Uma catastrófica ida à piscina…

Confesso que não sou um adepto fervoroso de piscinas. Claro que, se eu fosse uma daquelas personalidades bem abastadas que proliferam a zona de Cascais, e que passam o verão inteiro a postar fotos da sua piscina caseira no Instagram, obviamente que o caso mudava de figura e eu teria de admitir que adorava piscinas. Mas como não é o meu caso, lá terei de ser honesto e afirmar que não aprecio piscinas. Aprecio, isso sim, um bom dia de praia. Adoro o cheiro a água salgada a invadir-me o nariz sempre que me aproximo do oceano, e depois as horas em que fico constantemente a fungar e a deitar água salgada pelo nariz, como se tivesse uma espécie de torneira estragada no lugar do nariz. Adoro voar pelas ondas, fechando os olhos e imaginando que sou o McNamara a surfar as ondas da Nazaré. E adoro abrir os olhos e constatar que a onda me levou para cima de outras pessoas – que, certas vezes, são mulheres com corpos esculturais – e que não terei como evitar o contacto, sempre com a desculpa que “desculpe, mas foi a onda…”. Piscinas? Não, obrigado. Mas às vezes lá temos de ser um pouco menos egoístas e sujeitarmo-nos aos caprichos de outras pessoas. Neste caso, aos dos nossos familiares que gostam de piscina e nos convidam para um dia de piscina, mesmo sabendo que nós odiamos tal coisa. E foi assim que começou a aventura que quase me fez desaparecer deste mundo.

Acordar cedo nunca foi verdadeiramente um problema para mim. Mas acordar bem cedo para uma viagem de hora e meia até a uma piscina, faz-me acordar sempre com um mau-feitio que faz do Steven Seagal um verdadeiro menino de coro ao pé de mim. Mas o motivo para tal acordar madrugador era bastante válido — ou assim pensavam os meus familiares… — e devia-se ao facto de sermos dos primeiros da fila. “Mas a piscina é tão grande…”, argumentei eu na esperança de não ter de acordar assim tão cedo, mas a união faz a força e, neste assunto em particular, eu estava em minoria. Depois de uma hora e meia de muita rabugice da minha parte, lá chegámos à tão aclamada piscina. Na verdade, fiquei surpreendido pela quantidade de pessoas que estavam já na fila, munidas de geleiras, chapéus-de-sol, toalhas, cadeirinhas e outros que mais. Dei por mim, instantaneamente, à procura de um grelhador no meio daquele frenesim, na esperança que aquilo se tratasse de uma churrascada da boa, e não um dia passado na piscina. Mas não tive tal sorte…

Chegou a hora de abertura e as pessoas já “bufavam” insatisfações, na ânsia de entrarem para o raça da piscina. E assim que as portas se abriram, o impensável aconteceu: as pessoas transformaram-se numa manada de javalis famintos, e correram para o interior — tal e qual como se se tratasse de um festival de verão, e fossem “pitas” esfomeadas por ficarem com o melhor “spot” em frente ao palco. Fiquei assustado por breves momentos, mas lá segui os meus familiares para o interior.

Verifiquei que as pessoas corriam, sim senhor, mas era para ficarem com os melhores lugares em redor da piscina principal — a dos adultos. Todos queriam uma das variadíssimas sombras que as inúmeras árvores, que circundavam a piscina, ofereciam totalmente de graça. O que acabou por deixar as pessoas quase em cima umas das outras, como se fossem todas um enorme grupo de pombos de volta do milho que algum reformado e com imenso tempo disponível decidiu deitar para o chão. Tentei argumentar contra o facto de ficarmos — quase literalmente — em cima de outras pessoas, mas uma vez mais estava em minoria e tive de me sujeitar à vontade dos meus familiares.

Depois de instalados, todos os meus familiares correram para a piscina. Mais uma vez, fiquei boquiaberto a olhar para eles e tentei descortinar se alguém estava a oferecer bolas de berlim no local para onde se dirigiam, mas rapidamente apercebi-me que eles apenas corriam para os escorregas. Ora ali estava outra coisa de que eu não sou um fervoroso adepto, mas como a “união faz a força”, lá tive de me sujeitar às opções de divertimento que os meus familiares davam mais importância naquele dia. O escorrega era relativamente pequeno e dei por mim a pensar que seria uma viagem igualmente pequena e que passaria num instante. E bastava uma vez para calar aquelas hienas famintas que me atormentavam o juízo, para que eu entrasse no raça do escorrega de uma vez por todas. Quando dei por mim, já não eram apenas os meu familiares a incentivar-me a entrar no escorrega, mas também as cerca de dez pessoas que já faziam fila atrás de mim, à espera da sua vez para deslizarem em direcção à piscina.

