Mais um episódio: o carro de 129 mil euros que Marcelo recusou

Como nos últimos tempos não havia episódios em que o tema não fosse futebol, a selecção e o Euro 2016, apareceu agora o do automóvel que Cavaco, seguindo a tradição em Belém, comprou para Marcelo Rebelo de Sousa e este, face à conjuntura rejeitou. A tradição é que Presidente cessante fica com o carro usado e compra novo para o sucessor.

Segundo várias fontes, a primeira opção perante a recusa de Marcelo Rebelo de Sousa em usar este carro, devido a ser de gama alta, características e consumos elevados, foi oferecê-lo a Jorge Sampaio, presidente anterior a Cavaco Silva. Este recusou pelas mesmas razões de Marcelo que, pelas suas palavras à comunicação social, tentou vendê-lo. Mas, diz o actual Presidente da República, não sendo possível vendê-lo (não disse a razão, mas presumo que seja por ter sido modificado), ficou afecto ao protocolo de chefes de estado e chefes de governo estrangeiros quando vêem a Portugal.
Como as visitas dessas individualidades não acontecem assim tão frequentemente, a Presidência da República decidiu doar o veiculo à Presidência do Conselho de Ministros para que, para além de servir o protocolo referido, poder também ser usado pelo Primeiro Ministro. Só uma peça da SIC refere que António Costa o usou. E, diz a mesma peça, numa deslocação a Almeirim no final de Junho, porque o carro que normalmente usa estava na oficina.

Se navegarem por essa internet e redes sociais fora, vão reparar com certeza que os apoiantes da direita vão aplaudir a decisão de Marcelo de não usar o carro, mas ignorar que foi Cavaco, outro presidente oriundo da direita, que decidiu gastar dinheiro dos contribuintes para adquirir tão dispendioso veiculo. Vão reparar também que, ao mesmo tempo que aplaudem Marcelo, apupam Costa por ter aceite a doação, ignorando que o actual Presidente já tinha dito que não podia vender, pelo que o que estava em causa era o carro ficar fechado na garagem da Presidência da República ou na garagem da Presidência do Conselho de Ministros.
Por outro lado, vão ver os apoiantes da esquerda a dizer que Cavaco não deveria ter comprado um carro daqueles e que Marcelo devia ter vendido logo o carro, em vez de o ter doado ao Governo. Ora, insistindo no que já referi antes, Marcelo disse que não pôde vender o carro (ele não explica porquê mas, repetindo, creio que tenha sido pelo mesmo ter sido modificado, pois na peça da SIC, vê-se imagem do mesmo com as luzes azuis na frente a piscar, tal como têm os veículos de emergência). E vão ver os mesmos a dizer que António Costa só o usou quando o carro oficial do Primeiro Ministro estava na oficina, sem se recordarem que, antes daquele carro existir, a Presidência do Conselho de Ministros tinha, de certeza, outros veículos para transportar o chefe de Governo, por ventura de gama inferior.

Para mim, Cavaco não devia ter comprado aquele carro. São 129 mil euros que saíram dos cofres do Estado, isto é, dos contribuintes. Há tradições que não se justificam e esta é uma delas. E mesmo que quisesse manter a tradição, podia ter adquirido um veiculo mais barato, tanto ao nível do custo como ao nível da manutenção. Depois, não estando bem explicado o motivo porque não pode vender, acho que a secretaria geral da Presidência da República deveria ter insistido na venda do carro, perdendo algum dinheiro (acredito que bastante), mas ganhando nos custos que, a longo prazo, o Estado vai ter com aquele veiculo. E, por fim, António Costa tem, de certeza, mais carros na garagem da Presidência do Conselho de Ministros, menos dispendiosos, que pode pode usar em vez deste.

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico de 1990