Um dia todos temos de soltar o Hulk que há em nós…

Existem inúmeras situações da vida que aborrecem uma pessoa. Situações essas que podem ser controladas ou vividas de formas diferentes. Podemos perder rapidamente as estribeiras quando constatamos uma injustiça do tamanho do mundo, como podemos simplesmente ignorar por completo a situação, virando a cara para o lado e assobiando uma cantiga qualquer à nossa escolha.

Por norma, eu sou o tipo de pessoa que prefere afastar-se de confusões ou conflitos. Simplesmente acho que é tempo perdido de vida, meter-me onde não sou chamado. Se dois putos querem andar à estalada no meio da rua por causa de uma miúda, pois que andem. Se um casal de namorados acha por bem lavar a roupa suja em plena via pública, pois que a lavem bem lavadinha, que eu, honestamente, estou simplesmente a marimbar-me para isso. Se um meliante decide assaltar uma velhota no meio da rua, utilizando o velho método do “roubo por esticão” para lhe levar a mala, pois que o faça, que eu não vou a correr atrás dele. Se um cigano decide interpelar-me na rua, acenando-me com uma faca e dizendo “Ai, moçoooo! Dá-me já a tua carteira, senão eu mato-tiii”, eu faço o que ele pede, e mostro-lhe a minha carteira em forma de sapo. Vai-se lá saber o porquê, mas eles acabam sempre por não consumar o assalto. Malta esquisita, é o que é…

Mas existem alturas em que não podemos ficar calados. Em que não conseguimos controlar a revolta que se instala dentro de nós. É como se um vulcão entrasse em erupção dentro do nosso ser, e que, sem pensar nos prós e nos contras, nos levasse a agir inconscientemente. Foi o que se passou comigo, numa recente ida ao cinema.

Estava pacatamente na fila para comprar os bilhetes, quando começo a ouvir uma voz masculina, bastante exaltada. Tento descobrir de onde vinha aquela voz, e acabo por o fazer rapidamente, constatando que vinha do meu lado direito, de uma outra fila para comprar bilhetes. Um senhor, que se fazia acompanhar dos seus dois filhos, estava literalmente aos berros com um dos funcionários do cinema. A discussão rapidamente tomou proporções de decibéis tão elevados, que tenho a certeza que as pessoas que se encontravam no interior das salas de cinema, também a conseguiam ouvir.

Ao que consegui apurar, o homem estava indignado porque o filme que queria ver com os seus dois filhos estava classificado como “filme para crianças com mais de 10 anos”. Ora, como os filhos aparentavam não ter mais de 10 anos, o funcionário optou por avisar o senhor que não seria possível verem aquele filme. Ou viam outro filme, ou podiam ir à sua vidinha. Ora, o senhor embirrou que tinha de ver aquele filme, e o melhor argumento que conseguiu arranjar foi este:

“Isto é tudo uma enorme estupidez! Se os miúdos hoje em dia podem ir ver filmes bem piores que este, como por exemplo o Transformers e outros que mais, por que razão os meus filhos não podem ir ver este filme?” 

O funcionário explicou-lhe calmamente que não era culpa dele. Que ele apenas estava a cumprir ordens. E as ordens que existiam, eram que para aquele filme só crianças com mais de 10 anos podiam ir ver. Mas o homem estava de tal furioso, que desatou a insultar o funcionário. De seguida, pediu o livro de reclamações, para reclamar de um coisa que, no meu entender, não tinha lógica nenhuma. Se as ordens são que, para crianças assistirem aquele filme, têm de ter mais de 10 anos, quem era ele para obrigar os funcionários a abrir-lhe uma excepção?

Às tantas, depois de energúmeno do senhor achar por bem começar a insultar à bruta o funcionário do cinema, eis que o funcionário desata a chorar. Possivelmente, derivado dos nervos. Isso, ou então por causa da enorme vergonha por que estava a passar, visto que todas as pessoas que estavam nas filas, estavam boquiabertas a assistir a todo aquele espectáculo deprimente.

Ora, foi aqui que me saltou a tampa. Foi esta enorme injustiça de que o funcionário estava a ser alvo, que despertou em mim um sentimento de raiva. Um misto de ódio e cólera que se foi apoderando de mim. O homem continuava aos gritos! O funcionário continuava a chorar desalmadamente! As pessoas continuavam imóveis a observar aquela situação! E eu não podia ficar simplesmente calado, completamente imobilizado perante tal injustiça! Subitamente senti uma força a ganhar vida dentro de mim! Senti que, de repente, eu podia resolver todo aquele conflito! E avancei. Avancei direito ao energúmeno, como se eu fosse o Hulk, e nenhum obstáculo me podia deter. Avancei. Avancei mais… A dada altura, senti que até fumo já me saia pelas narinas! Eu estava possesso e, sem pensar, dei um ligeiro empurrão na besta, e disse-lhe:

“Ó minha besta! Dou-te três opções: ou vês outro filme; ou vais embora; ou levas uma galheta que até andas de lado! Agora escolhe!” 

A resposta do outro lado, foi bastante rápida:

“O que é que tu queres, pá?! Queres levar uma carga de porrada, ou quê? Põe-te mas é a andar daqui p´ra fora, antes que apanhes!” 

Ao ouvir tais palavras, senti-me como uma panela de pressão a ferver, com fumo a sair-me pelos ouvidos, olhos e narinas. Enfrentei a besta nos olhos, mostrando-lhe que não me metia medo, e respondi-lhe:

“Ó amigo, desculpe lá… Mas há pouco eu propus-lhe três opções, mas esqueci-me de uma quarta: a de eu ir à minha vida. Acho que vou optar por essa, sim? Adeusinho…”

Dessa é que ele não estava mesmo à espera… Tramei-o bem tramado… Hum… Foi, não foi…?

Até para a semana, malta catita…