Um Amor em Tempos de Covid – PART IV

Antónia relaxou, inspirou fundo e deixou-se penetrar pela coisa mais fina e, ao mesmo tempo, mais incomodativa que alguma vez tinha tido dentro dela…


– AHHHHHHH! Porra que isto dói.
– Não dói nada menina, não seja mariquinhas. Já vi crianças a portarem-se melhor que você. É você uma enfermeira… que vergonha.
– Olhe, colega, cada um sabe de si e Deus sabe de todos. O nariz é meu, por isso eu é que sei o quanto me doeu. Quando você precisar que eu lhe ponha uma algália, quero ver quem é que é o mariquinhas… Olha que esta, hein.

“Já não me bastava ter de fazer o teste à Covid e ficar presa em casa à espera do resultado ainda tenho de levar com um mal-humorado. Haja paciência. Que… que… energúmeno. Para não lhe chamar outra coisa” – pensou Antónia, enquanto apanhava o autocarro para casa.

Nessa noite praticamente não conseguiu dormir. Virava-se para a esquerda e pensava na sua mãe. Virava-se para a direita e pensava no resultado do teste. Virava-se para baixo e lembrava-se da sua querida terra, de onde nunca devia ter saído. Virava-se para cima e sentia um aperto no peito tão grande que até ficava com dificuldade em respirar. “Seria Covid. Não, impossível. Tive sempre todos os cuidados. – Calma… dorme Antónia. Dorme que amanhã será um dia melhor.” – pensou Antónia antes de conseguir fechar os olhos

No dia seguinte a primeira coisa que fez, assim que acordou, foi olhar para o telemóvel para ver se já tinha recebido o resultado do teste.

– Publicidade; publicidade; newsletter do CM, mais 2 mil casos. Isto realmente está a ficar muito complicado… Bolas! Ah espera… Deve ser isto!! BAH, não é. É spam! Como raio que o meu mail sabe que fui fazer um teste à COVID? “Descubra as 10 melhores coisas para fazer em casa durante a quarentena.” ; “Saiba quais os sintomas a que deverá estar atenta.” ; “Como saber se tem Corona vírus.” BOLAS!! Acho que o meu telemóvel sabe algo que eu ainda não sei… AHHH!! Raios. Vou sair! Não aguento mais. Não quero saber…

Enquanto caminhava pela rua o aperto no peito aumentava cada vez mais. “E se estivesse infetada?! Estava a pôr a vida de outros em risco ao andar pela rua.” Mas não… não estava. Ela não se sentia doente. Bom, quer dizer na verdade tinha falta de ar e um pouco de tosse, mas isso podia ser das alergias. Estava calor, estavam na primavera, e ela sempre tinha sofrido muito com as suas alergias. “Sim, era isso! Nada mais”
“PLIM!” – Tinha acabado de receber um e-mail. O seu coração disparou. Agarrou no telemóvel, abriu o mail e… e… a Odisseias estava com desconto igual ao iva em todas as ofertas!

– Que porcaria!! Não posso estar assim. Tenho de relaxar. Não adianta tentar mudar algo que não consigo controlar. Vou para casa fazer um chá para me acalmar e ler um livro. Sim, isso mesmo. Um dia de folga depois de tantas horas de trabalho vai-me saber mesmo bem.
Eram 22h00 quando chegou o e-mail que Antónia tanto aguardava. Mas o resultado não era o melhor «POSITIVO para Corona Vírus.» NÃÃÃÃÃOOOOO!!

Antónia desatou a chorar, a berrar, a tossir, a soluçar. Chorou tanto, mas tanto, que acabou por vomitar todo o jantar. “E agora? O que vou fazer à minha vida? Será que vou morrer? NÃÃÃOOO! SOU MUITO NOVA PARA MORRER!” – gritou Antónia com a pouca força que ainda lhe restava.
Sentia-se fraca, cansada, com dores e falta de ar. Precisava de ajuda. Como tal resolveu ligar para a Saúde 24h. A assistente que a atendeu reencaminhou-a para o Hospital de Santa Maria, pediu-lhe para aguardar em casa até que chegasse a ambulância e a lista de nomes de pessoas com quem tinha estado nas últimas 48h. Assim o fez.

Ao chegar ao Hospital foram inúmeros os colegas que quiseram falar com ela, mas a força era pouca. As únicas pessoas com quem ela queria mesmo falar eram a sua amiga Sandra e a chefe. Em parte, para justificar a sua ausência, mas principalmente porque elas eram os seus contactos de maior risco. Se Antónia tinha apanhado Covid existia uma grande probabilidade delas terem apanhado também.

– Olá, «coff, coff» procuro a enfermeira Sandra. Sabe «coff, coff» quem é?
– Menina, aqui somos todos iguais. Não vale a pena pedir para falar com amigos…
– Sim, eu sei. Eu «coff, coff» também trabalho aqui.
– Ai sim? Nunca a vi.
– Eu também não. Mas precisava mesmo de falar com a Sandra «coff, coff». Ou com a D. Arminda.
– Com a chefa?
– Sim. Sabe quem «coff, coff» ela é?
– Preferia não saber.
– Ó. Ela não é assim tão má. Tem aquele ar «coff, coff» sisudo mas no fundo até é boa pessoa.
– Ah, pois é! Então não é. Ó se é. Diga isso aos três colegas que apanharam Covid por causa dela e vai o que eles lhe dizem.
– Por… causa… dela?
– Sim. Por causa dela! A mania dos turnos de 12h e 14h. O mesmo fato o dia todo. As máscaras à mingua. As mini pausas para se comer sandes nos locais mais inapropriados. CULPA DELA, SIM!
– Mas… Mas… Ela não fez por mal «coff, coff, coff».
– Pois. Por bem é que ela não fez de certeza. Olhe menina, fazemos o seguinte. Vai agora fazer análises, apanhar uma injeção e segue para os cuidados intensivos. Mais logo falamos.

Antónia sentia-se cada vez mais fraca. A tosse estava pior, começava a sentir dores de garganta, sentia-se febril, cansada, e com fortes dores de cabeça.

– Olá Antónia. Como estás?
– Sandra! Olá. Estava preocupada contigo. Pensei que também pudesses ter sido «coff, coff, coff, coff»…
– Descansa. Não fui a lado nenhum.
– …apanhada.
– Ó, isso queria eu. Ninguém quer nada comigo, pá! Nem os vírus.
– Tonta. Sandra queria avisar a minha mãe. Podes-me ajudar. «coff, coff, coff» Não tenho o meu telemóvel.
– Não te preocupes. Vou tratar disso. Descansa agora. Vou avisar também a chefe. Ela hoje não veio trabalhar.
– Se calhar também «coff, coff, coff»…
– Se calhar o quê? Apanhou Covid?! AH! AH! AH! A Arminda não apanha Covid, quanto muito é a Covid que apanha Arminda. Agora descansa, faz tudo o que te disseram e vais ver que amanhã já te vais sentir melhor.

TO BE CONTINUED…