Última Carta ao Pai Natal

  Para ler com calma neste Natal, enquanto o seu estômago digere os abusos da noite passada (pode ler no WC… não fico ofendida, afinal de contas… eu escrevo Crónicas do Cocó).


Querido Pai Natal,

  Este ano, quero fazer-te um pedido um pouco ousado. Antes de começares já a gritar “Por mil renas! Esta cachopa está louca, nem pensar!”, quero que saibas que este será o último pedido que te farei.

  Se há alguém que sabe bem como eu posso ser altamente irritante és tu, homem fofinho e com uma barba de fazer inveja a muitos. Sei bem que à conta de levares com os meus pedidos de Natal, passas depois o ano todo de baixa psicológica (sei disto, porque as tuas renas são minhas amigas no Facebook e contam-me tudo).

  Só te posso agradecer, em primeiro lugar, pelo facto de nunca teres desistido de mim, mas também porque ano após ano, mesmo sabendo que vais ficar a bater mal da mona, ainda assim, lês as minhas cartas de 33 páginas até ao fim e só por isso, um grande bem-haja para ti. És o maior!

  Bom, reduzindo o nível de graxa, pensa comigo… se este é o meu último pedido, significa que só terás, no pior dos cenários, mais um ano de baixa… vá, seis meses de baixa porque em Junho já não precisas começar a pensar que o Natal está a chegar e com ele mais uma carta minha.

  Já viste as vantagens de não teres de me aturar mais? Eu sei como sou irritante… bolas, eu irrito-me a mim mesma, imagino como te sentirás! Sem mim, poderás voltar a fazer os anúncios da Coca-Cola, podes fazer a tua linha de roupa de verão, podes tirar umas férias decentes pelos países onde passas a correr, podes ver as cidades de dia, epá… na verdade até poderá ser Natal todos os dias, desde que o queiras.

  Por acaso, se fosse Natal todos os dias, metade do meu pedido ficava logo cumprido. Toda a gente fica mais amigável, com um espirito mais altruísta… ficarias com metade do trabalhinho feito. Bom, já deves estar a hiperventilar portanto vou direta ao assunto. Mas antes de te fazer o meu pedido, vê só do que livras se me fizeres a vontade… pronto, pronto… já parei vá… focus!

  Então é assim… Querido Pai Natal, tenho vivido estes anos todos sempre a tentar não desanimar, às vezes até a ignorar o que me rodeia só para não perder esperança… mas porra! Já chega… não concordas comigo? Já viste bem o mundo em que vivo?

  Vivo num mundo onde o que governa é o poder, a ambição, o dinheiro, o extremismo e a intolerância. Há pessoas a morrer à fome quando diariamente toneladas de boa comida são deitadas ao lixo. Há países que invadem outros e dão bitaites sobre como se devem ou não governar, coisa que não lhes diz respeito. A religião (seguida da política e do futebol) é a coisa que mais ódio, intolerância e extremismo gera. E poderia fazer quatro páginas sobre este tema, mas só para teres uma ideia…

  Não existe uma cena qualquer de que tanto se fala, sobre liberdade de opinião, de expressão, a liberdade de simplesmente se ser, liberdade de existir como se queira? Vivemos num mundo com uma falsa liberdade… não somos livres. Fomos formatados!

  Só vejo gente podre, sinto-me manipulada por aquilo que se lê e se vê, doenças que têm cura provável mas que não interessam porque a doença dá mais lucro, gente robotizada em gadgets e redes “antissociais” que promovem o isolamento. Está tudo de pernas para o ar. Gente mesquinha, virada para o seu umbigo, intolerante, de mente fechada, que não aceita a minoria nem aquilo que é diferente.

   E algo que me tira do sério… a crueldade, a perversidade humana de maltratar quem não se sabe proteger. Sim Pai Natal, sabes como amo animais, sabes como fico agoniada e doente quando vejo estes seres puros maltratados. Sabes como me sinto impotente por não poder arrear todos ao biqueiro… esses canalhas que fazem barbaridades aos animais. Aquelas pessoas que caçam para camuflar o complexo de pilinha pequena, aqueles que tratam os animais como se tratassem de coisas, porque têm mentes doentes, esses psicopatas… todos que me deixam em fúria!

