em directo faltam ao rigor, por poderem não enquadrar devidamente factos por confirmar, como em período de guerra frequentemente sucede. Um terceiro motivo tem a ver com a especulação e a contra-informação existentes neste tipo de situações, em que a propaganda assume papel de “arma espalha-boatos”.

Porém, existem considerações que podem ser feitas. Em primeiro lugar, há que concordar que, após esta crise na Ucrânia, o equilíbrio geopolítico mundial sofre alterações. A União Europeia e os EUA, premiados nos últimos anos com Prémios Nobel da Paz (Barack Obama recebeu o prémio a título pessoal), verificam que Vladimir Putin, presidente da Federação Russa, está empenhado em manter, custe o que custar, os interesses russos “intactos” (entre muitos outros, destaco os acessos russos à rota comercial no Mar Mediterrâneo pela via-Mar Morto; a população russófona na Crimeia; e dependência energética de Kiev da empresa russa Gazprom).

Uma segunda ilação a retirar nesta fase da crise Ucrânia/Crimeia, terá relação com algumas acções hostis levadas a cabo por forças militares, tanto afectas ao poder russo, como ao poder ucraniano. Se por exemplo forças militares na Crimeia ameaçaram um negociador da ONU, e o obrigaram a abandonar a República Autónoma, já percebemos que poderá não haver muito para negociar numa primeira fase deste conflito, pelo menos até que Moscovo possa estabelecer plenamente a estratégia militar para a zona de tensão em causa.

Uma terceira nota deste conflito prende-se com a data escolhida para as eleições do parlamento ucraniano, 25 de Maio, também data de eleições para o Parlamento Europeu. Essa deve ser considerada como uma mensagem dos actuais líderes em Kiev mostrarem que fizeram uma escolha, ainda que plena de sentido de oportunidade, sendo a escolha pela participação no maior aglomerado de democracias constitucionais e parlamentares no mundo inteiro, a União Europeia. Esses líderes, que forçaram a demissão de Yanukovich com protestos na praça Maidan, em Kiev, são um grupo de políticos favoráveis a oligarquias, muito débeis e fortemente necessitados de apoio da União Europeia e dos EUA.

Estas três notas não poderão esclarecer qual o progresso desta crise na Ucrânia e na Crimeia; nem o papel de Putin, Obama e Merkel; nem tampouco qual a posição da China acerca desta crise. Sabemos que em guerras, ou conflitos desta ordem, nunca há apenas dois lados, ou seja, não existem “maus contra bons”, até porque se esse conceito existisse teria de “encaixar” a população tártara (expulsa pelo regime soviético, e regressou depois de 1991 à Crimeia), que se crê opor a Vladimir Putin, mas que não apoia incondicionalmente os novos líderes em Kiev. O que existe, para a União Europeia resolver, é um desafio à paz instalada há cerca de quinze anos na Europa, desde o conflito nos territórios da ex-Jugoslávia, e que agora surge na “zona da tampão europeia”. A União Europeia foi criada para assegurar a paz na Europa, depois de duas guerras mundiais que dizimaram dezenas de milhões de pessoas, e agora os líderes europeus deverão recordar-se do porquê de a Europa necessitar de forças militares comuns, de falar a uma só voz de assuntos externos, e de pugnar pela paz, sempre.

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana