Um certo Estado laico, republicano e facebookiano

Na continuação do ciclo de entrevistas políticas dedicado a este mês de julho, temos hoje o que poderia ser uma hipotética conversa com o Presidente Cavaco Silva.

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JORNALISTA – Senhor Presidente, a menos de um ano das presidências de dois mil e dezasseis, já escolheu um sucessor?

PRESIDENTE – Já. Deverá ser um candidato jovem, ambicioso, com uma esmerada educação, proveniente de uma boa família e que reconhecendo nos mais velhos o valor da experiência, não se importe de vir, de vez em quando, pedir-me alguns bons conselhos. Não, devo esclarecer que, apesar de algumas semelhanças, não se trata de nenhum dos meus netos, embora qualquer um pudesse enveredar pela carreira política, como o avô.

JORNALISTA – Quer dizer que o jeito para a política vem de trás.

PRESIDENTE – Precisamente, mais concretamente do tempo de Viriato em que os romanos tentavam dominar a península ibérica, mas eram os meus antepassados que governavam a vasta zona da Lusitânia.

 JORNALISTA – Não fazia a menor ideia.

PRESIDENTE – Nos meus sucessivos governos fui acusado de ter dotado o país de muitas pontes e autoestradas, mas com quem pensa que aprenderam os romanos a ligar por estrada as suas principais cidades, construindo uma intrincada rede de vias que levavam a todos os lugares do império? Com os meus antepassados. Eram as autoestradas daquele tempo, já nessa época comparáveis às nossas de hoje em dia nas zonas do interior do país em que só de longe a longe é que vai passando um carrito.

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JORNALISTA – São do seu tempo algumas das parcerias público-privadas que trouxeram mais custos e dores de cabeça a todos os portugueses.

PRESIDENTE – Tem toda a razão, infelizmente foi a todos e não apenas aos que por essas estradas pagam e são obrigados a pagar portagem, além de só de mais de quarenta em quarenta quilómetros terem disponível um posto para abastecer de combustível. Talvez não fosse tão impopular e pudesse propor na Assembleia da República uma alteração constitucional que me permitisse concorrer a um terceiro mandato consecutivo.

Anibal Cavaco Silva

JORNALISTA – Algumas dessas devem ser as pessoas que o acusam de ter tido dois mandatos em que não foi um presidente imparcial.

PRESIDENTE – Devem ser as mesmas que me acusaram, na altura da famigerada manifestação dos polícias, ter mantido uma postura imparcial, para não influenciar o curso dos acontecimentos, em vez de me ter colocado logo ao lado de quem eram o ministro da Administração Interna de então.

JORNALISTA – Passemos à atualidade política. Conhece o candidato às eleições Sampaio da Nóvoa?

PRESIDENTE – Pessoalmente, não. Só através da televisão. É uma figura um tanto ou quanto apagada. Mas mesmo que alguém mo tivesse apresentado, não parece tratar-se de uma personalidade de quem me orgulhasse conhecer ao ponto de lho poder revelar para vocês jornalistas contarem a toda a gente.

 JORNALISTA – E aos restantes candidatos já conhecidos?

PRESIDENTE – A esses, nem pela televisão. Nunca lhes vi a cara, embora tenha ouvido falar vagamente. Tanta polémica e afinal parece que a famigerada lei que pretendiam aprovar para limitar o acesso dos Partidos de menores recursos aos órgãos de informação, mesmo sem ter recebido o crivo da Assembleia da República já está a produzir efeitos.

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JORNALISTA – Acusam-no frequentemente, da nas comemorações do dez de junho, condecorar gestores de quem se vem a saber que praticaram atos de gestão danosos, como no caso da PT. O que se lhe oferece dizer?

PRESIDENTE – Que lhes devemos estar agradecidos, porque se não fossem eles, pelo mesmo dinheiro estaríamos a vender aos estrangeiros uma empresa que valeria muito mais, o que seria um negócio ainda mais desastroso.

JORNALISTA – E por falar em privatizações, o Tribunal de Contas no seu relatório refere que algumas, como a da EDP aos chineses, não foram transparentes e que não foi acautelado o interesse do Estado.

PRESIDENTE – Claro que foi. Não estaria era se a EDP tivesse ido parar às mãos de gestores como os que mencionou, aqueles que no dez de junho comemorei e se veio a saber que eram gestores … da treta. Que eu saiba nenhum deles, tivesse passado pela PT ou o BES, está agora ao serviço desse grande grupo económico que é um dos maiores da Ásia.

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JORNALISTA – Tem abordado o tema Grécia nas suas declarações. Há ainda alguma coisa que não tenha dito?

PRESIDENTE – Claro. Esqueci-me de recomendar ao senhor Tsipras que passe a usar gravata nas reuniões do Eurogrupo. Se seguir o meu percurso político e vier a ser Presidente, aparecer em público sempre tão mal vestido, será outra coisa de que tenderão a acusá-lo, além dos negócios ruinosos que possa ter feito com as Parcerias Público-privadas do seu país para a construção de autoestradas ou de ter tido um mau critério na escolha a quem decidiu dar uma medalha.

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JORNALISTA – Para terminar, vai continuar a privilegiar a Internet para se pronunciar aos portugueses?

PRESIDENTE – Evidentemente. Fique sabendo que será por via eletrónica que responderei á sua próxima entrevista. A senhora mandar-me-á as perguntas e eu, quando puder, responderei por email.

JORNALISTA – Não haverá outra forma de auscultarmos as suas opiniões?

PRESIDENTE – Há, podem seguir-me através do Twitter.

JORNALISTA – E para conhecermos a sua agenda política?

PRESIDENTE – Podem ir à página oficial da Presidência da república, na Internet.

JORNALISTA – Em suma, vamos passar a vê-lo menos vezes?

PRESIDENTE – Só se quiserem, as minhas fotos vão ser todos os dias atualizadas na página do Facebook, basta fazerem-se amigos e tornarem-se meus seguidores.

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