Enchi-me de coragem — talvez devido à vergonha que sentia a crescer dentro de mim, derivado da pressão que todos faziam para que eu entrasse no raio do escorrega — e avancei destemido. Como seria de esperar entrei mal no escorrega, e em vez de descer de barriga para cima acabei por entrar de cabeça e de barriga para baixo. E a descida foi infernal e demasiado duradoura. Naqueles míseros segundos em que deslizava de barriga para baixo no escorrega, senti o meu lado direito da cara a raspar literalmente no chão do escorrega, e a sensação de queimadura apropriou-se daquela zona do meu corpo. A dada altura abri os olhos e vi uma pequena luz ao fundo do túnel que me fez esboçar um pequeno sorriso de ansiedade — ansiedade por sair daquele espécie de túnel de plástico azul, que me estava a queimar a cara. E quando dei por mim, estava a mergulhar na piscina.

Fiquei alguns segundos debaixo de água, sem reacção e simplesmente a absorver aquele sentimento maravilhoso de ser absorvido pela água e depois decidi que já estava na hora de voltar à superfície porque estava a ficar sem ar nos pulmões. E foi aqui que o terror começou… Assim que tento voltar à superfície, sinto um enorme peso a atingir a cabeça, levando-me de novo para o fundo da piscina. Abri o olhos em pânico, e apenas consegui vislumbrar uma enorme massa por cima de mim. Fiquei uns míseros segundos a debater-me debaixo dessa enorme massa e, quando estava praticamente a ficar sem força, senti o peso que estava em cima de mim a abandonar-me e uma sensação de leveza a invadir-me o topo do crânio. Olhei para cima e constatei que aquela massa se tratava de uma pessoa, e que estava a tentar sair da piscina nadando de uma forma estranha. Fiz força com um pé do fundo da piscina para me dar impulso suficiente para chegar à superfície de uma vez só, e sair disparado — mas em câmara lenta, obviamente… — para a superfície. Assim que atingi a superfície, abri a boca e tentei absorver o máximo de oxigénio possível. Não consegui absorver muito, porque fui imediatamente arremessado novamente para o fundo da piscina, novamente por outra pessoa que tinha acabado de sair do escorrega. Lutei novamente pela minha vida, tentando sair debaixo daquele enorme peso que me prendia ao fundo da piscina, e dei por mim em desespero a tentar socar a pessoa, mas em vão porque dentro de água, os socos — por mais força que possamos aplicar neles — acabam por ser uma espécie de “festinha” no corpo da outra pessoa. E, obviamente, a pessoa que estava por cima de mim não sentiu nada e ficou no mesmo sítio, imóvel, com os pés em cima do meu estômago pensando certamente que se tratava do fundo da piscina. Comecei a ficar sem ar… Aos poucos e poucos, fui perdendo as forças… Ocorreu-me, em perfeito desespero, começar a arranhar as pernas daquela besta que me estava a afogar — embora de forma totalmente inconsciente —, mas não surtiu efeito nenhum e dei por mim a criticar-me, de forma bastante insultuosa, por ter o vício de roer as unhas. Estava, literalmente, a afogar-me… Já não tinha ar nos pulmões e tentava em desespero resistir o máximo que conseguisse apenas com o ar que tinha preso no interior das minhas bochechas. Mas já estava a sentir uma pressão enorme no peito, e não estava a aguentar mais… Senti-me lentamente a desistir pois estava super exausto. Mas olhei para os meus pés, e verifiquei que o terrível vício de roer as unhas ainda não me tinha levado a roer as unhas dos pés, e essas estavam realmente compridas. Então, já exausto, levantei a perna de uma forma que ainda hoje penso não ser possível para um ser humano, e consegui arranhar a barriga do meu carrasco com as unhas do pé direito. Qual delas não sei, mas que surtiram efeito lá isso surtiram… porque a besta apercebeu-se do arranhão e saiu rapidamente de cima de mim e da piscina. E eu, sem forças, lutei ao máximo para chegar à superfície do raça da piscina. E consegui, abrindo a boca ainda antes de sair da água e engolindo setenta por cento de água e trinta por cento de oxigénio, mas foi o suficiente para respirar e para sobreviver…

Notei que fiz um barulho assustador quando inspirei oxigénio, porque todos que estavam na piscina pararam a olhar para mim. Sai apressadamente da piscina, envergonhado, mas contente por ainda estar vivo e corri para a zona das toalhas. Nenhum familiar se deu conta do que tinha acabado de sofrer e, assim que cheguei perto da toalha e me deitei nela, um deles disse-me as imortais palavras que nunca mais na minha vida irei esquecer. Ele disse: “Ain, pá… Olha para essas unhas dos pés! Não cortes isso não, que ainda vazas a vista a alguém!” E depois soltou uma estrondosa gargalhada.

Não tive reacção. Apenas olhei para as minhas unhas dos pés e pensei em beijá-las, abraçá-las e, depois de as cortar, guardá-las num cofre. Pois elas tinham acabado de me salvar da morte e eu iria estar para todo o sempre grato por isso. Até ao fim dos meus dias…

Isto é que é uma Vida de Cão, hem…