Uma bonita história de amor…

Maria e Bernardo eram um casal maravilhoso. Um daqueles casais à antiga, como já não existem no mundo actual. Sempre afectuosos um com o outro, há vários anos que se encontravam casados e eram, para absoluta inveja dos seus amigos, o denominado “casal perfeito”. Nunca eram vistos a discutir. Nunca estavam chateados um com o outro. Eram, basicamente, perfeitos. Por essa mesma razão, todos os seus amigos idealizavam que a vivência caseira entre os dois seria, indubitavelmente, uma espécie de Paraíso na terra.

Certo dia, algo extraordinário aconteceu. Um dos amigos mais próximos do casal perfeito, de seu nome Asdrúbal, acordou metamorfoseado numa mosca.

“Por Deus! Sou uma mosca! Tal e qual no livro de Kafka! Graças a Deus que não acordei sendo uma barata! Odeio baratas! O que irei fazer à minha vida agora?! Bem, tenho asas… isso quer dizer que posso ir a qualquer lugar do mundo! Pensa, Asdrúbal, onde querias tu ir se tivesses asas e pudesses voar?… Ah, já sei! Vou a casa do “casal perfeito” e descobrir, assim, como é viver no Paraíso…”

Era sábado. Habitualmente, Maria e Bernardo dedicavam esse dia para as arrumações caseiras. Asdrúbal aproveitou uma frecha na janela da sala para entrar. Escondeu-se entre as folhas de uma planta que o “casal perfeito” tinha no parapeito da janela e deixou-se estar sossegado a ouvir. Iria agora descobrir como seria viver no Paraíso. Observou com cautela e viu que Bernardo se encontrava totalmente escarrapachado no sofá, a ver televisão. Instantes depois entra Maria na sala, de avental vestido, e diz para Bernardo:

“E que tal levantares esse rabo preguiçoso do sofá e me vires ajudar a arrumar a casa?!

“Não posso…”, responde Bernardo.

“Não podes, ou não queres? Vá, agarra no pano do pó e vai limpar o pó!”, diz Maria.

“Sabes muito bem que sou alérgico ao pó. Não posso limpar o pó…”, retruca, Bernardo.

“Ok, ok… então vai lá tirar os lençóis da cama para colocar a lavar…”

“Tchi! É que nem pensar nisso é bom! Não posso, sabes muito bem que sou alérgico aos ácaros…”, dispara Bernardo.

Maria, já começando a ficar irritada, insiste:

“Mas é por isso mesmo que estou a pedir-te para tirares os lençóis da cama para eu colocar a lavar! Para eliminar os ácaros!”

“Nã… e se, ao tirar o lençol da cama, cai uma carrada de ácaros em cima de mim? Vai ser logo cá um festival de espirros e ranho que é obra!”, diz Bernardo.

Asdrúbal bate as asas durante uns milésimos de segundo, mas o suficiente para Maria olhar para a planta onde se encontrava. E Maria continuou:

“Pronto, está bem. Vai então desinfectar a casa-de-banho com lixivia…”

“És doida?! Queres matar-me? Sabes muitíssimo bem que não me dou bem com o cheiro a lixivia…”, diz Bernardo, espreguiçando-se no sofá.

“Preguiçoso d’um raio…”, disse Maria para si. “Ao menos aspira a casa, não? O aspirador está na despensa. Vai lá buscar e faz isso…”

“Tu não estás bem da cabeça, só pode. Então e a minha tendinite? Achas mesmo que eu posso andar por aí a fazer força com o braço a aspirar a casa? Esquece isso, amor. Sabes bem que, se eu pudesse, ajudava-te em tudo e quase não terias de fazer nada…”, diz Bernardo.

Asdrúbal estava estupefacto com a conversa que estava a assistir…

“Ah, tens razão. Não me lembrei da tendinite… então, vá, vai lá passar a esfregona no chão que eu aspiro…”, propõe Maria.

“Esfregona? Sabes muito bem que o cabo da esfregona faz-me feridas e calos nas mãos. Para não falar da alergia que tenho ao detergente para o chão!”, desculpa-se Bernardo.

“TU TENS É UMA G’ANDA ALERGIA AO TRABALHO, MAS É!”, explode Maria.

“Ó amor… sabes muito bem que não é nada disso. Eu adoraria ajudar-te, mas sabes que não consigo…”, diz Bernardo.

“Bernardo… eu quero o divórcio!”, dispara Maria.

Asdrúbal fica de boca aberta, surpreso com o que está a assistir.

“Porquê, Maria? Eu sou tão bom para ti! Explica-me, porquê?!”, diz Bernardo, preocupado, mas sem mexer um músculo sequer do seu corpo para sair do sofá.

Nisto, Asdrúbal aproveita para levantar voo e sair da casa do “casal perfeito”, para ir contar a todos os amigos que, afinal, de “casal perfeito” eles não tinham nada. E que até se iam divorciar! E, de repente…

PÁS!

Maria mata a mosca que rondava a planta, usando um dos chinelos de Bernardo.

“Vês! É por isto que quero o divórcio, Bernardo! Nem para matar uma mosca tu prestas…”