Um sítio especial

Tenho um talento especial para avariar coisas, o que é óptimo visto que nunca tenho dinheiro para as arranjar. À conta disso vou aprendendo coisas novas, sobretudo a nobre arte do “desenrascanço”. Digo sempre que tenho as coisas dentro da garantia e, quando vou a ver, esta acabou precisamente no dia anterior à avaria. Pois é, não me bastava o talento para avariar coisas como também me sobra uma falta de timing enorme.

Estive cerca de cinco meses sem o meu computador. Quando veio não descansei. Gosto de estrear computadores (ou, neste caso, “reestrear”). Gosto de instalar tudo, de ter o computador meticulosamente organizado. Tenho o computador mais organizado do que as gavetas da minha mesinha de cabeceira. A minha mãe não acha muita piada a isso, mas eu e as tecnologias temos um relacionamento bastante especial.

O primeiro computador que experimentei foi na escola, com um velhinho Windows 95 onde só podíamos mexer no paint. Fiz desenhos com elevada nota artística, bem melhores do que muita coisa que vemos em museus de arte contemporânea. Depois tive um Windows 98. Passava as horas a jogar Die Hard, mesmo sem nunca passar do primeiro nível. A partir daí corri os sistemas operativos todos, sempre fiel à Microsoft (não pode ser de outra maneira; não há dinheiro para maçãs trincadas). O mais marcante foi sem dúvida o Windows XP que a partir de hoje passa a descansar no cemitério do desuso.

A partir de 2004 tornei-me viciada em jogos de desporto. Mais uma vez sempre fui fiel a uma empresa: Electronic Arts. Juntava o dinheiro dos meus aniversários para comprar as edições mais recentes do Fifa e só parei de o fazer em 2009. Nunca fui adepta do Pro Evolution. Sou picuinhas e a falta de licenças e equipamentos oficiais aborrecia-me. Não me sentia uma verdadeira treinadora. E assim, enquanto as minhas amigas pintavam as unhas e viam novelas, eu deleitava-me a montar um plantel de luxo para o meu Benfica. E éramos sempre campeões. Saía a correr pela casa, fingia dar conferências de imprensa. E a melhor parte? A minha mãe nunca me mandou internar.

 Mas também me apaixonei pelas consolas. Nunca tive uma Nintendo 64 nem uma Sega Saturn embora tenha passado muitas horas a jogar com os meus amigos. E a maior desilusão da minha vida continua a ser nunca ter tido um Game Boy Pocket ou um Game Boy Color. Comecei com uma Playstation, a mais velhinha. Jogava os demos sem dar conta que eram jogos incompletos, consumia avidamente os jogos de Crash Bandicoot. Quando ela se avariou (vêem o meu talento?), fui presenteada com uma PS One. Mais pequenina, mais bonita. E apesar dessas características apontarem para uma consola muito propensa aos meus azares, nunca a estraguei. Alguém o fez por mim. Apaixonei-me de imediato pela Playstation 2 onde funcionavam todos os jogos das suas irmãs mais velhas. Ainda me lembro das muitas horas passadas a jogar Fifa Street e Guitar Hero. E também não a estraguei, alguém o fez por mim.

Não me rendi ainda à Playstation 4 (sou fiel à Sony). Custa-me deixar para trás o Nathan Drake, o Cole Phelps, o Harry Potter, a Lara Croft, a Ellie e o Joel… Apego-me às personagens como se as suas histórias fossem reais e passo a viver naquele mundo tão incrível. Espero nunca ter o azar de a estragar ou de a ver perecer de repente. Faz falta essa escapadela ao mundo real. Faz falta um sítio onde possamos explorar o mundo inteiro sem sair do sofá, um sítio onde possamos desvendar as maiores crueldades (porque até nos jogos elas existem), um sítio onde o Benfica possa ser sempre campeão. Acima de tudo, faz falta um sítio qualquer onde possa ter um simples emprego. 

BárbaraBorralhoLogoCrónica de Bárbara Borralho
Riso sem siso