  E não me fico pelos animais… e os idosos? Abandonados e maltratados a um canto quando mereciam respeito, entrega, amor e dedicação em troca do que fizeram pelos seus… e as crianças, também elas maltratadas, doentes, fragilizadas, ignoradas ou negligenciadas quando um pai ou um amigo é substituído por uma consola… Não vês como está tudo do avesso? Estamos a falar de almas com vida, que respiram, sentem e não têm voz, não se sabem defender, dependem de mim, dependem de ti, dependem de nós. Temos de fazer qualquer coisa Pai Natal! Já chega de abusar e maltratar quem mais precisa e não tem como se defender.

  Todos os pedidos que te tenho feito ao longo destes anos (sim, aqueles que te dão a volta ao miolo), não vieram do nada. Tenho isto planeado minuciosamente desde gaiata, é o meu projeto de vida, e tu fazes parte dele. Como sei que não dominas coisas tecnológicas (afinal de contas, continuas a deslocar-te de rena…) com tudo aquilo que te tenho pedido, criei uma aplicação, coisa que os mais modernos chamam de app.

  Como sabes, bem melhor do que eu, o que a malta quer pelo Natal são gadgets, smartphones, tablets, aquelas coisas da marca da maçã, sabes bem o que consta nas tuas listas. Por isso, com todos os presentes de Natal que me deste, armei-me em MacGyver e criei uma app que hipnotiza as pessoas. Basicamente o que ela faz é que quando sob efeito da app, as pessoas ficam mais humanas, mais altruístas, mais despertas para as coisas que precisam de mudar neste mundo.

  Acho que o meu plano tem perninhas para andar porque o mundo, somos nós que o fazemos, mas temos de acordar, temos de tratar de nós e principalmente do que nos rodeia. Portanto, a tua única função neste Natal, é instalares a minha app em todos os presentes que vais entregar, topas? Vais ser um Pai Natal tipo Agente Especial, o que te encaixa mesmo bem porque tens o charme do Sean Connery, mas ligeiramente mais barbudo… a barriga… eu sei que tens o six pack…esse enchumaço é apenas o airbag por causa das travagens das renas (sabes que no Facebook as renas dão à língua, o que esperavas? As tuas renas precisam de alguém para conversar e como tenho a licenciatura em psicologia, acham que sou a psicóloga de serviço e já agora, fica a dica… o Rudolfo tem uma paixão platónica pela Empinadora mas o Trovão que contrataste o ano passado anda-se a fazer ao bife… já sabes como é… a carne é fraca, o molho é bom… se queres evitar uma luta de renas, abre a pestana).

  Não sou totó. Sei que pessoas más vão sempre existir, faz parte da natureza humana mas, vamos fazer delas uma minoria. Como diz a teoria, precisamos de 21 dias para criar hábitos, portanto, a app irá funcionar apenas durante esse tempo. Mas não te preocupes. Quando as pessoas perceberem como se sentem mais felizes e como o mundo tem mudado, já não precisarão da app. Garanto-te uma coisa. A app funciona. Aliás, neste momento estou a escrever-te sob o efeito da app, portanto como vês estou já a dar um passo para mudar comportamentos. A curto prazo (e imagina se fosse Natal todos os dias, o lucro que seria ter mesmo toda a gente em sintonia) as pessoas hipnotizadas irão começar a mudar o mundo.

  O mundo será quase todo governado pelos animais, sim… aqueles de quatro patas. Aqueles que são tratados como se não tivessem consciência, como se não amassem ou sofressem. Já viste como eles são? Eles refletem a perfeição. Eles não atacam ou matam por prazer, não têm ambição, não pedem nada em troca, aceitam as suas diferenças, não conhecem raças, tamanhos, idiomas ou religiões. Quantas vezes não se veem por aí elefantes amigos de cães, tigres amigos de bodes, gatos amigos de cães… são o perfeito exemplo do que é ser equilibrado e justo. Eles sim são os humanos deste mundo. Eles curam, ensinam a amar e a confiar, têm um sentido apurado para coisas que nós descuidamos. Já imaginaste se fossem eles a governar o mundo? Quem é, afinal, o animal?

Ajudas-me, Pai Natal? Prometo que nunca mais te chateio.

   Querido leitor, se teve estômago para ler esta diarreia cerebral até ao fim, significa que comeu como se não houvesse amanhã, mas também significa que colabora com o meu projeto, que percebe que precisamos mudar o mundo. Por isso, fica já aqui registado que tem todo o meu respeito e admiração. Só lhe posso desejar, a si e aos seus, um Santo Natal e votos de um mundo melhor. Que 2016 seja o ano da consciência e da mudança.

  Por último, desafio os meus queridos leitores a cantarem esta maravilhosa Música de Natal.