Um Amor em Tempos de Covid

Um Amor em Tempos de Covid


RESUMO:
Antónia nasceu marcada pelo nome. O mesmo que o da vizinha que “fazia biscates” no 3º direito. Uma mulher que todos chamavam de puta mas secretamente visitavam. De pouco lhe valia dizer que não era ela a “Antónia Biscateira”. Todos os 18 inquilinos da Torre de Angola sabiam que o entra e sai, constante no prédio, era para visitar a Antónia. Só não sabiam qual delas.

Por isso, Antónia decidiu que teria de deixar para trás a sua terra natal, a mãe e o seu namorado. Um namorado que podia ter resolvido todos os problemas de Antónia caso decidisse pedi-la em casamento. Ou simplesmente convidá-la para viver com ele. Mas não! Jorge recusava-se a assentar. Ou pelo menos era o que julgava Antónia.

Mas a realidade era bem diferente. Jorge insistia em manter o relacionamento como estava, pois, era bastante conveniente para ele. Todas as noites Jorge ia até à Torre de Angola para visitar Antónia. Só que não era sempre a mesma…
A má fama obtida ao longo dos anos, a falta de amor que sentia por parte do namorado ou simplesmente a má relação que tinha com a sua mãe levaram Antónia a partir em busca de uma vida melhor em Lisboa. Longe estava ela de adivinhar que muito em breve iria sentir saudades da sua antiga vida.

«Nota do Autor: Todas as semelhanças entre esta história e a presente no livro “Um Amor em Tempos de Guerra” são pura coincidência. Até porque o autor desta história nunca leu nenhuma obra de Júlio Magalhães. Quanto muito poderá encontrar passagens dignas de “O Amor em Tempos de Cólera” visto que esta história dá uns ares de novela mexicana.»

Um Amor em Tempos de Covid

– Jorge vou partir!
– Vais partir o quê?
– Vou partir, parvo! Não percebes que pode ser a última vez que me vês?!
– Hoje ou esta semana?
– Adeus!
– Vá… Até amanhã… Beijinhos.

E foi esta a última conversa entre Jorge e Antónia. Bom, quer dizer, entre o casal Jorge e Antónia. Porque na realidade Jorge continuou a ter longas “conversas” (chamemos-lhe assim) com outra Antónia, também inquilina na Torre de Angola.

13 Março 2020.
Finalmente, Antónia tinha conseguido encontrar um apartamento onde viver. Era minúsculo, é verdade, mas situava-se nos Anjos. O que para alguém que tinha sido educada no seio católico era claramente um sinal divino que tudo ia correr bem.
– Duvido que nos Anjos existam vizinhas prostitutas ou vizinhos de má índole. – pensou ela.
Agora só faltava arranjar emprego. Felizmente para Antónia a sua amiga Sandra tinha conseguido uma entrevista com a chefe das enfermeiras no Hospital de Santa Maria. Viver nos Anjos e trabalhar em Santa Maria. O que podia correr mal?!

– Olá, boa tarde. O meu nome é Antónia e venho para uma entrevista para o cargo de enfermeira…
– É a amiga da Sandra, não é?
– Sim, sou… Conhece-a?
– Não. Quer dizer, sim, mas isso agora também não interessa nada. O cargo é seu. Vista-se e vamos começar.
– Visto-me? Começar? Como assim? Mas ainda agora cheguei, não estava…
– Preparada?! Pois… Habitue-se. A vida de enfermeira em Santa Maria é sempre assim… Uma preparação despreparada, como eu costumo dizer. Venha!

Antónia, ainda um pouco aturdida com a notícia que tinha conseguido o emprego, vestiu a bata que lhe tinha sido entregue, calçou as luvas e uns horríveis crocs, que eram 3 tamanhos acima do seu. Seguiu a chefe de enfermaria por todo o lado. Queria tirar apontamentos mas não tinha um bloco onde anotar. Por todo o lado que andava só ouvia falar em Covid. Covid-19. Corona vírus. O que raio seria isso? É certo que tinha acabado o curso de enfermagem há mais de 10 anos e durante todo esse período não tinha exercido, mas… Covid? O que seria?

– Olhe desculpe…
– Dúvidas são no final.
– Mas… É que já estamos em rondas há três horas e eu tenho uma grande dúvida.
– Pois. Então guarde-a bem aí no bolso e pergunte-me no final.
– E quando é o final?
– Ó Adelina, ainda agora começou já está desejosa de terminar? Pff… Pensava que as meninas da aldeia eram mais rijas.
– Antónia.
– Isso. Alberta.

Mais 3 visitas e a curiosidade adensava-se. Porque estava toda a gente tão nervosa no hospital? Seria sempre assim? Realmente um hospital em Lisboa era bem diferente do que o centro de saúde lá da terra, onde tinha feito o seu estágio.

– Já podemos ir almoçar?
– Desculpe?
– Almoçar? São 15h e ainda não parámos para comer.
– Uiii. Parar para almoçar. Que luxo! Aqui não fazemos disso, menina. Aqui comemos uma sandes entre o velhote que acabamos de algaliar e o da idosa que acabou de se borrar toda. Hoje com o número de pessoas que estão a aparecer com suspeitas de Covid acho que nem isso.
– Pois era isso mesmo que lhe queria perguntar… O que é isso do Covid?

A chefe de enfermaria do Hospital congelou! Será que Antónia era uma apoiante do Trump ou do Bolsonaro? Não… Mesmo eles sabem o que é a Covid-19. Estaria a brincar? Brincar com um assunto tão sério no primeiro dia de trabalho ia valer-lhe seguramente o seu emprego. Como é que alguém podia não saber?!?! Respirou fundo e respondeu:

– Menina…Tire a bata, compre o jornal, vá para casa ver as notícias e se tiver coragem volte amanhã!


TO BE CONTINUED…