“…Uma adolescência com fome…um fardo aos 12 anos…”

Neste capítulo, vamos dar continuidade ao “ Romance da Minha Vida”! Se a infância foi algo doloroso, a adolescência, nesta história real, reserva-nos momentos em que deveremos parar…parar para pensar, como vivemos hoje em dia! Como seria a nossa vida com fome, ao invés da fartura e consumismo que hoje existe. Como seria a nossa vida se estivéssemos a ser um fardo para alguém, um fardo apenas com doze anos de idade! Vale a pena ler e reflectir!

“…Quando fui para casa do meu tio, tinha doze anos. Qual o meu viver nessa casa? Para mim tornou-se mais favorável, declarando que na casa primitiva, passei fome. Andava eu na segunda classe quando o meu pai foi para Angola. Fiz a segunda, seguidamente a terceira. Além de ter facilidade de memória, tinha dificuldade na alimentação. Houve muitos mas muitos dias, que passava com o mata-bicho de manha á noite. As aulas eram das nove á meia hora. Saia-mos, cada qual ia para suas casa para almoçar. Eu também ia mas só que encontrava a porta fechada. Voltava novamente para a escola. Num certo dia houve quem visse que eu não almoçava e alertou a professora. Ela limitou-se a dar-me o lanche dela. Reparem nas dificuldades que passei. Voltando a casa do meu tio, embora não fosse pêra doce, passou a ser melhor em certos aspectos. Deixei de passar fome, tinha outras condições de vida. Qual o meu trabalho aí? Era pastor de animais designadamente vacas. Eles tinham um filho que era o mais velho. Era pastor de ovelhas. Havia dificuldades em viver, como se sabe e esse pastor de ovelhas pediu ao aos pais se lhes davam licença de ir para França. Autorizaram-no e ele partiu. Havia assim menos um. Um certo dia apareceu lá na freguesia um padre seminarista á procura de rapazes que quisessem seguir o seminário. A esposa do meu tio que era um pouco autoritária, convenceu o filho mais novo a seguir e assim, este mesmo, foi para o seminário. Este perguntou ainda ao padre se eu também podia ir. Ele disse que sim, mas eu tinha apenas a terceira classe, teria que fazer a quarta. Então, matriculou-me e fiz o exame de quarta classe. O espanto dela foi depois de eu ter feito o exame, disseram que não podia ser. Ela ficou pior que uma barata. Porquê? A intenção dela era diminuir o pessoal em casa. A minha irmã, que estava em Santo Tirso, quando ia á terra, era sempre chateada pela minha tia. Dizia:-Ó Maria vê se tiras daqui o Fagundes. Tínhamos uma tia em Montalegre, foi lá pedir-lhe para eu ir para lá cinco meses. O trabalho seria o mesmo, Pastor de vacas.

Como o Hospital de Santo Tirso era orientado por irmãs religiosas “freiras” a Superiora viu a minha irmã a chorar. Olha lá Maria porque choras? Então ficaram a dialogar a meu respeito e ela disse-lhe:-tenho um irmão que é deficiente do lado direito e gostava de o ter mais perto de mim. A Superiora disse para ela:- brevemente vai vir cá a Superiora geral e contas-lhe a tua vida. Essa ordem Franciscana tinha comprado uma quinta ali próximo, onde fizeram um convento, que por sinal ainda continua a exercer funções. Essa dita quinta nessa altura era trabalhada por um caseiro. Coisa que as freiras não quiseram continuar nesse sistema e despediram-no, contratando empregados, fazendo por conta delas. Voltando á questão da espera da Superiora geral, chegou o dia. E então a Superiora do hospital chamou a minha irmã e deixou-as conversar. Depois de tudo esclarecido a Superiora geral disse-lhe:-descansa que tudo se pode resolver.

Para mim foi grande surpresa quando no dia treze de agosto mil novecentos e sessenta e dois, apareceu-me lá a minha irmã para me levar para Santo Tirso. Preparamos o que havia de trazer, roupas, calçado, e vejo-a a por as chancas. Admirei-me e cheguei a dizer…vou andar de chancas no hospital! Como o dia se tornou curto não viemos directos para Santo Tirso. Chegamos a Braga e fomos para Vila Verde pernoitar a casa de uma pessoa conhecida. No dia seguinte, dia catorze viemos finalmente para Santo Tirso. Diz-me a minha irmã. Agora vais ficar aqui no hospital e amanha o Armando que é nosso irmão vem para baixo e ides á Senhora da Assunção e no fim da festa ides os dois para a quinta…a tal que as irmãs Franciscanas compraram…”

E assim encerra mais um capítulo, de uma história triste, mas uma história real e que aconteceu a muitas crianças e adolescentes! A fome, a tristeza de ser órfão! Mas…A história continua…

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Crónica de Aida Fernandes
A última Etapa